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Sumário

Mapa 1. Mapa feito por Nimuendajú sintetizando a distribuição dos estilos Tapajó e variantes no rio Arapiuns e Monte Alegre (vermelho) e Kondurí (azul) no Baixo Amazonas É indicada com círculo vermelho a Serra de Parintins, como limite da ocorrência de fragmentos do estilo Tapajó associado ao Kondurí e outros estilos próximo ao rio Xingu Em azul o autor indica áreas

3 Capítulo Problemas metodológicos no estudo de coleções de museu

3.1 Coleta e transporte

Parezo (1987) argumenta que a formação das coleções de museu é análoga aos processos do próprio registro arqueológico. É preciso considerar fatores relacionados à coleta, transporte e acondicionamento na instituição da mesma maneira que a ação das intempéries, fauna e flora no registro. Dessa maneira, para avaliar a potencialidade das coleções serão tratadas as informações relacionadas à coleta, acondicionamento e registro para então se discutir a composição da coleção e a seletividade das amostras.

Figura 24. Superfície repleta de fragmentos cerâmicos em um dos sítios arqueológicos visitados por Peter Hilbert em 1952. Arquivo pessoal Klaus Hilbert/ MCT-PUCRS.

A biografia dos objetos vistos nos museus é complexa: um mesmo objeto pode ter pertencido a duas ou três pessoas, ou talvez até mais, antes de chegar a um museu e ser integrado a coleções e processos curatoriais (PALMATARY, 1960). A baixa quantidade de registros das transações não permite mapear como muitas das peças foram obtidas ou a área de coleta. As partes iniciais da cadeia de circulação de objetos, quando envolvem moradores da região, são quase sempre desconhecidas. Frederico Barata, por exemplo, não fez nenhuma diferenciação entre as peças compradas ou obtidas pessoalmente em uma localidade.

A maioria dos objetos provavelmente foi obtida por meio da inspeção da superfície (Figura 24), mas deve haver uma parcela em todas as coleções obtidas durante a perfuração de buracos - com ou sem a intenção de achar peças (Figura 25). Em todo caso, são coletas aleatórias, das quais não se dispõe de nenhuma informação sobre a distribuição no contexto arqueológico. De modo geral, como em outras coleções assistemáticas, o material era coletado a partir de critérios visuais. Peças consideradas mais “bonitas”, mais elaboradas ou que se destacavam pela integridade, tiveram preferência em todas as coleções.

Figura 25. Sondagem realizada durante o campo de 1952 por Peter Hilbert. Fotografia sem identificação de sítio arqueológico. Fonte: Acervo Pessoal de Klaus Hilbert/ MCT-PUCRS.

A coleção reunida por Peter Hilbert em 1952 (MPEG), João Barbosa de Faria (MN) e Aricy Curvello (MHN) possuem algumas informações devido à existência de publicações e manuscritos sobre as etapas de campo. A maioria das peças foi obtida da mesma maneira que se supõe para as outras. João Barbosa de Faria fala que no sítio Arrozal “desentranhar da terra algumas peças”41. Em outro texto menciona que “[e]m

certos pontos em que fiz escavações, estas [terras pretas] não atingiram um retro [metro] de profundidade” (BARBOSA FARIA, 1946, p. 14). Em geral, parece ter, todavia, realizado coletas de superfície, ora sozinho, ora com ajuda de quilombolas que moravam próximo às terras pretas. Em Oriximiná, ele também afirma ter recebido algumas peças de doação de Helvécio Guerreiro, que fazia buracos, na parte alta da cidade. Peter Hilbert (1955a, p. 29) informa que “[a] mór parte do material aqui exposto [coletado em 1952] foi coletado na superfície do terreno e, em pequena quantidade, nos cortes de estratificação. Algumas peças foram adquiridas dos habitantes das terras- pretas”42

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Uma consequência a se considerar em relação a peças obtidas em coletas de superfície é seu estado de conservação. Na região dos rios Trombetas e Nhamundá, formam-se praias que resultam da erosão dos barrancos das margens de lagos e rios. Nessas praias são encontradas e foram coletas peças arqueológicas para diferentes coleções. No lago Sapucuá, Barbosa de Faria relata que a ação das águas estava erodindo os sítios e que “grande número de peças colhidas nesta região foram achadas em ponto do lago que o estio acabava de desnudar” 43. Hilbert (op. cit., p. 19) comenta os fragmentos são arrastados para as praias, principalmente no lago Sapucuá. “A diferença de altura entre a linha da enchente”, explica o autor, “e a vasante [sic] é em média de 6 metros, podendo provocar, conforme a topologia da margem, distâncias de 100 a 300 metros separando a terra-preta da linha de vasante [sic], ou seja, das jazidas secundárias de cacos”. Como resultado “[o]s fragmentos que se coletam nessas praias apresentam o aspecto de fortemente rolados e lavados, ásperos e com cor característica amarelo clara ou cinza escura”. Em passagem pelo lago Sapucuá, em 2014, ainda no período das cheias, foi possível observar a ação erosiva da água sobre o sítio

41 FARIA, João Barbosa de. Relatório dos trabalhos ethnographicos. Ministério da Guerra, Inspeção de Fronteiras. Endereçado a Cândido Mariano Rondon. 22f (incomoleto). Carimbo do Museu Nacional/ Secção de Anthropologia e Ethnographia datado de 21/06/1929, Fundo Heloísa Alberto Torres/SEMEAR/MN.

42 Idem. 43 Idem.

arqueológico. Os moradores da comunidade de Conuri e Ajará (ou Uajará) relataram que, com frequência, encontravam e coletavam as peças no período de estiagem, da mesma maneira que relatam Barbosa de Faria e Peter Hilbert.

Outro fator de transformação do contexto arqueológico é a constante reocupação das terras pretas como área de moradia e plantio até o presente. A movimentação do solo evidenciou e fragmentou as peças arqueológicas, especialmente nos níveis mais superficiais. Em várias peças arqueológicas foi possível observar marcas de instrumentos metálicos – provavelmente enxadas – usadas nas lavouras. A implantação de obras para a extração de bauxita teve efeitos ainda maiores sobre alguns sítios arqueológicos, sendo que alguns foram completamente destruídos (GUIMARÃES, 1985).

Não há informações sobre o transporte das peças. Hilbert (1968) afirma explica que os sacos podem se rasgar com a umidade, misturando seu conteúdo e perdendo as informações estratigráficas. O mesmo pode ser pensado em relação às coletas mais antigas, algumas realizadas por este mesmo pesquisador.