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A instalação do Colegiado Setorial de Culturas Populares foi um reflexo ou resultado de várias demandas populares, apresentadas em encontros nacionais do segmento, rodas de conversas, oficinas, etc. Como forma de atender essas reivindicações do setor, o MinC criou um Grupo de Trabalho, o qual foi responsável por agregar o que se vinha pensando de ações para a área e, então, elaborarem diretrizes para se efetivar a escolhas dos representantes para comporem a primeira formação do Colegiado.

Dessa maneira, o primeiro passo para criação do Colegiado de Culturas Populares foi a realização da Pré-Conferência, sendo a seleção dos participantes totalmente feita on-line. Os interessados preenchiam um formulário no site do MinC e, segundo o edital de convocação da eleição, depois deveriam enviar um dossiê contendo currículo, portfólio com ações na área de cultura, bem como cartas de indicação sobre o ativismo na área cultural.

Para realizar as Conferências Setoriais ocorreram fases anteriores, dentre elas: mobilização, assembleias setoriais (pré-conferências) ou seleção por critérios, plenária presencial ou virtual. Foram realizadas as seguintes fases nas Culturas Populares: 1) mobilização; 2) produção executiva; e 3) realização da conferência setorial. A mobilização se deu por meio de divulgação para motivar e incentivar as inscrições de delegados setoriais da sociedade civil. A produção executiva foi a etapa preparatória para realizar o evento Setorial, sendo uma etapa mais ligada a organização do evento, que foi realizado de 7 a 9 de março de 2010.

As Conferências Setoriais tiveram caráter mobilizador, reflexivo, propositivo e eletivo. Mobilizador, pois reuniu os representantes das culturas populares por estado e regiões. Propositivo e reflexivo por que foram debatidas questões prioritárias para cada setor, sendo que as propostas eleitas encaminhadas para II CNC, para serem votadas na Plenária Final. Cada setorial aprovou cinco estratégias prioritárias que foram encaminhadas para o Plenário Geral da IICNC; eleger delegados para a Conferência, sendo dois de cada região; instalação e eleição dos Colegiados Setoriais; elaborar estratégias para compor o PNC. Essa etapa contou com 138 delegados setoriais (81 da sociedade civil + 27 do poder público + cinco do poder público federal + cinco convidados + cinco observadores + 15 do Colegiado Setorial, quando o segmento já possuía formação do colegiado).

Por fim, teve caráter eletivo, pois se elegeram 200 delegados setoriais para a II CNC, bem como foram votados os representantes por região que compuseram os Colegiados Setoriais de 2010 a 2012. Vale ressaltar ainda que as propostas eleitas nas conferências setoriais, assim como nas etapas anteriores, serviram também para compor o Plano Nacional de Cultura, bem como os Planos Setoriais de Cultura.

Além das Culturas Populares, foram realizadas as seguintes setoriais para áreas técnico-artísticas e de patrimônio com assento no Plenário do CNPC: dança, circo, teatro, música, artes visuais, livro e leitura, culturas afro-brasileiras, culturas dos povos indígenas, audiovisual, arte digital, arquivos, museus, patrimônio material, patrimônio imaterial, arquitetura, moda, design e artesanato. As Secretarias e os órgãos vinculados do MinC foram os responsáveis por realizar as Conferências Setoriais.

Quem esteve à frente da Setorial de Culturas Populares foi a extinta Secretaria de Identidade e Diversidade Cultural (SID). Atualmente, o Colegiado é vinculado à Secretaria da Cidadania e da Diversidade Cultural, que foi instituída em 31 de maio de 2012, pelo Decreto n.º 7.743, no qual aprova a Estrutura Regimental do MinC. Dentre suas competências estão,

As Atribuições da secretaria são implementadas por intermédio dos programas Cultura Viva e Brasil Plural. Seu objetivo é fortalecer o protagonismo cultural da sociedade brasileira, valorizando as iniciativas culturais de grupos e comunidades excluídos e ampliando o acesso aos bens culturais, principalmente no apoio a projetos de espaços culturais denominados Pontos de Cultura. (BRASIL, [2012?e], grifo do autor).52

O colegiado é composto por 15 representantes titulares da sociedade civil e 15 representantes suplentes, eleitos por seus pares de cada região do país durante as Pré- Conferências Setoriais de Cultura (2010) ou Fóruns Setoriais de Cultura (2012). Os conselheiros foram nomeados pela Portaria n.º 84, de 23 de julho de 2010, com mandato de dois anos a contar da data de posse (6 de abril de 2010 a 6 de abril de 2012).

Art. 4º O Plenário do Colegiado Setorial de Culturas Populares será composto por, titulares e suplentes, representantes do poder público e da sociedade civil nomeados pelo Ministro de Estado da Cultura, conforme segue:

I – 5 (cinco) representantes do Poder Público, escolhidos dentre técnicos e especialistas indicados pelo Ministério da Cultura e/ou pelos órgãos estaduais, distrital e municipais relacionados ao setor;

II – 15 (quinze) representantes da sociedade civil organizada. [...]

§ 3º A representação da sociedade civil nos termos do inciso II deverá contemplar as cinco macrorregiões administrativas, e os diversos segmentos que compõem o setor das Culturas Populares: mestres, fazedores de cultura, pesquisadores e mediadores.

52 BRASIL. Ministério da Cultura. Secretaria da Cidadania e da Diversidade Cultural – SCDC. Brasília, DF, [2012?e]. Disponível em: <http://www.cultura.gov.br/scdc>. Acesso em: 5 maio 2014.

[...] (em fase de aprovação)53

A segunda formação foi eleita em dezembro de 2012, já sob coordenação da SCDC juntamente ao CNPC. Nesse segundo biênio, o colegiado também foi integrado pelo mesmo número de representantes da sociedade civil, sendo os membros nomeados por meio da Portaria n.º 30, de 2 de abril de 2013, com mandato de 14 de dezembro de 2012 a 14 de dezembro de 2014.

Com relação a essa implantação do Colegiado, o representante da sociedade civil Marcelo Manzatti comenta que,

O Setorial foi uma conquista do movimento num momento em que o MinC não queria a implantação de novos colegiados além dos já existentes e relacionados às artes. Leva-se de roldão a temática indígena, também. Depois, creio, isso abriu brechas para a criação de outros 9 setoriais de segmentos que tinham representação no CNPC, mas não tinha colegiados. A implantação, no entanto, foi dificultada pelo processo escolhido para a eleição dos representantes, pouco democrático e adaptado aos requisitos e à realidade das culturas populares. Por isso, muita gente das comunidades tradicionais não pôde participar e a representação acabou sendo constituída, em sua grande maioria, por mediadores ou pessoas relacionadas às culturas populares, mas não diretamente. (Informação via e-mail).54

Como se observa nessa fala do conselheiro Manzatti, há alguns pontos a serem analisados sobre a implantação do Colegiado. Observando as atas do CNPC,55 notamos que desde a segunda reunião do Conselho já havia um GT intitulado “Colegiados Setoriais”. Porém, apesar das pressões dos movimentos e redes de culturas populares, o setorial só terá um GT próprio em dois momentos e com atribuições específicas: um semestre antes de se realizar a Pré-Conferência da área, em 2010 e outro em 2004, quando os Fóruns de Culturas Populares de São Paulo e do Rio de Janeiro compuseram o GT das Culturas Populares56 para a realização de seminários, sendo que, na verdade, essas redes trabalharam junto a SID para a instalação desses eventos em 2005 e 2006, posteriormente, para criação do Colegiado. Em 2009 a 2010. A principal função foi a criação de critérios para a seleção de representantes para Pré-Conferência. Não se pode, obviamente, deixar de destacar a relevância da sociedade civil

53 REGIMENTO Interno do Colegiado Setorial de Culturas Populares, a ser encaminhado ao Plenário do CNPC e submetido à aprovação do Ministro de Estado da Cultura. [S.l.: s.n.], [2010]. Disponível em:

<http://www.cultura.gov.br/documents/10907/0/Regimento+Interno+Culturas+Populares/5f806987-5358- 4a61-b94e-95bab0e57aad?version=1.0>. Acesso em: 20 jan. 2015.

54

Entrevista concedida por Marcelo Simon Manzatti, Brasília/DF, em março de 2013. A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Apêndice G.

55 Encontra-se Atas até a 17ª Reunião do CNPC disponíveis em: <http://www.cultura.gov.br/cnpc/plenario>. A partir de 2011, as atas não constam mais no site do Conselho. Acessado em 19 mar. 2015.

56

Portaria n.º 144 GM/MinC, de 9 de junho de 2004, alterada pela Portaria n.º 296 GM/MinC, de 5 de outubro de 2004. Disponível em: <http://semanaculturaviva.cultura.gov.br/linhadotempo/instancias_participacao.html>. Acessado em: 19 mar. 2015.

em todo esse processo, como afirmou Marcelo Manzatti. Nesse sentido, vemos que em todos os fóruns realizados previamente a Pré-Conferência, entre as propostas eleitas constava a de instalação de um a câmara/colegiado setorial para o segmento (APÊNDICE I).

Além dessas observações feitas acima, salientamos que ao entrevistado dizer: 1) “leva-se de roldão a temática indígena”, é necessário pontuar que após instituir o GT das Culturas Populares, em 2004, no ano seguinte foi instalado o Grupo de Trabalho das Culturas Indígenas. Assim, acreditamos que Manzatti se refere a esse processo. Mas se salienta que esse GT das culturas indígenas foi uma demanda do movimento solicitada em 2004, durante o Fórum Cultural Mundial. Ou seja, é uma reivindicação do movimento cultural, mas não necessariamente isso só se deu por causa das culturas populares. Cremos que o conselheiro se referiu ao Fórum de Culturas Populares de SP e RJ, que depois passaram a compor a Rede de Culturas Populares e Tradicionais. De qualquer maneira, isto demonstra que ambos os colegiados surgem de pressões dos grupos e redes da área.

Nesse sentido, o então secretário de Identidade e Diversidade Cultural, Américo Córdula, explica esse processo, na reunião de instalação dos colegiados, em 6 de abril de 2010.

O Sr. Américo Córdula (Ministério da Cultura): E para nós, eu particularmente na qualidade de conselheiro durante esses dois anos, e foi muito importante participar desse processo onde esses dois temas, cultura indígena e cultura popular, que é na verdade uma concretização de um desejo desde o Fórum Cultural Mundial que aconteceu em 2004 lá em São Paulo. Foi quando o Ministério da Cultura fez a primeira reunião de articulação com os povos indígenas de onde saiu uma carta ao Ministro Gilberto Gil e para o Presidente da República pedindo para criar um espaço para a cultura indígena dentro do Ministério da Cultura, foi a primeira vez que isso aconteceu. O Ministério nunca se relacionou diretamente com os povos indígenas, e eles estavam ainda sempre sobre aquela lógica de que a FUNAI é quem atende a cultura indígena, aí os povos indígenas solicitaram esse espaço e a partir dessa criação de um grupo de trabalho que ficou pelo menos cinco anos se reunindo que já era o nosso colegiado dentro do Ministério, dentro da Secretaria da Identidade e da Diversidade Cultural, até que a gente conseguiu de fato conquistar esse espaço dentro do Conselho assim como as culturas populares como um desejo desde o 1º Seminário de Políticas Públicas Populares que aconteceu em 2005. (BRASIL, 2010a, p. 39-40).

Sobre o segundo ponto: 2) “o Setorial foi uma conquista do movimento num momento em que o MinC não queria a implantação de novos colegiados”, acrescentamos que, além dos vários eventos promovidos – o que demonstra a abertura do MinC para a escuta e o debate com a sociedade civil –, esse período foi marcado por instabilidades provocadas por disputas internas no Ministério (CORREIA, 2013; REIS, 2008), ou seja, se o próprio conselho teve dificuldades em se efetivar (por conta das razões já apontadas), como poderiam ser criadas novas instâncias? Nesse ponto, concordamos com Manzatti, ao pontuar que o

Colegiado foi uma conquista do movimento. Já sua demora em ser instalado, atribuímos as disputas internas e outros tipos de entraves dentro do Ministério, como a estruturação de políticas para as culturas populares dentro do MinC, sendo que estavam concentradas na SID. Este órgão também abarcava uma gama variada de segmentos que, por vezes, tinha ações transversais e correlatas as culturas populares.

Sobre a composição e a representatividade da sociedade civil nesse início do Colegiado, a educadora griô e de cultura popular Maria dos Anjos Mendes Gomes, conhecida como mestra D’oci, concorda com Manzatti. Segundo ela,

Eu acredito que foi a forma mais democrática que se podia fazer [...]. Muito embora a população ainda não tenha acesso a isso, pois ainda é uma coisa muito restrita a um grupo que está atuante. Não uma coisa ampla para que o seu Zé lá no final soubesse disso e pudesse estar lá se colocando com uma pessoa possível. Termina assumindo os delegados, os representantes [...] que estão lá [...]. Mesmo sendo da sociedade civil, têm um nível de intelectualidade, são professores, são gestores que têm acesso a essas informações. Ainda não é a base que está lá. Por que a informação não chega até lá. Não chega. E nas conferências as pessoas que têm menos informação e fazem um trabalho de verdade de certo não consegue, de certo modo, competir com pessoas que são mais articuladas, que são políticas, que fazem os conchavos. Entende? E ainda nós estamos muito atrelados pelo Ministério, e isso não é legal. Embora tenha essa paridade, sociedade civil e sociedade jurídica. Mas fica um pouco controlado por eles, pois o dinheiro está lá; não aqui. Nós não temos autonomia de dizer vamos fazer uma reunião e essa reunião acontecer, que nós não tínhamos isso. Mas compete a nós estarmos brigando, brigando não, estando num bom combate para que a gente possa melhor isso. [...] (Informação verbal).57

A mestra aponta importantes reflexos de “tradições” arraigadas no processo político: cooptações, conchavos, centralização do poder nas mãos de uma elite hegemônica. Ela considera que, tendo em vista esse contexto histórico – por vezes ainda marcando o sistema político –, a melhor forma de realizar rupturas é a criação de instâncias participativas. Mas ainda há que se avançar, pois mesmo havendo processos eleitorais democráticos para composição desses espaços, existem desigualdades entre os próprios representantes da sociedade civil. Assim como mestra D’oci e Marcelo, o produtor cultural Jacildo Bezerra, que representou a região Norte no primeiro biênio, também considera a criação do Colegiado como uma grande conquista para as culturas populares.

A criação dos colegiados é uma conquista ímpar para o fortalecimento, visibilidade, manutenção e divulgação das culturas populares, em especial na atenção a quem trabalha a cultura popular na ponta, junto às comunidades. Tudo isso graças à atuação de lideranças que vieram construindo todo um caminho de lutas e conquistas.58 (Informação via e-mail).

57 Entrevista concedida por Maria dos Anjos Mendes Gomes, João Pessoa/PB, em setembro e outubro de 2011. 4 arquivos .mp3, 00:50:38. A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Apêndice C.

58 Entrevista concedida por Jacildo Bezerra, Roraima, em novembro de 2011. A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Apêndice F.

Para melhor compreender os antecedentes da primeira formação do Colegiado, mostramos a seguir mais detalhadamente como ocorreu a escolha dos membros, bem como comparamos esse processo eleitoral com o seguinte, do qual foram eleitos os representantes do segundo biênio.