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E COM AS NOVAS TECNOLOGIAS

Tatiana Passos Zylberberg & Fabrício Leomar Lima Bezerra

INTRODUÇÃO

Na docência no ensino superior, a utilização das tec- nologias pode ser inspirada ou cegada pela forte cultu- ra do quadro/lousa, cujas as letras redigidas com giz ou canetas têm sempre dimensão padronizada. Na era tecnológica, por exemplo, em que projetores possibili- tam exibição de slides, vídeos, imagens, transmissões ao vivo, o que já presenciamos em diversas salas de aula? Uma imagem digital em tamanho reduzido, tal qual era o padrão do quadro/lousa. Muitas vezes presenciamos salas com cinquenta estudantes e um projetor diante deles (apenas) no tamanho de uma pequena tela com cerca de dois metros de largura. E os tais equipamentos de projeção sendo (geralmente) fixados no teto! Quem escolhe a distância na qual se instala esse equipamento

estabelece que a sala de aula tem frente e fundo fixos, e decreta que provavelmente muitos estudantes ficarão sem enxergar bem. O lugar garantido de melhor visibili- dade fica restrito àqueles que sentam nas primeiras car- teiras. Por que as projeções não são exploradas numa parede inteira? Ou no teto? Ou cada aula em uma dire- ção?

Como organizamos os espaços de aprendizagem? Utilizamos as novas tecnologias com velhas abordagens? Como promover a formação de futuros professores de Educação Física para que estes assumam uma relação

autoral com as novas tecnologias23 e que estas sejam

problematizadoras sobre as veladas maneiras com que elas nos afetam?

Este capítulo foi organizado da seguinte forma: num primeiro momento abordamos a questão das novas tec- nologias refletindo sobre aprendizagem, corpo e multile- tramentos. Posteriormente, apresentamos experiências na docência universitária em forma de diálogo, como se fosse uma interação numa rede social. Para facilitar a vi- sualização das referidas experiências, alguns links cita- dos no decorrer do texto estão disponíveis em QR Code. Por isso, sugerimos que antes de iniciar a leitura deste capítulo, você baixe um aplicativo de leitor de QR Code no seu celular. Depois de instalado, aponte a câmera do seu celular para o código e o aplicativo o levará imedia- tamente para a página do Conecte & Crie, em que está publicada a maior parte das produções que citaremos.

logo, à construção coletiva e à aprendizagem incessan- te; rompe a relação linear e vertical de docente-discen- te. Muitos discentes poderão saber infinitamente mais sobre tecnologias que os docentes, ou poderão, ambos, aprender muito, juntos.

Vamos apresentar os dois autores que ensinaram/ aprenderam juntos: uma docente – Tatiana Passos Zyl-

berberg – e um discente24 – Fabrício Leomar Lima Be-

zerra. Tudo começou em agosto de 2011, na cidade de Fortaleza, na aula do concurso público, que antecedeu/ decretou a chegada da docente Tatiana à Universidade Federal do Ceará. Fabrício estava lá para assistir a aula dela. Ela percebeu o olhar atento. Olhar este que depois foi se intensificando nas relações que construíram como docente-discente, orientadora-orientando, entrevistada- -entrevistador e grandes amigos-afetos.

Bezerra (2013) em seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) se descobriu um poeta científico ou um cientista-poeta, se descobriu José (seu heterônimo). Saiu

da cidade de Racionópolis25 para viver em

Sensinópolis26.

24 Fabrício, atualmente, é professor, mas as experiências aqui rela- tadas, em sua maior parte, foram inspiradas no tempo em que era discente do Instituto de Educação Física e Esportes da UFC.

25 Racionópolis é a cidade da razão, movida pelo pensamento car- tesiano, mecânico, pelo conhecimento homogêneo, linear e objetivo, tendo o cérebro como a representação maior da inteligência, com o privilégio do raciocínio, da escrita, da oralidade e da produção de resultados.

Ao encontrar o saber sensível durante o final do seu percurso formativo como professor de Educação Física, Fabrício vislumbrou possibilidades de sentir o aprendizado e inserir o corpo no processo de ensino. Essa formação para docência se deve (em parte) ao convívio com sua orientadora, a professora Tatiana Zylberberg, chamada no TCC de “Professora Céu”.

Fabrício, no ensino superior, constitui uma do- cência sensível. Sua vivência discente foi consciente- mente diversificada: foi dançarino do grupo de dança popular (Oré Anacã) sem nunca ter dançado na vida, foi membro do Centro Acadêmico (CA), da Associa- ção Atlética, foi monitor de estatística, de projeto de graduação, de iniciação à docência, foi bolsista do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Do- cência (Pibid), participou de festival de jogos adap- tados, competiu os jogos internos na modalidade in- dividual e coletiva, trabalhou em eventos esportivos. Ou seja, “estava sendo sem nem ter a ideia daquilo

que podia ser”27, estava aberto para tocar e ser toca-

do, para afetar e ser afetado, para sentir e ser sen- tido. Formou-se como um ser encarnado e como um ser-professor com uma grande diversidade no olhar, um professor que passou a perceber que não existe

rea. É a cidade dos sabores, das cores, da subjetividade, de caminhos não lineares, da multiplicidade, da heterogeneidade, em que a inteligência se insere no corpo todo. Lá se vive o corpo, antes mesmo de se pensar sobre ele ou reduzi-lo. Preocupa-se com o processo e assim ampliam-se as possi- bilidades de sermos e aprendermos.

27 Frase que faz referência ao título do documentário, explicado mais adiante.

novas tecnologias.

Foi nesse emaranhado de sensações, sentimentos e desejos maiores de ser um docente formado para e na sensibi-

lidade que Bezerra (2015)28 investigou

no mestrado processos de aprendiza- gem que reconhecessem/valorizassem o corpo, para propiciar uma educação de múltiplas possibilidades. Durante o per- curso de dois anos na pós-graduação na Universidade Federal do Triângulo Mi- neiro, Bezerra (2015) entrevistou estu- dantes que, durante a formação inicial, vivenciaram o aprendizado que se insere no corpo e ouviu ainda a professora, a qual proporcionou e proporciona essas experiências vívidas: Zylberberg (ZYL- BERBERG, 2007, 2010; ZYLBERBERG; BEZERRA, 2013; ZYLBERBERG et al., 2014). Na fala dos estudantes foram no- tórios e reincidentes depoimentos como: “fiz coisas que aparentemente eu sabia que podia fazer, mas foi incrível fazer ou- tras que eu nem sabia que podia e, por me permitir, eu fiz”.

Quando se está aberto e pleno para a aprendizagem, sem julgamentos, sem o medo de errar, sem a cobrança exacer- bada do belo, do certo, os estudantes se descobrem e se revelam possíveis, ca- pazes de realizar coisas que nem sabia que podiam aprender e criar. Sob a ótica da multiplicidade do olhar, enxerga-se “aquilo que você nem sabia que podia ser”, afirmou Zylberberg em seu depoi- mento à dissertação de Bezerra (2015), frase esta que acabou sendo escolhida como o título do documentário-produto da dissertação.

Inspirados nessa constatação e instigados a am- pliar as possibilidades de utilização das novas tec- nologias na docência no ensino superior, Tatiana e Fabrício produziram este capítulo que discorre sobre “aquilo que a gente nem sabia que podia criar”.

Em busca de novas perguntas sobre ensinar e aprender para e com as tecnologias, vamos relatar al- gumas experiências concebidas entre docentes e dis- centes no ensino superior no Instituto de Educação Física e Esportes (Iefes) da Universidade Federal do Ceará (UFC). Este relato de experiência foi elaborado num estilo de troca de mensagens eletrônicas, como se estivéssemos interagindo numa rede social.

É grande a urgência de debater sobre ensino-apren- dizagem para e com as novas tecnologias na docência

sensível e multiletramentos.

REDE DE CONEXÕES: APRENDIZAGEM SENSÍVEL,