Nesse ensaio, buscamos percorrer os caminhos das Artes Marciais, observando as relações que se estabelecem entre um mestre e seu discípulo, nota- damente a partir de imagens cinematográficas e das vozes de mestres em Artes Marciais e em Filosofia. A prática das Artes Marciais, assim como a prática de uma formação pautada na experiência sensível da corporeidade, pode conduzir à libertação a partir da transformação de si e do outro no exercício cotidiano de nossas experiências.
Ao ler os textos filosóficos orientais e ocidentais, ao apreciar o filme Primavera, verão, outono, inver-
no… e primavera e ao refletir sobre as expressões da
corporeidade na relação mestre e discípulo, destaca- mos a compreensão dessa relação como um processo configurado por múltiplas transformações de ambas as partes. Transformações da corporeidade, do nosso corpo, do corpo da natureza, do corpo do mundo, do corpo do outro.
Nesse processo de transformação de si e do outro que constitui a relação de conhecimento e de auto- conhecimento, afetos, desejos, angústias, medos, so- frimentos, alegrias e realizações ocorrem, por vezes em meio a violentas tempestades, por vezes em mo- mentos de contemplação, de calma e de serenidade. São as idades da vida, os ciclos da natureza mediados por nossa intercorporeidade, em um processo perma- nente de anexação do corpo do mundo. Concordamos
com Andrieu (2016), ao afirmar que a percepção do vivo em geral e do vivo em nós ocorre a partir da sen- sibilidade do próprio corpo quando este se espacializa e se temporaliza em uma existência na qual os vetores gestuais são também fontes emocionais a partir das quais criamos um espaço expressivo que escapa e ul- trapassa a nossa consciência representacional.
Compreendemos que esse espaço expressivo é o espaço da corporeidade e de nossas aprendizagens em uma relação direta com o corpo do outro. Assim, concordamos com a leitura de Merleau-Ponty feita por Moreira e Simões (2016) a respeito da corporeida- de, pois antes de ser consciência somos experiência. Portanto, as experiências que envolvem um mestre e seus discípulos, o professor e seus alunos, o orienta- dor e seus orientandos são experiências profundas de transformação de si próprios e do outro, na espacia- lidade e temporalidade de existências recortadas pelo fundo imemorial da carne, nas bordas e farrapos de nossa natureza humana, demasiadamente humana, como diria um de nossos mestres, Friedrich Nietzs- che, segundo a lógica paradoxal do eterno retorno.
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