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Didática: Atualização da Compreensão Epistemológica de um Campo Complexo Construído em Redes de Interatividade

CAPÍTULO I – SINAIS DE TRANSIÇÃO PARADIGMÁTICA NAS ATUAIS RELAÇÕES ENTRE INVESTIGAÇÃO EM DIDÁTICA E PRÁTICA DOCENTE : UM MOVIMENTO DE

1. Didática: Atualização da Compreensão Epistemológica de um Campo Complexo Construído em Redes de Interatividade

1.1. Matriz fundadora de uma área disciplinar nos anos 1970-90

Neste estudo que se inscreve no domínio científico da Didática e que procura compreender as relações que, nesta área de saber, se estabelecem e podem estabelecer entre as suas dimensões internas, importa começar por explicitar o conceito epistemológico de Didática8 aqui assumido, conceito este que, como avancei já na Introdução deste texto, constituiu, em si, um forte argumento fundador dos propósitos e das linhas de orientação de desenvolvimento do projeto de investigação que agora se apresenta. Para tanto, revisitarei a definição construída no âmbito de um trabalho anterior situado no mesmo campo de preocupações (Canha, 2001), procurando clarificar as linhas conceptuais que a consubstanciaram e, na subsecção seguinte, as mutações que entretanto se operaram no meu pensamento, atualizando e reconfigurando o entendimento que, no presente, faço da área disciplinar em que me movo.

“Julgo, assim, que a disciplina terá já atingido uma fase de maturação que permite defini-la como uma ciência que interage com outras ciências, constituindo- se como disciplina de interface entre várias áreas do saber que mobiliza com o fim de compreender e intervir sobre os acontecimentos de sala de aula, seu objeto de estudo” (op. cit.: 36).

No comentário transcrito, sublinham-se duas ideias nucleares que se articulam numa visão integrada: i) Didática é uma disciplina científica, ii) dotada de autonomia face a outras áreas de saber com que interage, ao focar-se num objeto de estudo que lhe é peculiar – a sala de aula.

A primeira ideia assinalada no parágrafo anterior emergiu da reflexão em torno de uma noção mais larga de Ciência, noção que ainda mantenho e aqui reafirmo. Aproximando-me do entendimento pós-moderno e demarcando-me da visão positivista da racionalidade moderna que a antecedeu e com a qual ainda convive (Bohm, 1997; Giddens, 1998; Horgan, 1996; Morin, 1999; Santos, 1999), identifiquei Ciência como uma

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Trata-se de um entendimento epistemológico do campo influenciado pela minha ligação à DL, mas que se estende para além dessa área de especialidade.

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atividade interpretativa, crítica do conhecimento que produz, que se traduz numa visão holística, integrada, marcada pelo próprio cientista/investigador como Homem detentor de um olhar parcelar. Fruto da própria atividade científica de investigação, as certezas que a Ciência da modernidade buscava, a ambição de as descobrir, de retirar o véu que as cobre, deram lugar ao questionamento, à procura de compreensão de um mundo que se entende dinâmico, instável, permanentemente mutante. Em termos metodológicos, ganharam protagonismo e prestígio abordagens e procedimentos anteriormente desacreditados pela sua incapacidade de gerar conhecimento objetivo e generalizável, caracterizados por uma natureza dominantemente qualitativa, eclética, compreensiva e, frequentemente, situada em casos (Lather, 2004: 767). Neste processo, o pensamento científico transforma-se, nas suas dimensões ontológica, epistemológica e metodológica, e o cientista assume a intangibilidade do conhecimento absoluto e as indeléveis marcas da sua própria humanidade na condução do seu trabalho de investigação e nos produtos que dele resultam.

Contudo, o pensamento anterior não tem sido isento de contestação. Se, por um lado, se alinha em coerência com os limites e as capacidades da compreensão humana, implica, por outro, admitir a precariedade do conhecimento científico, incapaz de gerar mais do que incertezas e aproximações (cf. André, 2003: 362). Nas palavras de Scheffler, “The dilemma is severe and uncomfortable: Swallow the myth of certainty or concede that we cannot tell fact from fancy” (1997: 164).

Na voz dos críticos, a Ciência, tal como entendida pelos pós-modernistas, torna-se impotente como motor de transformação social, assumindo uma postura cínica face às necessidades práticas dos que vivem o mundo, em concreto, dos que habitam o universo educacional (Kemmis, 1996:224). A discussão ganha, assim, uma dimensão ideológica e, revelando uma relação estreita entre pensamento em Ciência e pensamento em sociedade, amplifica-se em manifestações provenientes de diversos setores, levando os mais céticos a temer a diluição e a derrocada do sistema de valores que sustentam a própria vivência social. É neste contexto, que o atual Papa Bento XVI tem vindo recorrentemente a incluir no seu discurso um apelo claro a uma batalha contra o que designa “ditadura do relativismo” (ZENIT, 2009), interpelando os educadores no sentido da sua mobilização contra “R a presença marcada na sociedade de um relativismo que não reconhece nada como definitivo e deixa como último critério somente o eu” (Agência Ecclesia, 2006), reafirmando “R a sua opção pela verdade frente ao “relativismo imperante” (Melhado, 2012).

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Na tentativa de encontrar caminhos de resposta às inquietações que se evidenciam no debate anterior, alguns autores rejeitam a ideia de ruturas definitivas entre duas posições aparentemente bipolares e defendem o diálogo entre as perspetivas moderna e pós-moderna, orientado para a partilha dos seus recursos metodológicos (Jennings & Graham, 1996: 166; Kemmis, 1996: 208). Serão as interações entre estas perspetivas e as relações coconstrutivas estabelecidas entre áreas científicas afins que poderão permitir a construção de um conhecimento que, ainda que situado, provisório, destinado a previsíveis reformulações futuras, se converte num referencial sólido durante um determinado período de tempo (Scheffler, 1997: 181-2), num equilíbrio temporário, “R a brief respite in the experience of doubt and uncertainty that characterises all inquiry” (Badley, 2003: 305). O conhecimento é, assim, o reconto de uma experiência datada na História, situada no espaço e nas personagens suas autoras, potencial e provavelmente desencadeadora de novos ciclos de experiência e de construção de conhecimento que contextualizam e reconfiguram cada momento do percurso antropológico.

Esta tentativa de conciliação entre as perspetivas moderna e pós-moderna tem, do meu ponto de vista, uma virtude sobretudo pedagógica das relações entre cientistas e entre as ideias que defendem para a Ciência, ao sublinhar a relevância de um pensamento capaz de integrar diferentes olhares, reconstruindo-se e aperfeiçoando-se nesse processo. Na verdade, este posicionamento valoriza uma atitude de coaprendizagem no seio da comunidade científica, constituindo-se como potencial apaziguador de eventuais tensões e cisões inibidoras do avanço da própria Ciência. Porém, enquanto proposta concreta de uma visão sobre a atividade científica torna-se redundante face ao paradigma pós-moderno. Este último, alicerça-se, como ficou dito, numa noção sobre o processo de construção de conhecimento como experiência humanizada, interpretativa, dialogante interdisciplinarmente, capaz de gerar uma compreensão do mundo simultaneamente situada e “ecologizante” (Morin, 1999: 24). Neste sentido, apela explicitamente ao recurso a abordagens metodológicas ecléticas, que, sendo de índole predominantemente qualitativa (Miles & Huberman, 1994: 5), incorporem dados e procedimentos quantitativos, sempre que a orientação empírica estabelecida pelas questões de partida assim o sugerir. Trata-se do continuum metodológico qualitativo/quantitativo que, de acordo com Newman & Benz (1998: 9) se aproxima do pensamento da pós-modernidade.

É no quadro anteriormente descrito que a ciência Didática tem vindo, a partir das décadas de 70/80, a consolidar o seu espaço epistemológico, num debate que

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gradualmente se intensificou até aos anos 90 e do qual resultou, nos planos nacional e internacional, o seu reconhecimento institucional como área científica (Alarcão, 1991: 307; Alarcão, Costa & Araújo e Sá, 1999: 227; Buchberger & Buchberger, 1999: 76; Coste et al, 1994: 12; Tavares et al, 2000: 1; Oancea, 2005: 165).

Em Portugal, este trajeto foi protagonizado, particularmente em DL, por duas primeiras gerações de didatas que, animados por interesses e preocupações diversos, teceram a matriz fundadora de uma disciplina científica (Alarcão & Canha, 2008: 10-11). Assim, no final dos anos 70 e durante os anos 80, a criação de disciplinas de Didática (ou Metodologias de Ensino) nos cursos de formação de professores fez emergir a Didática na sua dimensão curricular, termo de Andrade & Araújo e Sá (1989), como núcleo privilegiado de interesses que se projetou também no plano da investigação, como testemunha a realização do II Encontro Nacional de Didácticas e Metodologias de Ensino, (Martins et al, 1991)9, já no início dos anos 90 na Universidade de Aveiro (UA)10. A necessidade de pensar a Didática como objeto de disciplinas curriculares deu origem à busca, por parte dos seus responsáveis, de uma mais clara compreensão dos contornos epistemológicos da área, numa reflexão que combinava os saberes da prática profissional11 e os saberes teóricos de referência e por si construídos enquanto investigadores. Deste modo, tornava-se mais evidente a estreita relação de interdependência entre os processos de teorização e de realização didática no terreno, reforçando o entendimento dos acontecimentos de E/A em sala de aula como objeto de estudo e de intervenção da própria ciência Didática (cf. Alarcão, 1989; Andrade & Araújo e Sá, 1989; Valente, 1991).

Durante a década seguinte, uma nova geração, sobretudo composta por investigadores formados pelos didatas da geração anterior, pôde já experimentar um “sentimento de pertença a uma comunidade própria” (Alarcão & Canha, 2008: 11) e centrar os seus interesses e esforços no cumprimento da finalidade assumida de melhor compreender o E/A para poder sobre ele intervir de modo mais informado e consequente. Na focalização na sala de aula como objeto de estudo e na relação cúmplice de influência mútua que envolve os acontecimentos que aí se desenrolam e a construção de

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O I Encontro Nacional de Didácticas e Metodologias de Ensino, realizado em 1988, igualmente na UA, centrou-se sobretudo, segundo Andrade & Araujo e Sá (2001), na análise de manuais e programas e na apresentação de propostas metodológicas em DL.

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O interesse pelo aprofundamento do conhecimento no domínio desta dimensão da Didática deu origem, também nesta universidade, ao projeto EURECA/DL (Ensino Universitário Reflexivo Chave para a Autonomia/Didáctica das Línguas), desenvolvido entre 1992 e 1998 (Alarcão et al, 1994).

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De notar que muitos dos professores de Didática no ensino superior contavam com uma experiência profissional anterior nos ensinos básico e secundário (EBS) (Alarcão & Canha, 2008: 11).

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conhecimento sobre eles, confirmavam-se traços distintivos da identidade epistemológica da Didática e, assim, da sua autonomia face às áreas disciplinares suas correlatas. Trata- se da segunda ideia que integra o comentário citado no início desta subsecção e que tem guiado a construção da análise que aqui se apresenta.

Na condução da investigação, percebia-se tal objeto como acontecimento situado, irrepetível, e optava-se dominantemente por configurações metodológicas que, em coerência com este entendimento, se ancoravam num paradigma interpretativo e construtivista, numa clara aproximação ao pensamento pós-moderno (cf. Guba & Lincoln, 1994: 109; Miles & Huberman: 1994: 11; Mortimore, 2000: 11; Kansanen & Meri, 1999: 107). Para compreender tal objeto, tornava-se necessário que a Didática fosse capaz de interrogar outros domínios do conhecimento, estabelecendo com eles uma relação não- hierarquizada e autónoma, “..., ao colocar-se interrogações que lhe são próprias e ao encontrar para essas questões respostas que só ela sabe dar” (Alarcão, 1991: 307)

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Contudo, se a sua interação com as áreas da especialidade foi cedo percebida num quadro de complementaridade e de autonomia, demarcando a comunidade científica de uma visão próxima da racionalidade técnica e aplicacionista (cf. Atienza, 1993: 218, Camps, 1993: 243; Canha, 2001: 31-32, 42 e segs.; Dabène, 1972: 175; Galisson, 1998: 8-9; Imsen, 1999: 96; Puren, 1999: 34), o lugar que ocupa face às Ciências da Educação suscitou argumentos e contra-argumentos numa discussão que, apesar de adormecida, se reacende ainda hoje, quando emerge a questão: A Didática faz parte das Ciências da Educação ou trata-se de um domínio científico autónomo? Assim, confrontaram-se e conviveram posicionamentos que, por um lado, questionavam a possibilidade e a pertinência de distinguir as duas áreas, por outro, afirmavam a Didática como uma das Ciências da Educação e que, por outro ainda, legitimavam a autonomia de ambas, identificando a primeira como ciência que se constitui “...a partir do ensino, seu objeto, tomado como prática social,...” e atribuindo às segundas a “análise do comportamento em si” e a construção de um “discurso sobre a educação” (Pimenta, 1997: 38, 47).

Em síntese, as décadas a que tenho vindo a aludir constituíram-se como um período decisivo de afirmação da identidade da área. Recuperando a citação de abertura e as duas ideias matriciais nela consideradas, consolidou-se a legitimidade da Didática enquanto ciência no contexto do pensamento pós-moderno e confirmou-se a sala de aula como seu objeto de estudo, sublinhando a relação recursiva entre este e o processo de construção de conhecimento que nele incide como traço distintivo da sua autonomia epistemológica face a outras áreas de saber com que se articula. O consenso alargado

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que esta conceção de Didática gerou permitiu estabelecê-la como referência e terá conduzido a um abrandamento de estudos centrados em questões da epistemologia, como atesta a progressiva escassez de textos e publicações durante os primeiros anos de 2000 (cf. Pinho et al, 2009). Porém, como veremos de seguida, a atualidade tem permitido perceber novos contornos no desenho conceptual da área, dilatando a abrangência da perceção que dela se faz.

1.2. Reconfiguração atual do pensamento sobre a identidade didática - consolidação e alargamento de uma herança conceptual

Como adiantei ao encerrar a subsecção anterior, os frutos produzidos por investigação recente e o desenvolvimento de linhas de pensamento encetadas em outros momentos combinam-se, atualmente, numa reflexão que tende a reajustar a compreensão epistemológica do campo, expandindo-a relativamente à visão que a antecedeu.

Na tentativa de clarificar esta consideração, começo por referir os problemas, conceptuais e de organização do discurso que experimentei durante um período em que exerci funções como docente universitário, quando me confrontava com a necessidade de definir o âmbito da minha profissão junto de pessoas que não trabalham em Didática. Habitualmente, à pergunta “O que fazes?/Qual é a tua profissão?” respondia, sem grandes hesitações, “Sou professor”. Ao fazê-lo, sentia que atraiçoava parcialmente a compreensão que eu próprio faço do meu campo de trabalho, omitindo as atividades de investigação e de formação de professores, que considero igualmente fundamentais na minha identidade profissional. A necessidade de economia do discurso nestes contextos mais ou menos informais, a certeza de que o conceito de professor é ativador de representações definidas independentemente do interlocutor e a convicção pessoal de que a atividade docente será, porventura, a linha nuclear em torno da qual giram os restantes domínios em que me envolvo levavam-me a aceitar o desconforto desta opção simplificada, logo, diminuída. Mas esta pergunta era quase inevitavelmente seguida por outra causadora de maiores embaraços: “És professor de quê?” Prevenido da estranheza também comum suscitada pelo termo Didática, costumava acrescentar que se trata da ciência do E/A. Normalmente, conseguia com esta clarificação aquietar o espírito de quem me interrogava, ainda que violentando o meu, ao reduzir a noção de Didática à

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construção de conhecimento científico. E é aqui justamente que incide o primeiro ângulo do olhar crítico da análise que venho a desenvolver em torno das duas ideias evidenciadas na definição de Didática por mim proposta em 2001 e que aqui tomei como referência de organização do pensamento.

Em meados dos anos 90, Alarcão (1994) identificou e definiu 3 dimensões internas da Didática que se tornaram, até hoje, referência incontornável na compreensão epistemológica da área. Refiro-me naturalmente ao tríptico composto pela dimensão investigativa da Didática (relativa à atividade científica de construção de conhecimento), pela didática curricular (a que já me referi e que designa a Didática enquanto objeto do curriculum nos cursos de formação inicial de professores) e pela didática profissional (ie, a ação profissional dos professores no terreno, na orientação das aprendizagens dos seus alunos). A autora evidenciou, assim, um campo que se identifica como ciência, como objeto curricular e como prática de ensino e que se caracteriza pela interação coconstrutiva entre essas três dimensões, ie, pela influência que a intervenção numa delas gera no desenvolvimento das outras e, simultaneamente, pela necessidade de informar as atividades em qualquer das vertentes pelo conhecimento e pela experiência desenvolvidos no âmbito das restantes. Esta mesma perceção de um domínio simultaneamente científico e práxico/formativo é por si hoje renovada e sublinhada, ao afirmar a Didática como “uma disciplina e uma actividade profissional” (Alarcão, 2008: 10).

Refira-se que este entendimento não é partilhado por todos os autores e por todas as didáticas. Por exemplo, Godino (2006: 1-2) distingue “didáctica da matemática” de “educação matemática”, identificando a primeira como a disciplina científica que se ocupa do E/A e a segunda como um campo que, integrando uma dimensão de investigação sobre o E/A, é acima de tudo de cariz prático e tecnológico. Não é este o meu pensamento.

Desde 2004, a mesma didata, Isabel Alarcão, tem vindo a liderar uma linha de investigação que, tomando como objeto de estudo a atividade científica em DL e como corpora a literatura que dela tem resultado, se tem desenvolvido no sentido de “Rsistematizar o percurso da DL em Portugal, para identificar linhas orientadoras que contribuam para uma política de investigação capaz de responder aos desafios de uma educação em línguas numa sociedade plural, democrática e transformadora” (Araújo e Sá et al, 2004). Concretamente, refiro-me ao estudo que, entre os investigadores,

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designámos Estado da Arte em Didática de Línguas (EADL), e que foi despoletado por um desafio lançado pela Sociedade Portuguesa de Ciências da Educação (Alarcão et al, 2004)12, e ao projeto EMIP (EMIP) - Didática de Línguas: um Estudo Meta-Analítico da Investigação em Portugal, lançado na sequência do anterior (Alarcão & Araújo e Sá, 2010)13. Ao iniciar este último, a equipa de investigação, que se alargou em número de elementos e de instituições envolvidas, sentiu necessidade de pensar uma definição de Didática capaz de se constituir como instrumento conceptual de orientação na constituição do corpus. Neste exercício, reafirmou-se claramente a tridimensionalidade do campo (cf. Vieira de Castro & Alarcão, 2004: 4-5), identificando a investigação científica como uma das suas vertentes de concretização. Apesar disso, a tessitura discursiva da definição a que se chegou denuncia ainda um foco privilegiado sobre a Didática enquanto ciência, ao colocar a tónica na clarificação do objeto de estudo desta área de atividade:

“R campo disciplinar que tem como objecto de estudo a educação em línguas (materna, estrangeiras e clássicas) nas suas práticas, processos, condições e factores influenciadores” (op. cit.: 5)

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Recorde-se que, no caso presente, a perspetiva preferencial a que aludi terá sido influenciada pelo facto de a investigação científica constituir o próprio objeto de estudo do projeto que deu origem à definição citada. Mas, no contexto do pensamento que venho a desenvolver, parece-me oportuno salientar a visibilidade conferida a esta dimensão, quando se tornou necessário produzir uma visão-síntese do campo, que se pretendia “necessariamente englobante e por isso capaz de acolher diferentes interpretações, R” (op. cit.: 4).

Atentemos agora em alguns dos contributos que a progressão dos trabalhos no âmbito destes dois projetos tem trazido para a identificação de novos contornos na compreensão epistemológica da área, designadamente, no que toca à sua abrangência e à perceção das suas dimensões internas. Numa derivação da finalidade comum de caracterizar a DL, analisámos, num estudo apresentado no XVII Colóquio da Secção Portuguesa da Association Francophone Internationale de Recherche Scientifique en Education (Alarcão et al, 2006), as implicações dos trabalhos considerados no corpus EADL, procurando perceber os planos em que se projetavam os frutos desses trabalhos,

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Estudo realizado com o apoio do Conselho Diretivo do anterior Departamento de Didática e Tecnologia Educativa da Universidade de Aveiro (DDTE/UA).

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Projeto financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) (POCI e PPCDT/CED/59777/2004), desenvolvido entre 2006 e 2009 e coordenado por Maria Helena Araújo e Sá com o apoio de Isabel Alarcão.

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em termos da reconstrução do campo. Constatámos, então, a existência de ocorrências que, embora escassas, nos conduziram ao primeiro esboço de uma nova dimensão da Didática, ainda em emergência – designámo-la dimensão política. Nela incluímos as recomendações que incidiam sobre instrumentos oficiais de orientação didática