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Ídico Luiz Pellegrinotti

E a vida Ela é maravilha ou é sofrimento? Ela é alegria ou lamento? O que é? O que é? Meu irmão Gonzaguinha

INTRODUÇÃO

A importante observação nascida em minha cabeça era como um ser humano, no âmbito dos limites dos sistemas orgânicos, apresentava movimentos corpo- rais exuberantes e habilidades que diferenciavam uma pessoa da outra.

Na perspectiva de situar no espaço-tempo de mi- nha consciência, vou procurar me posicionar na fase efervescente de minha relação com a área da prática

de esportes nos idos de 1960 a 1970, sem, contudo, pormenorizar detalhadamente a cada ano, apenas ex- plicitar razões para as afirmações de uma contribuição na caminhada da educação física e esportes.

Milito, ainda, na área e, se contar todo o tempo profissional, atuo há mais de quarenta anos. Os anos dentro da década de 1960 foram o espaço de minha participação esportiva na cidade de Piracicaba, mais precisamente como atleta de remo no Clube de Rega- tas de Piracicaba; na cidade de Brasília, DF, no Exér- cito, fui atleta de basquetebol e de pista de obstáculos, na modalidade militar. Por que essas linhas? Talvez seja a indagação do leitor. Explico: nas práticas espor- tivas se deu meu encantamento pelos resultados de grandes esportistas à época. Perguntava-me como um ser humano pode saltar tão alto, tão longe, correr tão rápido e ter habilidades precisas com objetos de todas as formas, com as mãos ou com os pés.

Nas conversas sobre o assunto com amigos e cole- gas das modalidades, sempre aparecia as afirmações como: treinamento; pratica desde a infância; nasceu para isso. Essas eram as saídas para uma pergunta fácil, mas de difícil resposta. O tempo passou e, na dé- cada de 1970, fui estudar Educação Física e, durante o curso, fui tomando gosto pelas disciplinas, cada uma delas com suas peculiaridades.

Nessa caminhada, em cada aula, estava lá a minha curiosidade, de como um ser humano se apresenta de forma que suas realizações corporais são surpreen- dentes. Neste momento não estou falando em vencer

uns aos outros, mas em realizar as ações com o pró- prio corpo. Foi por meio de cada disciplina ministrada das áreas biológica, técnica e de humanas que fui en- tendendo as funções orgânicas, movimentos técnicos, envolvimento psicológico e interações coletivas, dando a direção para formulações de respostas ao desempe- nho do ser humano nas práticas corporais.

Aprofundando-me nos conteúdos das disciplinas, principalmente as de cunho biológico, em que a cada momento os fenômenos das ações eram apresentados, estava alerta a minha consciência para buscar relações da eloquência do que chamamos vida com as reações harmoniosas dos movimentos.

Ainda estudante do último ano de Educação Física e possuidor de análise e interpretações da literatura sobre anatomia, fisiologia, cinesiologia e modelos de treinamentos, com base nessas disciplinas, ao discu- tir sobre a vida, quando analisada pela interpretação dos sistemas orgânicos, especificamente nos gestos es- portivos, pude perceber que havia uma complexa rede de limiares presente, sendo a razão da existência da relação de todos os sistemas orgânicos, com suas sen- sibilidades de assimilação, que agem entre si como um todo para expressar a eficiência dos gestos corporais no desempenho técnico.

Nesse período fui convidado pelo professor José Leo- nel José para atuar como estagiário na preparação físi- ca da equipe da Seleção Piracicabana de Futebol, pois as minhas indagações e sugestões relativas à discipli- na ministrada pelo professor Leonel eram constantes, o

que despertou nele a curiosidade de como viabilizar os meus argumentos sobre o que na época se comentava muito: rendimento, adaptação e aptidão física.

Para mim, à época, rendimento deveria se chamar desempenho, termo que parecia estar mais ligado ao ser humano como um todo. Essa preocupação nas- ceu da lembrança de quando assisti à peça de Cecilia Meireles, Romanceiro da Inconfidência, adaptada para o teatro por José Maria Ferreira, em Piracicaba, em 1969, com a cena em que o ator Gregório Marchiori, com apenas gestos corporais do braço direito, fez o pú- blico entender que estava escrevendo em um muro a palavra “Liberdade”. Foi com o reflexo dessa imagem a motivação com que eu discutia, nas disciplinas, que o ser humano, com seu corpo, poderia expressar as respostas de vida e gestos melhorados a partir da inte- ração de todos os sistemas.

Recém-formado, em 1973, era estimulado pela bi- bliografia da área, que era tida como uma das mais atualizadas, não sendo possível, neste texto, abordar todas as que mais influenciaram. Porém, destaco que encontrei, naquelas de cunho biológico minha vocação pela fisiologia e cinesiologia, enquanto nas sociológicas e psicológicas, respaldo para os modelos de treinamen- tos esportivos e exercícios sistemáticos. Nesse período assumi como técnico o comando da equipe de atletis- mo da cidade de Piracicaba, SP, e encontrei o campo fértil para aplicar de forma organizada e sistematizada os princípios científicos fundamentados para sintetizar uma rede de ideias referentes à forma de melhorar o

desempenho atlético por meio de um horizonte mais amplo, em que só o corpo pode expressar, em conse- quência das ações dos sistemas sensíveis as respostas aos estímulos do meio interno e externo.

Foi com a leitura do estudo de Cooper (1972, p. 73), no qual ele menciona a alta performance para recordes esportivos que pensei: a palavra performance pode de- nominar a natureza do ser humano para realizações de todas as suas expressões. Durante os anos 1970 e 1980, o termo na área era contestado, pois não havia ainda o verbete no dicionário da língua portuguesa, o que se encontrava era a definição de rendimento. Havia críticas de traduções de termos estrangeiros para lín- gua portuguesa (BARBANTI, 1979, p. 2). Mas, por meio das respostas orgânicas diferenciadas das pessoas que praticavam programa de treinamento e que eram cita- das nos livros-texto, relacionei que só a vida de cada sistema corporal integrado poderia realizar tamanhas perfeições. Surgiu daí a preocupação de afirmar uma denominação que abrangesse cosmos/humano/natu- reza para expressar corporalmente o binômio: sentir e modificar. Para tanto, performance simbolizaria a vida.

O mesmo procedimento foi aplicado para a palavra adaptação, que mostrasse maior dinâmica do sistema vivo. A performance se apresentava de forma diferen- ciada após a utilização dos movimentos corporais em torno de objetivos envolventes que agrupavam, além das estruturas corporais, o ser humano na sua es- sência, como o psicológico e social, despertando o ser sensível existente em qualquer ação no movimento. À

época, com a leitura sobre Edgar Morin, despertou-me a afirmação auto-organização para substituir adapta- ção. Morin (1982, p. 164) afirma:

Se ficarmos no campo da banda média – zona da física onde atuam as leis da física clássica, (isto é, excluindo o campo microfísico e o campo macrofísico, o que é uma simplificação de método), a com- plexidade começa logo que há um siste- ma, isto é, inter-relações entre elemen- tos diversos numa unidade que se torna unidade complexa (una e múltipla).

O tempo da formação e também a preocupação com a ação profissional me levaram a buscar o enten- dimento aprofundado da dinâmica sobre a ciência da vida, especificamente o humano, que apresenta rea- lizações corporais exuberantes feitas em consonância com seus próprios sistemas.