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Capítulo 2 – Abordagem teórico-metodológica

2.3 Coleta de dados

A observação e a entrevista foram técnicas que mais utilizei.50 Entrevistei principalmente os profissionais que interferiam diretamente no trabalho de Rosa: Vilma, com quem faz dupla no trabalho do 1º ano do 1º ciclo, Flor, a supervisora do 1º ciclo e a diretora da escola. Essas entrevistas aconteceram de três modos diferentes: (1) semiestruturada, (2) em conversas curtas e (3) informalmente.

2.3.1 Entrevistas

Para as entrevistas semi-estruturadas, algumas vezes, limitei-me a propor um tema ou questão mais geral e deixar que o entrevistado falasse livremente, a fim de obter informações que me auxiliassem na compreensão de seu ponto de vista ou considerando a clareza de aspectos mais específicos a serem focalizados. Outras, perguntava diretamente sobre um assunto e, se o entrevistado encaminhasse sua fala para outros temas, no final, eu o conduzia por meio de perguntas, retomando a questão inicial.

Durante todas as entrevistas, procurei fazer anotações com a maior riqueza de detalhes possível. Às vezes, ainda, lia trechos das anotações para que o entrevistado verificasse o quanto eu estava sendo literal ao reproduzir sua fala. Em algumas foi permitido gravar e/ou filmar.

As conversas curtas ocorriam, principalmente, sem agendamento e se fizeram necessárias principalmente na fase da transcrição e organização dos dados, quando me ocorria algum mal entendido ou suscitava novas perguntas. Assim, eu recorria ao entrevistado para uma nova conversa. Isso aconteceu tanto

50 Foram aplicados questionários para coleta de dados pessoais, formação e impressões e avaliação

presencialmente quanto por telefone. O interesse era compreender o significado atribuído pelo entrevistado à atividade vivenciada.

As entrevistas informais, que se assemelharam a uma conversa, aconteceram, na maioria das vezes, na hora do lanche da professora, nos corredores da escola, na hora da saída das crianças, ou mesmo no carro, quando dava carona para Rosa até sua casa. Nessas situações, logo que possível, registrava os dados para que não se perdessem na memória.

Todas essas pessoas envolvidas contribuíram para uma melhor compreensão do contexto escolar e coleta de dados sobre a prática pedagógica investigada, principalmente porque já trabalhavam naquela escola há bastante tempo. Rosa, em especial, manteve-se disponível todo o tempo, inclusive me recebeu em sua casa várias vezes, mostrando-me sua biblioteca, que é seu ambiente doméstico de trabalho, o material que utiliza em seu planejamento, seus arquivos no computador bem como os materiais impressos acumulados em anos de profissão.

Algumas estratégias de pesquisa foram aprimoradas em função da observação dos dados. Uma delas consistiu em deixar disponível a Coleção Instrumentos da Alfabetização para consulta da professora e/ou em solicitar que ela exemplificasse, quando fosse necessário, usando o material. Foi uma das formas que encontramos para fazer a Coleção presente, como mais uma tentativa de provocar alguma lembrança, caso tivesse sido significativo para a professora o conteúdo da formação.

2.3.2 Observação de campo

A observação prolongada e sistemática do trabalho em sala de aula da professora, embora demandasse cuidado e zelo inicial, ocorreu de modo tranquilo. Nos primeiros dias, as crianças cumprimentavam-me em coro, uma ou outra se levantava para abraçar-me, o que gerava momentânea dispersão. Rosa, em seguida, cumprimentava-me sempre em tom gentil e com semblante acolhedor.

Eu procurava incomodar o menos possível, retornava as palavras de gentileza e seguia diretamente para uma mesa que sempre sobrava, sem criança, no fim da sala.

Nos primeiros dias, abstive-me de intervir durante as atividades, fazer perguntas ou emitir qualquer julgamento dos acontecimentos. Mantive-me atenta, buscando identificar e anotar evidências presentes nos fatos, comportamentos e cenários. Descrevia o máximo possível em meu caderno, por exemplo, como a sala estava organizada, quantas crianças presentes, mobília, documentos colados nas paredes e escritos no quadro (lousa), o modo como as atividades eram propostas, a sequência dada a elas, o papel desempenhado pelo professor, suas decisões, suas intervenções, seu modo de organizar as crianças, a participação das crianças nas atividades, o modo de realização das atividades, com quem as crianças realizam as atividades, suas reações, com quais materiais de apoio podiam contar.

Aos poucos, fomos nos sentindo mais à vontade uns com os outros: eu, crianças e professora. Curiosas, de vez em quando, uma criança se levantava e perguntava sobre o que eu estava escrevendo. Embora já tivesse esclarecido sobre o que faria em sua sala, eu lia uma parte das minhas anotações, assim voltavam para seus lugares, sem mais perguntas. Outras me entregavam cartinhas ou colavam adesivos em meu caderno. Percebia que buscavam minha atenção e tentavam compreender quem eu era e o que eu fazia, apenas a apresentação não tinha sido suficiente para suprir tanta curiosidade. Uma criança me disse: Doca, falta pouquinho para você melhorar e ser uma boa professora. Desse jeito que você tá fazendo, escrevendo e olhando, tá bom!

Rosa também se aproximava, perguntava se o que eu estava observando era mesmo o que estava procurando, informava-me sobre algum aspecto peculiar de determinada criança ou sobre atividades e projetos que estava desenvolvendo. Sentia que também se esforçava para assimilar minha presença e compreender melhor o que eu estava buscando.

Para amenizar algum desconforto e/ou ansiedade comum nesse tipo de situação, sempre que possível lia para a professora fragmentos de minhas anotações, principalmente sobre suas falas. Perguntava se eu estava conseguindo ser fiel às suas ações, se estava captando sua prática de modo correto e a deixava livre para qualquer intervenção ou mudança.

Estabeleceu-se, aos poucos, entre nós um relacionamento agradável, sem tantos melindres para as perguntas, dúvidas ou pedidos. Rosa entregava-me as atividades que distribuía para as crianças e, quando eu não estava presente, as guardava em uma pastinha. Ao me entregar, tecia sempre um comentário sobre sua realização. Também passou a perguntar minha opinião sobre alguma atividade ou sobre suas intervenções. Contava-me sobre as conversas com os pais ou responsáveis pelas crianças, principalmente quando se referia a temas delicados como maus tratos, abandono, estrutura familiar, por exemplo.

As crianças também foram se acostumando com a minha presença, os cumprimentos foram se tornando mais pessoais, e eu sentia que já não era foco de tanta curiosidade. Algumas crianças passaram a me procurar para responder alguma dúvida ou auxiliar em tarefas como colar, recortar, achar a página do caderno ou mesmo dúvidas na realização da atividade. Quando isso acontecia, sugeria à criança que procurasse pela professora. Somente quando Rosa consentia ou mesmo me solicitava minha ajuda diretamente é que eu ajudava os alunos.

Depois de algum tempo de observação, pedi autorização a Rosa para fotografar e filmar algumas atividades. A presença da máquina digital demandou nova adaptação entre nós. O desconforto da professora diante da nova situação e expresso por ela “Eu vou fazer o que eu faço sempre, não é porque está filmando que eu vou mudar. Vou ser do meu jeito, tá?” foi aos poucos superado. As crianças também manifestaram seu modo de assimilarem essa ferramenta, pedindo para tirar fotos, fazendo poses e me chamando para ver suas atividades, a fim de convencer- me a fotografá-las também.

No decorrer da pesquisa, embora a observação se concentrasse nos indícios que revelam a apropriação da Coleção – que possui estrutura de proposição bem diferenciada em relação a outros materiais de formação, portanto, mais passíveis de identificação, como se verá na descrição que faremos de seus pressupostos –, foram investigados também aspectos gerais como toda a forma de organização do trabalho e a percepção da professora sobre o que faz e como faz; e, muitas vezes, a observação de um indício levou a investigações mais profundas como, por exemplo, o modo como ela se preparava para as aulas, as fontes que utilizava na sua própria casa. Da mesma forma, em se tratando de pesquisa sobre a alfabetização – embora o foco não fosse a criança –, sua ação, seus

comportamentos e resultados de aprendizagem configuraram outro conjunto de dados que buscamos relacionar com o objeto da pesquisa.

Analisando, afinal, os dados coletados, chegamos à conclusão de que a rede investigada tem obtido bons resultados com a alfabetização. O principal sujeito da pesquisa, a professora, é reconhecida por seus pares, é muito experiente e realiza um trabalho eficiente do ponto de vista dos resultados da alfabetização, o que nos levou a uma indagação: a condição mais confortável de uma professora que obtém sucesso pode explicar especificidades de seu processo de apropriação? E se fosse num outro contexto, em que houvesse indicação institucional de baixos resultados, como reagiria o professor a esse material de formação?

Tendo em vista uma pré-análise, levantamos a hipótese de investigar uma professora que trabalha num outra rede de ensino, que também passou por formação com o mesmo material, no intuito de verificar outras variáveis que ampliariam a nossa compreensão. Para promover uma diferenciação e apenas com o intuito de breve comparação entre espaços de pesquisa, foram coletando dados complementares em nova fase de pesquisa de campo, em uma escola com avaliação insuficiente na alfabetização, a qual foi selecionada para compor turmas de formação com a Coleção, exatamente por esta característica denominada pelo MEC/Secretarias como escola de baixo Ideb. Este índice cruza resultados de avaliação na alfabetização com o tempo de escolarização de crianças.