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Capítulo 1 – Anunciando pressupostos teóricos

1.2 Saber docente

1.2.1 Discussões teóricas sobre os saberes práticos do professor

Nos últimos anos, pesquisadores têm somado esforços com o objetivo de aprimorar o instrumental teórico disponível para a realização de investigações que avancem a compreensão sobre a complexidade dos saberes docentes22 e sua relação com a prática de sala de aula, sobretudo a partir da crítica à racionalidade técnica e da necessidade de superação da relação linear e mecânica entre conhecimento científico-técnico e prática de sala de aula.23

No seguimento dessas pesquisas, foi criada a categoria saber docente, que, segundo Monteiro (2001),

permite focalizar as relações dos professores com os saberes que dominam para poder ensinar, sob uma nova ótica, ou seja, mediadas por e criadoras de saberes práticos, que passam a ser considerados fundamentais para a configuração da identidade e competência profissional (MONTEIRO, 2001, p. 123).

Trabalhos como os de Donald Schön, Maurice Tardif, Philippe Perrenoud, Anne Marie Chartier e Michel Huberman exemplificam esta linha de pesquisas e

21 Cf. GÓMEZ, 1995; NÓVOA, 1992, 1995; SANTOS 1988, 1998; SCHÖN 1995.

22 Neste capítulo, usaremos como sinônimas as palavras saberes e conhecimentos bem como docente e professor.

23 Levantamento de pesquisas nessa direção pode ser encontrado em GÓMEZ, 1995; MONTEIRO

representam avanço significativo para a compreensão da especificidade do saber e da ação docente.24 Neste capítulo, serão brevemente expostos além de tomados

como referência.

A discussão referente aos saberes docentes proposta por Schön (1995, 1998, 2000) será a primeira a ser abordada aqui. Embora não seja um autor do campo da educação – seu trabalho concentra-se no aprendizado organizacional e na eficácia profissional –, sua obra traz contribuições para a epistemologia da prática profissional, permitindo melhor compreensão da formação, da atuação e do conhecimento do educador.

Ao usar conceitos como “zonas indeterminadas da prática”,25 “talento

artístico profissional”26 e “conhecimento tácito”,27 Schön (2000) desenvolve

categorias subjacentes à prática do bom profissional que integram o pensamento reflexivo: (1) conhecimento-na-ação, (2) reflexão-na-ação, (3) reflexão sobre a ação e sobre a reflexão-na-ação.

(1) O conhecimento-na-ação, componente que orienta toda a ação humana e se manifesta no saber fazer, refere-se a esquemas implícitos consolidados em experiências e reflexões anteriores. Schön usa a expressão

conhecimento-na-ação para se referir aos tipos de conhecimentos que revelamos

em nossas ações inteligentes – performances físicas ou operações privadas. Em ambos os casos o ato de conhecer está na ação. Nas palavras do autor,

24 Todos estes autores criticam o “modelo da racionalidade técnica” em seu formato disciplinar e

aplicacionista do conhecimento, argumentando em favor dos conhecimentos tácitos, da experiência, muitas vezes desvalorizados nos programas de formação profissional e docente. Chamam atenção para o modo como se apresentam aos profissionais e como são tratados os problemas da prática, ressaltando a presença de casos únicos que transcendem as categorias da teoria e da técnica prevista nas disciplinas e nos currículos de formação.

25 SCHÖN, 2000, conceitua as zonas indeterminadas da prática como aquelas problemáticas em

várias formas ao mesmo tempo, porque envolvem incerteza, singularidade e conflitos de valores. São também aquelas que escapam aos cânones da racionalidade técnica.

26 Talento artístico é um exercício da inteligência, uma forma de saber fazer; está relacionado à

perspicácia, intuição; é visto, pelo autor, como um componente essencial da competência profissional (Cf. SCHÖN, 2000).

27 SCHÖN, 2000, p. 29, informa que foi Michael Polanyi que, em 1967, cunhou o termo conhecimento tácito. Com base nesse conceito, o autor aborda a capacidade de o profissional

aprender novas habilidades, executar atividades complexas, sem, contudo, poder dar uma descrição verbal, ainda que grosseiramente adequada, da sua performance real. Exemplo disso seria arrastar-se, andar de bicicleta, jogar tênis, etc. (Ver, também, SCHÖN, 1998).

conhecer-na-ação é um processo tácito, que se coloca espontaneamente, sem deliberação consciente, e que funciona, proporcionando os resultados pretendidos, enquanto a situação estiver dentro dos limites do que aprendemos a tratar como normal (SCHÖN, 2000, p. 33)

A (2) reflexão-na-ação é componente do pensamento prático, implícito nas atividades cotidianas. Quando atuamos, frequentemente pensamos, ao mesmo tempo, sobre o que fazemos. É o caso, por exemplo, quando, no meio de determinada ação, paramos para refletir com a intenção de interferir na situação em desenvolvimento, dando novas formas à nossa ação. Nesse processo podemos reestruturar as estratégias de ação, as compreensões dos fenômenos ou as formas de conceber os problemas. Embora se trate de um processo de reflexão sem rigor, é de extraordinária riqueza na formação prática do profissional.

A reflexão é, pelo menos em alguma medida, consciente, ainda que não precise ocorrer por meio da palavra. [...] Nosso pensamento volta-se para o fenômeno surpreendente e, ao mesmo tempo, para si próprio (SCHÖN, 2000, p. 33).

Gómez considera essa reflexão como “o primeiro espaço de confrontação empírica com a realidade problemática, a partir de um conjunto de esquemas teóricos e de convicções implícitas do profissional”. (GÓMEZ, 1995, p. 104)

A distinção entre conhecimento-na-ação e reflexão-na-ação, segundo Schön, pode ser sutil. Enquanto executa uma tarefa, alguém pode, habilidosamente, ajustar suas alternativas e alterar suas estratégias de acordo com as variações dentro do contexto que lhe é familiar.

(3) Reflexão sobre a ação e sobre a reflexão-na-ação refere-se ao pensamento retrospectivo sobre o que fizemos, de modo que se descubra como nosso ato de conhecer-na-ação pode ter contribuído para um resultado inesperado. Trata-se da utilização de conhecimentos para descrever, analisar e avaliar a posteriori, a partir da memória, a situação e suas ações, buscando compreendê-la e reconstruí-la. Esse tipo de reflexão supõe um conhecimento de terceira ordem: a análise dos dois processos anteriores, conhecimento-na-ação e reflexão-na-ação, em relação à situação problema e o seu contexto. Nas palavras de Schön,

Assim como o conhecer-na-ação, a reflexão-na-ação é um processo que podemos desenvolver sem que precisemos dizer o que estamos fazendo. [...]. É claro que sermos capazes de refletir-na-ação é diferente de sermos capazes de refletir sobre a nossa reflexão-na-ação, de modo a produzir uma boa descrição verbal dela. E é ainda diferente de sermos capazes de refletir sobre a descrição resultante. (SCHÖN, 2000, p. 35)

O (1) conhecimento-na-ação, a (2) reflexão-na-ação e a (3) reflexão sobre a ação e sobre a reflexão-na-ação constituem o pensamento prático do profissional (neste caso, do professor), com o qual ele conta em sua prática. Estes três processos “não são independentes, complementando-se entre si para garantir uma prática racional” (GÓMEZ, 1995, p. 105).

A segunda abordagem aqui colocada é a de Tardif e seus colaboradores. Por meio dela, tem-se a intenção, neste capítulo, de evidenciar a natureza dos saberes docentes, bem como a relação do professor com tais saberes. Tardif, Lessard e Lahaye (1991, p. 218) definem saber docente como “saber plural, formado pelo amálgama, mais ou menos coerente, de saberes oriundos da formação profissional e das disciplinas, currículos e experiências”.28

Estas quatro fontes das quais o saber docente se origina são, sucintamente, caracterizadas a seguir. A primeira, os saberes da formação, relaciona-se às ciências da educação e saberes pedagógicos. Ao tomar o professor e o ensino como objeto de saber, essas ciências, além de produzirem conhecimentos, procuram incorporá-los à prática do professor. No entanto, a prática docente é também uma atividade que mobiliza diversos outros saberes, chamados por Tardif de saberes pedagógicos. Os saberes pedagógicos se articulam aos saberes das ciências da educação na medida em que buscam integrar os resultados das pesquisas às concepções que propõem, com a finalidade de legitimá-las cientificamente. A segunda e a terceira, os saberes disciplinares e os curriculares, são vistas como produtos da tradição cultural e dos grupos produtores de saberes sociais, incorporados à prática por meio das disciplinas, dos programas escolares, das matérias e dos conteúdos a serem transmitidos. A quarta fonte, os saberes da experiência, é desenvolvida no exercício das funções docentes e na prática da profissão. São saberes baseados no trabalho cotidiano do professor e no conhecimento sobre o seu meio. Nascem da experiência e por ela são validados.

São incorporados sob forma de habitus29 e de habilidades, de saber-fazer e saber- ser. São saberes práticos (e não da prática) e formam um conjunto de representações a partir das quais os professores interpretam, compreendem e orientam sua profissão e prática cotidiana em todas as suas dimensões. (Tardif, Lessard e Lahaye 1991 e Tardif, 2002)

Considerando que todos esses saberes, articulados, são constitutivos da prática docente, o professor ideal

é alguém que deve conhecer sua matéria, sua disciplina e seu programa, além de possuir certos conhecimentos relativos às ciências da educação, à pedagogia e desenvolver um saber prático baseado em sua experiência cotidiana com seus alunos (TARDIF, 2002, p. 39).

Assim, sendo os saberes disciplinares e curriculares produtos da tradição cultural e dos grupos produtores de saberes sociais, e sendo incorporados à prática através das disciplinas, dos programas escolares, das matérias e dos conteúdos a serem transmitidos, o saber específico do professor fica situado ao nível dos procedimentos pedagógicos de transmissão dos saberes escolares.

Como os professores não controlam a definição e a seleção dos saberes pedagógicos propostos e/ou impostos pelas instituições de formação (universidades e escolas normais), que assumem a tarefa de produção e legitimação dos saberes científicos e pedagógicos, o trabalho docente passa a ser apropriar-se desses saberes no decorrer da formação do professor, o que submete a prática docente ao que ela própria não produz e não controla. Nas palavras de Tardif, Lessard e Lahaye (1991, p. 221),

a relação que os professores mantêm com os saberes é a de „transmissores‟, de „portadores‟ ou de „objetos‟ de saber, mas não de produtores de um saber ou de saberes que poderiam impor como instância de legitimação social de sua função e como espaço de verdade de sua prática.

As pesquisas de Tardif e seus colaboradores indicam que o docente, na impossibilidade de controlar tais saberes, tenta produzir saberes através dos quais ele compreenda e domine sua prática, colocando, em lugar de centralidade, os saberes da experiência. Para os professores, os saberes adquiridos através da experiência profissional constituem os fundamentos de sua competência. É a partir deles que julgam sua formação, os programas de reformas ou os métodos de ensino. Vários dados dessa pesquisa, como se verá adiante, vão demonstrar que, em torno da experiência, uma professora vai incorporando ou descartando materiais que poderiam ser potencialmente aplicados em sua sala de aula.

Ao enfrentar a discussão conceitual a respeito da epistemologia da prática profissional,30 Tardif (2000) elabora uma síntese de recentes pesquisas sobre o ensino nos Estados Unidos, caracterizando os saberes profissionais do professor como temporais, plurais e heterogêneos, além de personalizados e situados.

São temporais os saberes profissionais do professor porque adquiridos através do tempo, vindos de sua própria história de vida e, sobretudo, de sua vida escolar. São utilizados e se desenvolvem no âmbito de uma carreira. Os primeiros anos de prática profissional são decisivos na aquisição do sentimento de competência e no estabelecimento das rotinas de trabalho. Os saberes profissionais do professor são plurais e heterogêneos porque provêm de diversas fontes, não são compostos por um repertório de conhecimento unificado, ao contrário, constituem-se de diversas teorias, concepções e técnicas; também porque, no trabalho, os professores procuram atingir diferentes objetivos que demandam conhecimentos, competências e aptidões diversas. São caracterizados como personalizados porque, raramente, se trata de saberes formalizados, objetivados, mas sim de saberes apropriados, incorporados, subjetivados, difíceis para se dissociarem das pessoas, de sua experiência e situação de trabalho. São situados os saberes profissionais do professor porque são construídos e utilizados em função de determinada situação de trabalho particular e, em relação a essa situação particular, é que ganham sentido.

Considerando a noção de trabalho docente como aspecto central de análise, Tardif (2000) conceitua “saber” como o “que engloba os conhecimentos, as competências, as habilidades (ou aptidões) e as atitudes, isto é, aquilo que muitas

30 Chamamos de epistemologia da prática profissional o estudo do conjunto dos saberes utilizados

realmente pelos profissionais em seu espaço de trabalho cotidiano para desempenhar todas as suas tarefas (TARDIF, 2000, p. 10).

vezes foi chamado de saber, saber-fazer e saber-ser” (TARDIF, 2000, p. 11). As pesquisas desenvolvidas por Tardif e Lessard são claramente sociológicas, significando que, para os autores,

[...] a organização do trabalho na escola é, antes de tudo, uma construção social contingente oriunda das atividades de um grande número de atores individuais e coletivos que buscam interesses que lhes são próprios, mas que são levados, por diversas razões, a colaborar numa mesma organização. Portanto, é a ação e a interação dos atores escolares, através de seus conflitos e suas tensões (conflitos e tensões que não excluem colaborações e consensos), que estruturam a organização do trabalho na escola (TARDIF e LESSARD, 2005, p. 48).

Esses conflitos e tensões, assim como o que a professora da pesquisa faz para acompanhar as exigências da escola e da secretaria de educação, são importantes para se compreenderem algumas motivações de apropriação de parte do material da formação escolhido para esta pesquisa.

O trabalho do professor, segundo os autores, possui aspectos formais e informais. Os primeiros são relacionados à divisão técnica do trabalho, à administração das tarefas e à demarcação das atividades segundo normas oficiais, legais, rotineiras. Os outros, marcados pela indeterminação das tarefas, generalidade dos objetivos educativos, imprevisibilidade dos contextos de ação, relações profissionais com os colegas de trabalho e com os alunos, envolvimento afetivo e pessoal, etc. Como se verá na análise dos dados, parte dessa formalidade, configurada em instrumentos de formação que a escola resolve eleger como parâmetro – tornando um material de formação um documento prescritivo –, acaba repercutindo nas escolhas que o professor faz no amplo espectro de uma formação feita. Outra parte fica subsumida na sua experiência, que fala mais alto, no momento da definição de suas rotinas e formas de trabalho. Poderíamos dizer, então, que esse segundo aspecto produz uma força quase contrária a algumas inovações? Trata-se, portanto, de um trabalho, ao mesmo tempo, flexível e codificado, controlado e autônomo, determinado e contingente. Para esses autores, “é necessário estudá-lo sob esse duplo ponto de vista, se quisermos compreender a natureza particular dessa atividade” (TARDIF e LESSARD, 2005, p. 45).

Além disso, é preciso levar em conta, também, que a escola onde o trabalho é desenvolvido tampouco está isolada do mundo, ela se inscreve em um contexto social mais amplo e por ele é influenciada ao mesmo tempo em que o influencia. Sendo assim, as atividades escolares não são fechadas em si mesmas, são marcadas pelas contínuas interações humanas. Algumas delas, por exemplo, são forças externas à sala de aula, configuradas por avaliações em grande escala que regulam os resultados ou põem a escola ou a sala de aula na mira de outros olhares. Outras influências são decorrentes de modos de pensar a criança e o trabalho com a linguagem, através de paradigmas que circulam socialmente.

Nessa perspectiva sociológica sobre o saber e o trabalho docente, mais uma vez os autores ressaltam a importância de analisá-los em função de certas dimensões, privilegiando a atividade, o status e a experiência. Embora sejam dimensões estreitamente ligadas, eles consideram necessário distingui-las no plano teórico, pois pertencem a estratégias analíticas e metodológicas diferentes. Aqui, serão abordadas muito sinteticamente tal como os conceitos colocados previamente.

Reconhecer o trabalho docente como atividade é considerar que ensinar é agir na classe e na escola em função da aprendizagem e socialização dos alunos, utilizando-se programas, métodos, livros, entre outros utensílios e técnicas. A atividade pode ser analisada sob dois pontos de vista complementares. Pode-se colocar o foco sobre (1) as estruturas organizacionais – nas quais é desenvolvida a atividade – que condicionam tal atividade de diversas maneiras; ou sobre (2) o desenvolvimento da atividade, as interações contínuas que se estabelecem entre professor, alunos, objetivos, saberes, resultados do trabalho do professor, ou seja, os aspectos dinâmicos da atividade docente. Esses dois pontos de vista são indissociáveis para os trabalhadores: a atividade é realizada sempre em ambiente organizado, que é, ele mesmo, o produto das atividades anteriores.

O trabalho como status diz respeito à identidade do trabalhador, construída tanto no interior da organização de seu trabalho quanto na sociedade. Essa identidade é entendida como construção individual ou coletiva e caracteriza-se pela heterogeneidade, destacando menos as instituições escolares e mais os trabalhadores mesmos.

A docência como experiência engloba, ao mesmo tempo, as duas dimensões anteriores (atividade e status), mas pode ser abordada também em função da experiência do trabalhador, do modo como esta é vivenciada e dada a

conhecer. Conforme já apontado anteriormente, a noção de experiência é fundada na prática e pode ser entendida como processo de aprendizagem espontânea que permite ao professor adquirir certezas correspondentes a crenças e hábitos advindos da repetição de situações e de fatos que o permitem controlar seu trabalho; também como a intensidade e a significação dada a determinada situação vivida por um indivíduo, ou a um conjunto de experiências decisivas que têm em comum o fato de referirem-se às interações e à realidade do grupo. Poderíamos dizer, então, que um professor que é reconhecido por seus pares e que obtém bons resultados tenderá a dar mais força a determinados acúmulos de sua experiência?

Tardif e Lessard (2005), ao considerar essas duas visões, chamam a atenção sobre a tendência de se privilegiar uma concepção estritamente individualista, até mesmo “psicologizante”, da noção de experiência. Os autores destacam que, no centro da experiência individual, há a dimensão social: “se a experiência de cada docente que encontramos é bem própria, ela não deixa de ser também a de uma coletividade que partilha o mesmo universo de trabalho, com todos os seus desafios e suas condições” (TARDIF e LESSARD, 2005, p. 52-53). Essa coletividade de saberes da experiência se expressa e aparece de várias maneiras, seja tendo outros como modelo, seja buscando saberes que estão circulando em esferas não oficiais ou acadêmicas; e podemos reconhecer que existe um circuito em que essas trocas de materiais e saberes funcionam. Alguns dados dessa pesquisa, sobretudo na análise das fontes que a professora utiliza para seu trabalho, dão a dimensão de que existe uma esfera de produção que caminha paralelamente àquelas consideradas legítimas e acadêmicas como, por exemplo, a de publicações vendidas em bancas com repertório de atividades-modelo a serem transportadas para a sala de aula.

Recuperando as ideias de Tardif sobre o saber implicado no trabalho docente e o destaque ao saber experiencial, bem como buscando uma relação com os três processos constituintes do pensamento prático proposto por Schön, pode-se afirmar que o êxito do professor em seu cotidiano de sala de aula depende do conhecimento tácito que mobiliza e elabora durante a sua própria ação. Nesse sentido, Gómez (1995) argumenta:

Sob a pressão de múltiplas e simultâneas solicitações da vida escolar, o professor ativa os seus recursos intelectuais, no mais amplo sentido da palavra (conceitos, teorias, crenças, dados, procedimentos, técnicas), para elaborar um diagnóstico rápido da situação, desenhar estratégias de intervenção e prever o curso dos acontecimentos (GÓMEZ, 1995, p. 102).

Perrenoud (1993) também investe na reflexão sobre a prática pedagógica, procurando esclarecer alguns aspectos a ela relacionados. O autor considera que a investigação-ação é um caminho para a transformação dos laços entre a investigação e o ensino, por meio do confronto entre as respectivas práticas. Considera que, para "compreender melhor o que se passa, importa ter uma imagem adequada, realista, da prática pedagógica e da sua relação com o conhecimento" (PERRENOUD, 1993, p. 35). Destacamos aqui a bricolagem e os materiais enumerados pelo autor, a partir dos quais o professor inventa uma atividade, ou, em suas palavras, um projeto de atividades, cujo procedimento verificamos na prática observada:

– há os alunos, o seu número, as suas diferenças, os seus conhecimentos e lacunas, os seus hábitos de trabalho em comum, os seus interesses, as suas propostas, os seus projetos;

– há o conjunto de textos e documentos das mais variadas naturezas, organizados pelos professores ou pelo centro de documentação (livros, publicações periódicas, ficheiros, mapas, cartazes, fotografias, etc.);

– há os equipamentos técnicos disponíveis (gravadores, vídeos, máquinas fotográficas);

– há os materiais e os instrumentos necessários para os trabalhos manuais, para o bricolage;

– há o meio ambiente próximo, humano e material, os lugares, o habitat, o bairro e os seus habitantes, as suas atividades, as instituições, as profissões, a natureza, tudo o que rodeia a escola ou a turma, elementos que se podem tornar num objeto de observação ou num recurso para a