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Capítulo 3 – A Coleção Instrumentos da Alfabetização e a abordagem sobre o

3.3 A abordagem sobre o saber prático do professor na Coleção Instrumentos

3.3.1 A organização da proposta de formação

Em texto disponível no site do Ministério da Educação (MEC), o próprio documento de apresentação do Programa de Formação64 indica que os seus cursos se baseiam em modelo de formação concebida como a ampliação das capacidades docentes, feita mediante o estudo e a reflexão, direcionada para a ação, tanto em sala de aula quanto na escola, e comprometida com a reflexão e análise da ação.

O ponto de partida são as necessidades práticas da alfabetização de acordo com o ano letivo, e no primeiro volume recomenda-se que o material seja utilizado e lido na ordem dos volumes, a saber: volume 1 – proposta de formação autônoma bem como sugestão de formas de leitura, estudo e utilização dos volumes sequentes; volume 2 – conceitos teóricos básicos para o trabalho e distribuição de capacidades, conhecimentos e atitudes que constituem a alfabetização e o letramento ao longo do tempo escolar, seguidos de seus respectivos verbetes conceituais. Os volumes 1 e 2 são introdutórios em relação aos demais. Seguindo, o volume 3 – proposta de diagnóstico dos alunos contendo uma matriz de referência; volume 4 – estruturado a partir do diagnóstico, propõe o estabelecimento de metas e estratégias para o planejamento do trabalho pedagógico; volume 5 – avaliação contínua e processual, instrumentos de registro do desenvolvimento individual e coletivo, bem como estratégias de avaliação do trabalho realizado; volume 6 – princípios metodológicos e sugestões de atividades para o planejamento de ações do professor no cotidiano da sala de aula; volume 7 – encerra a Coleção com a apresentação de princípios metodológicos relacionados à organização do tempo e formas de agir na organização e planejamento do trabalho cotidiano.

Esta sequência é confirmada frequentemente nos documentos da Coleção mediante a evocação de informações dadas em volumes anteriores e/ou posteriores, como é o caso da referência ao conhecimento imprescindível das capacidades apresentadas no volume 2 e que servem de referência para o diagnóstico proposto no volume 3 e para o planejamento proposto no volume 4. “No volume 2 desta Coleção, foram apresentadas capacidades necessárias ao domínio da língua escrita. Esse volume é a base para que se estabeleçam os objetivos e

64 A formação proposta pelo Ceale se organiza em um conjunto de instrumentos denominados

metas do trabalho pedagógico que será desenvolvido” (v. 4, p. 15). Ou, ainda, mediante a explicitação do encadeamento da abordagem metodológica. “Este quinto volume dá prosseguimento às abordagens anteriores da Coleção Instrumentos para a Alfabetização [...]” (v. 5, p. 7). E, mais, retomando discussões anteriores, por exemplo: “Este volume dá continuidade à discussão, iniciada no volume 4 desta Coleção, sobre o planejamento e a organização dos processos de alfabetização e letramento para turmas iniciais do Ensino Fundamental de nove anos” (v. 6, p. 9).

Na pesquisa de campo, o que se revela na fala da professora Rosa é que, para a organização do trabalho de sala de aula, muitos materiais são consultados, e a seleção deles é feita de acordo com a necessidade de ensino e não, necessariamente, como são propostos pela Coleção, que conta com um volume específico sobre o sistema de escrita e de capacidades necessárias não só à leitura e produção de textos escritos, mas também à compreensão e produção de textos orais, diferentes dos que são usados em situações corriqueiras do cotidiano das crianças. Nesse conjunto, a Coleção também define as capacidades que precisam ser desenvolvidas para que a criança seja considerada alfabetizada.

Os dados coletados nos revelam que um dos aspectos dessa Coleção a que a professora Rosa mais se refere são as capacidades – na maioria das vezes, quando vai se referir à avaliação. Em nossas conversas sobre a Coleção, especificamente, e em várias passagens de seus cadernos de planejamento e registro, as capacidades são citadas para justificar reagrupamentos das crianças em subgrupos, e esses, por sua vez, só ocorrem quando algum avanço nas hipóteses de escrita das crianças é identificado. Em seu caderno, inclusive, podemos encontrar listadas as capacidades da matriz de referência da avaliação diagnóstica, do volume 3 – Avaliação diagnóstica da alfabetização. Além desses, há, também, os elaborados pela própria professora, além dos quadros com as capacidades da mesma matriz de referência da Coleção enviados pelos dirigentes da Secretaria Municipal da Educação, Esportes e Cultura da Prefeitura de Contagem (SEDUC), para serem preenchidos com o nível de desenvolvimento da turma. Essa apropriação de parte do material, que já vem reproduzida e circula através de outro mediador, no caso, a secretaria de educação, passa a ter outro sentido e conduz a um tipo de focalização de parte do material.

Se nos documentos da professora sobre avaliação as capacidades apresentadas na Coleção são utilizadas como referência, por outro lado, vemos

também que essas mesmas capacidades não são utilizadas como referência nem em seu planejamento, nem na elaboração de atividades. Então a sequência proposta não funciona, para o caso, considerando o fato de as capacidades que deveriam nortear o trabalho de alfabetização apenas serem consideradas como critério para avaliação.

Identificam-se, ao longo de toda a Coleção, com a intenção de elucidar os conceitos teóricos trabalhados, exemplos da prática docente, buscando produzir, como efeito, a articulação entre o mundo da teoria e o mundo da prática. É o que ocorre em quase todos os verbetes conceituais que descrevem e caracterizam as capacidades relevantes a serem atingidas pelas crianças no ensino fundamental. À guisa de exemplo, no verbete da capacidade Reconhecer unidades fonológicas como sílabas, rimas, terminações de palavras, etc., encontra-se a seguinte indicação:

Uma maneira de introduzir essa questão é focalizar as unidades fonológicas com as quais os alunos já são capazes de lidar antes mesmo de entrar para a escola. São segmentos sonoros como sílabas, começo ou finais de palavras, rimas, aliterações. Muitas brincadeiras infantis envolvem operar com essas unidades. Por exemplo, cantigas de roda como „Atirei o pau no gato‟; jogos de salão como „Lá vai a barquinha carregadinha de‟ [...]. (v. 2, p. 34).

Esta organização sequencial pode marcar, também, a hierarquia de valor entre o conhecimento científico básico e aplicado e possíveis derivações técnicas da prática dos professores alfabetizadores. Aqui se corre o risco de indução à ideia de que, se no processo de formação o estabelecimento da relação entre o conhecimento científico e suas aplicações técnicas é trabalhado de maneira linear e hierárquica, então o ensino da alfabetização deva ocorrer na mesma racionalidade.

Há evidente manifestação da Coleção em busca da articulação entre teoria e prática.

Os quadros denominados Tira-teima, do volume 5, Monitoramento e Avaliação da Alfabetização, são instrumentos que valorizam o saber docente.

FIGURA 20 – Exemplo de Tira-Teima que, evidencia articulação entre teoria e prática

Fonte: Volume 5 da Coleção Instrumentos da Alfabetização.

FIGURA 21 – Exemplo de Tira-Teima, que evidencia articulação entre teoria e prática

Fonte: Volume 5 Coleção Instrumentos da Alfabetização.

Se os conceitos teóricos são o foco da apresentação da Coleção, e a prática docente é registrada para exemplificá-los, não se repete aqui, inversamente, o mesmo fenômeno indicado por Chartier, em que as pesquisas validadas cientificamente ou são ignoradas pelo professor ou transformadas em atividades escolares, exemplificando uma prática de sucesso?

No entanto, considerando que o material selecionado enfrenta algumas situações da prática que foram relegadas em muitos outros materiais, uma vez que apresenta noções de organização do trabalho, instrumentos para uso diagnóstico e

modelos de atividade, essas são condições suficientes para que a Coleção traga resultados na prática cotidiana?