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CAPÍTULO

1.2 Colaboração profissional

O que é uma colaboração eficaz?

As formas de colaboração podem ser diversas e visar objectivos diferentes. Hargreaves (1998) distingue entre cultura de colaboração e colegialidade artificial. Para este autor, as culturas de colaboração são relações que tendem a ser espontâneas, voluntárias, orientadas para o desenvolvimento, difundidas no tempo e no espaço e imprevisíveis. Em oposição, a colegialidade artificial é regulada administrativamente, compulsiva, orientada para a implementação, fixa no tempo e no espaço e previsível.

Segundo Fullan & Hargreaves (2001: 25), “As pessoas podem colaborar fazendo coisas boas ou coisas más, ou não fazendo absolutamente nada”. Com efeito, por vezes torna-se mais proveitoso o trabalho individual, em que se desenvolve a criatividade e a auto-análise, como defendem os mesmos autores anteriormente referidos (op. cit.: 28):

“A solidão, o desenvolvimento pessoal e a criatividade individual têm uma importância crítica. Definir a nossa posição individual, relativamente ao aperfeiçoamento, é tão importante como decidir qual será a nossa resposta colectiva. Por vezes, os desacordos e as diferenças individuais deveriam ser estimulados, em vez de reprimidos pelo grupo. (…) Necessitamos de experimentar e descobrir melhores formas de trabalhar em conjunto que mobilizem o poder do grupo, fortalecendo, ao mesmo tempo, o desenvolvimento individual.”

Os autores sublinham que a colaboração eficaz nem sempre é fácil e que, para que ela opere mudanças fundamentais, profundas e duradouras, os esforços de aperfeiçoamento devem ir para além da tomada de decisões e da planificação cooperativa e das relações interpessoais de apoio, de modo a abranger o trabalho conjunto, a observação entre pares e a indagação reflexiva. Reforçando esta ideia, explicam que “As colaborações eficazes operam no mundo das ideias, analisando criticamente as práticas existentes, procurando melhores alternativas e trabalhando em conjunto, arduamente, para introduzir alterações e avaliar o seu valor. Acreditamos que no futuro este é um dos desafios-chave que se colocam ao trabalho colaborativo e ao desenvolvimento profissional” (op. cit.: 102).

Ausência e necessidade de colaboração

Há maior tendência para desenvolver práticas colaborativas quando se processam mudanças curriculares, como sugerem Ponte & Serrazina (2004: 67) quando afirmam:

“Embora em certas situações se verifique alguma tendência para o trabalho em conjunto – em especial quando surgem novos programas ou orientações curriculares –, parece prevalecer de um modo geral uma cultura profissional basicamente individualista ou de trabalho informal em pequenos grupos”. Num estudo conduzido pelos autores sobre as práticas profissionais dos professores de Matemática portugueses, concluíram que a colaboração é insuficiente e que a própria formação contínua parece ser pouco eficaz:

“O trabalho em colaboração, na preparação e reflexão sobre as práticas lectivas e na realização de projectos de intervenção educativa, não parece fazer parte do quotidiano profissional da grande maioria dos professores de Matemática portugueses. As actividades de colaboração, quando existem, envolvem sobretudo pares ou pequenos grupos de professores, desenvolvem-se de modo muito informal e não marcam a cultura do grupo profissional.

Finalmente, os professores parecem ter assumido que a formação ao longo da carreira faz parte da sua vida profissional. No entanto, as suas práticas de formação continuam marcadas por um cunho estritamente escolar, tendo pouca relação com os problemas reais da sala de aula e, consequentemente, tendo muito pouco poder transformador das práticas profissionais.”(op. cit.: 70)

Numa revisão sobre a investigação realizada em Portugal entre 1996 e 2005 relacionada com a organização do trabalho docente, levada a cabo por um grupo de especialistas portugueses, Roldão et al. (2006: 62) identificaram vários dos seus aspectos: “Um desses aspectos reporta-se à caracterização dominante do trabalho docente na escola e a sua representação pelos próprios professores, identificada como individual e isolada, pouco influente na aprendizagem, predominantemente associada a um conceito de aluno como pré-determinado nos seus níveis de sucesso (…)”. De facto, nessa pesquisa, os autores identificaram trabalhos que revelam dificuldades na construção de culturas de colaboração, nas quais se desenvolva a construção conjunta e reflexiva de conhecimento. Entretanto, também referem uma contradição entre o que é perspectivado e o que é concretizado (op. cit.: 64): “O conjunto dos estudos aponta para uma mesma relação paradoxal entre o idealizado, aceite e valorizado no plano discursivo e concretizado com êxito em nichos particulares de intervenção, e o real instalado nas práticas dominantes e nas próprias concepções e crenças, culturalmente enraizadas, dos docentes estudados”. Esta conclusão corresponde ao que se passa com o discurso de apelo à colaboração nas escolas, manifestado no decorrer dos últimos anos pelos governos. Com efeito, apesar das orientações dadas e de a colaboração ser considerada importante, quando ela é imposta fica muitas vezes pela superfície, limitando-se a uma troca de pontos de vista sobre materiais já construídos, sendo que a maioria das vezes corresponde a reuniões com um grande número de professores em que a profundidade da reflexão fica também condicionada. Para Roldão (2007: 25),

”não são muito numerosas, e muito menos fáceis, as práticas que se constituem, de facto, como autêntico trabalho colaborativo”.

A concretização das perspectivas de colegialidade e colaboração e das expectativas relacionadas com as culturas colaborativas pode ser captada em experiências diversificadas de trabalho colaborativo entre professores. Esta ideia é claramente apoiada por Hargreaves (1998: 16):

“Para muitos docentes, o trabalho com os seus colegas significa agora muito mais do que fazer reuniões estruturadas ou manter conversas casuais. Ele pode também envolver a planificação em colaboração, o desempenho da função de «treinador» de um colega (peer coach) ou de mentor de um novo professor, a participação em programas de desenvolvimento profissional ou a integração de comissões constituídas para rever e discutir casos individuais de crianças com necessidades especiais.”

O mesmo autor concretiza ainda melhor esta perspectiva, chamando a atenção para a necessidade de “construir culturas profissionais do ensino, no seio de pequenas comunidades de professores, em cada local de trabalho, os quais podem trabalhar juntos, fornecer apoio mútuo, oferecer feedback construtivo, desenvolver objectivos comuns e estabelecer limites que apresentem desafios (mas que sejam ao mesmo tempo realistas) a respeito daquilo que pode ser razoavelmente realizado” (op. cit.: 19).

Com efeito, uma cultura de colaboração na escola gera comunidades de aprendizagem de professores, nas quais eles agem de forma confiante uns com os outros, revelando os seus dilemas sem receios nem constrangimentos, empenhados no apoio mútuo e interessados em construir conhecimento através da partilha de experiências e da reflexão sobre as práticas. Verifica-se que nas escolas onde existem comunidades de aprendizagem de professores há tendência para uma redução do isolamento profissional, um compromisso mais estreito com os objectivos da escola, maior circulação de informação relevante para o desempenho da profissão e uma maior possibilidade de se promoverem mudanças significativas.

Segundo Boavida & Ponte (2002), a colaboração é vista como um recurso vantajoso para a investigação sobre a prática tendo em conta que:

“‚ Juntando diversas pessoas que se empenham num objectivo comum, reúnem-se, só por si, mais energias do que as que possui uma única pessoa, fortalecendo-se, assim, a determinação em agir; ‚ Juntando diversas pessoas com experiências, competências e perspectivas diversificadas,

reúnem-se mais recursos para concretizar, com êxito, um dado trabalho, havendo, deste modo, um acréscimo de segurança para promover mudanças e iniciar inovações;

‚ Juntando diversas pessoas que interagem, dialogam e reflectem em conjunto, criam-se sinergias que possibilitam uma capacidade de reflexão acrescida e um aumento das possibilidades de

Que condições de sustentabilidade?

É importante destacar três condições básicas para que se desenvolvam culturas de colaboração, nomeadamente: a confiança, o diálogo e a negociação. Conforme explicam Boavida & Ponte (op.cit.: 48), “a confiança está, naturalmente, associada à disponibilidade para ouvir com atenção os outros, à valorização das suas contribuições e ao sentimento de pertença ao grupo. Sem confiança dos participantes uns nos outros e sem confiança em si próprios não há colaboração”. Os mesmos autores referem, relativamente ao diálogo, que “à medida que uma voz se entrelaça com outras vozes, a compreensão enriquece-se e a conversação torna-se cada vez mais informada”(ibidem). Por último, relativamente à negociação, afirmam que “É preciso ser capaz de negociar objectivos, modos de trabalho, modos de relacionamento, prioridades e até significados de conceitos fundamentais. Esta negociação permeia o projecto do princípio ao fim, sendo fundamental nos inevitáveis momentos de crise”.

A possibilidade de sobrevivência de culturas colaborativas de professores nas escolas está intimamente ligada ao seu enquadramento institucional. Com efeito, se não houver incentivo e apoio institucional que facilitem o seu desenvolvimento e consolidação, as dinâmicas colaborativas podem ficar condenadas ao fracasso.

Outro factor determinante para que elas se mantenham é a presença de uma liderança. De facto, se não se desenvolver uma força que impulsione o grupo e que permita definir os objectivos a alcançar com mais clareza, também se torna difícil dar continuidade a processos colaborativos. Para Fullan & Hargreaves (2001: 93), “Não é o líder carismático e inovador que faz avançar as culturas colaborativas; pelo contrário, é um tipo de liderança mais subtil que faz com que as actividades sejam significativas para aqueles que nelas participam”. Para estes autores, “As culturas colaborativas são, muito claramente, organizações sofisticadas e delicadamente equilibradas, razão pela qual são muito difíceis de criar e ainda mais difíceis de manter” (op. cit.: 92).

Por último, para que as culturas colaborativas se mantenham é necessário que os professores que nelas participam aceitem a diversidade e individualidade que enriquece a reflexão e a partilha, e que estejam preparados para enfrentar as incertezas e os possíveis conflitos que as suas acções podem desencadear nas comunidades educativas em que se inserem, especialmente quando propõem mudanças.

Trabalho colaborativo: ficção ou realidade?

Como salienta Flores (2003: 129),

“As exigências e responsabilidades colocadas aos professores são (…) cada vez mais complexas, pois estes têm não só de lidar com uma maior diversidade de alunos provenientes de diferentes

back-grounds sociais e culturais e com capacidades de aprendizagem distintas e de fomentar uma

variedade de situações de aprendizagem para responder a necessidades e motivações diversas, mas têm também de demonstrar um conhecimento pedagógico e didáctico fundamentado para seleccionar e construir os melhores materiais e estratégias curriculares no contexto da sala de aula que se caracteriza por uma heterogeneidade e uma complexidade cada vez maiores.”

Este cenário requer um ensino reflexivo, o qual será tanto mais produtivo quanto mais oportunidades houver para a partilha e construção colectiva de soluções para os problemas pedagógicos, entre os quais assumem relevância os problemas da avaliação.

Todavia, verifica-se uma diferença substancial entre o plano do discurso e o plano da prática, que se aplica igualmente ao trabalho colaborativo. Roldão (2006) realça que, por um lado, o trabalho colaborativo dos professores é hoje em dia considerado muito importante mas, por outro lado, continua a ser uma realidade o facto do trabalho do professor ser essencialmente individual. Esta situação, de certa forma paradoxal, coloca em tensão distintos modos de trabalho que nem sempre é fácil conciliar.

O valor do trabalho colaborativo coloca-se desde logo no plano ético. Como salienta Roldão (2006), ele é visto como uma forma “melhor” de trabalho, mais solidária e menos competitiva, e ainda positiva no plano do bom relacionamento e da disponibilidade para o outro. Quanto aos seus fins, situam-se ao nível do seu alcance estratégico. A mesma autora refere que o trabalho colaborativo se estrutura fundamentalmente como um processo de trabalho articulado e pensado em conjunto, que conta com o enriquecimento conseguido através da interacção dinâmica de vários saberes específicos e de vários processos cognitivos que contribuem para alcançar melhor os objectivos definidos. Refere também que trabalhar colaborativamente permite ensinar mais e melhor, embora ressalve a ideia de que é preciso que haja trabalho individual para que o trabalho colaborativo se amplie e aprofunde. Contudo, e apesar das vantagens do trabalho colaborativo na potencial melhoria do ensino e da aprendizagem, ele é muito difícil de implementar e sustentar. Roldão apresenta algumas razões para essa dificuldade, relevando o individualismo atribuído à actividade docente e a lógica normativa dominante, quer ao nível macro da administração, quer ao nível

A eficácia do trabalho colaborativo entre professores depende, em parte, da forma como estes se envolvem na colaboração e nas vantagens que nela encontrarem, mas é fortemente condicionada pelas culturas organizacionais e pedagógicas dominantes. Com efeito, como afirma Lima (2002: 184), “Em última instância, a questão central não é, pois, a de saber o que é que falta aos professores para que colaborem mais, mas sim o que pode ser feito para que eles o façam, quando o desejarem, de uma maneira que seja profissionalmente mais gratificante e positivamente mais consequente para os seus alunos”. Assim, e enquanto não houver condições mais favoráveis ao desenvolvimento de uma cultura de colaboração nas escolas, dificilmente ela deixará de ser ficção para se tornar realidade.

O trabalho colaborativo entre professores não é mais do que a concretização de uma cultura profissional assente na colegialidade docente, sem a qual aquele não passa de mera retórica. A sua relevância é tanto maior quanto mais se complexifica a vida na escola, nomeadamente para fazer face a áreas de actividade profissional particularmente dilemáticas, como é o caso da avaliação das aprendizagens.