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CAPÍTULO 1 – BREVE HISTÓRICO, EMISSÕES BRASILEIRAS, POLÍTICA NACIONAL

1.4 Comentário: emissões, PNMC e consumo sustentável

Segundo IPCC (2013), o espaço de carbono disponível para que o aumento de temperatura provocado pela ação antrópica seja de até 2° C24 é de pouco mais de 910 GtCO2. Se as emissões anuais fossem congeladas aos níveis de 2011, este espaço seria preenchido em cerca de 30 anos25. Caso crescessem à taxa média dos anos entre 2001 e 2010, este prazo seria de 23 anos26. Ou seja, as medidas de mitigação dos GEE e adaptação ao aquecimento global são urgentes.

A cada década, desde 1970, a redução acumulada das emissões em função das mudanças tecnológicas foi sempre superada pelo aumento das emissões decorrente do crescimento da escala de produção e consumo, independentemente até da dinâmica populacional, que também atuou no sentido de gerar mais GEE (IPCC, 2014a). Ou seja, o crescimento econômico, ainda que represente maior eficiência no uso dos recursos produtivos

24 Neste cenário, a probabilidade da temperatura ficar no limite estipulado é de 66% (IPCC, 2013). 25

Ou seja, 910/31. O dióxido de carbono tem permanência de 100 anos na atmosfera (IPCC, 2007). 26

VF = EA ∑𝑛𝑡=1(1 + 𝑖)𝑛−𝑡, em que VF, são as emissões acumuladas no futuro, EA são as emissões anuais, i é a taxa de crescimento das emissões (2,2% a.a.) e t o tempo até que VF supere o espaço de carbono = 910 GtCO2.

e tenha eventuais efeitos positivos sobre o comportamento social (FRIEDMAM, 2006; COLLIER, 2007), quiçá aliviando a pressão ambiental, por exemplo via redução da taxa de fertilidade, empiricamente é a principal causa do aumento da concentração de GEE na atmosfera. No cenário tendencial, sem novos esforços imediatos, entre 2030 e 2050 a taxa de redução das emissões deverá atingir 6% a.a. para a temperatura aumentar no limite de 2° C. Hoje essa taxa está em 3% a.a. (IPCC, 2014). O custo hoje é menor e as ações necessárias mais exequíveis.

Neste contexto, apenas restrições à escala27, ao menos dos bens mais intensivos em carbono, parecem capazes de inverter a trajetória ascendente do lançamento de GEE. Por exemplo, na província canadense de British Columbia, o consumo per capita de combustíveis fósseis caiu 17% depois da introdução de um imposto sobre o uso desses combustíveis, percentual acumulado em três anos desde o início da cobrança em 2008 (ELGIE & MACLAY, 2013). As emissões relacionadas aos bens tributados diminuíram em 10% no mesmo período. As reduções na província foram mais acentuadas que aquelas observadas para todo o Canadá (ELGIE & MACCLAY, 2013). Todavia, globalmente os esquemas de tributação ainda cobrem parcela pequena dos GEE, haja vista a inexistência ou ineficácia desses mecanismos em grandes poluidores.

No Brasil, a PNMC reflete a posição que o país adotou nos sucessivos acordos internacionais, a interpretação ora mais, ora menos intransigente do princípio das responsabilidades comuns porém diferenciadas (VIOLA & FRANCHINI, 2013). Trata-se do entendimento de que os países desenvolvidos devem tomar a frente no esforço para a redução das emissões, e que os países em desenvolvimento têm direito a buscar a elevação do padrão de vida de seus habitantes, e que por isso a trajetória de suas emissões será ascendente. Daí a adoção de uma meta voluntária contra um cenário tendencial, e não a fixação de um pico para as emissões brasileiras28.

A PNMC faz valer o sucesso obtido no controle do desmatamento, bem como a vantagem comparativa do território e o desenvolvimento tecnológico da agropecuária. Daí a ênfase em nas medidas como o reflorestamento e a recuperação de pastagens. Esta última já consolidada nas grandes empresas agropecuárias, bem como a integração lavoura-pecuária, o

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As restrições dizem respeito mais à eficácia ou objetivo das ações, impedir que a maior utilização de um recurso fustigue as ações de mitigação dos GEE. Os instrumentos, em princípio, são aqueles já conhecidos, os impostos, cotas, taxas e proibições.

plantio direto e a fixação de nitrogênio (SEROA DA MOTTA, 2010). Isto talvez explique o maior esforço exigido do campo, comparativamente aos demais setores.

Por outro lado, o país possui um importante parque industrial energo-intensivo, como a siderurgia, a metalurgia, o petróleo e a mineração, e carece de investimentos em infraestrutura. Não surpreende que os setores de energia e a indústria tenham sido poupados de restrições mais severas ao aumento de suas emissões. Embora tenha proposto aumentar a participação do etanol e de outras fontes renováveis na matriz energética, e o PNLT proponha aumentar a oferta de diferentes modais de transporte, não há na PNMC medidas que indiquem a preocupação com a escala de produção e consumo.

IPCC (2014a) defende a adoção de medidas transversais entre os diferentes setores responsáveis pelos GEE, também defende que as políticas orientadas para outros objetivos sociais podem contribuir para a mitigação e adaptação às mudanças climáticas. Porém, na PNMC, à exceção do desmatamento, um problema multicausal e que é assim entendido e combatido (MMA, 2013), não há medidas que perpassem diferentes atividades econômicas. Com efeito, a ênfase nos acordos setoriais indica a disposição em lidar com as emissões por meio do avanço tecnológico localizado, entretanto, sem a adoção, ao menos por enquanto, de instrumentos de mercado que criem incentivos a tecnologias menos intensivas em GEE e, menos ainda, que atuem sobre a escala29.

Não obstante, para muitos, os limites ambientais impõem uma transformação até mais profunda, da cultura, dos modos de pensar e da visão de mundo (OSWALD SPRING & BRAUCH, 2001; 2009; JACKSON, 2009; SCHOR, 2011; ROCKSTRÖM et al, 2009; DIAMOND, 2009). Neste caso, a formulação de políticas para a contenção do aquecimento deve ir além do desenho de um regime de incentivos voltado sobretudo para o incremento da produção, área em que a Teoria Econômica ocupa posição destacada. Os próprios objetivos e valores sociais careceriam de revisão, já que, em boa medida a proteção ambiental está condicionada ao compromisso ético, à valoração do meio ambiente por razões que se juntam ao bem-estar individual ou do padrão de vida, e dizem respeito ao senso de responsabilidade do ser humano sobre outras espécies ou sobre as condições naturais (SEN, 2011).

Com efeito, se o crescimento econômico em uma nação pobre equivale à satisfação de necessidades emergenciais, portanto a um ganho de bem-estar evidente, em

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Salvo o aumento da parcela de álcool na gasolina automotiva e os estímulos intermitentes ao setor de biodiesel. Por outro lado, há o subsídio ao consumo final de gasolina e seus impactos sobre o consumo de etanol (MELO & SAMPAIO, 2014).

sociedades afluentes o crescimento tem outra conotação, o conforto ou o atendimento de necessidades psicológicas, que podem competir com outras formas de realização pessoal. Por exemplo, mais tempo dedicado ao trabalho para viabilizar o consumo e menos tempo disponível para a participação e o convívio social30.

Ainda que o problema da escassez seja relativizado nos países ricos, insiste nos demais31. Daí que, muitas vezes a necessidade de crescimento da renda domine o debate sobre o desenvolvimento econômico, e obscureça o fato de que a simples repetição do padrão de consumo dos países ricos, em escala global, não cabe nos limites biofísicos do ecossistema (GOODLAND, 1992; ROCKSTRÖM et al, 2009), ao menos, do ecossistema nas condições conhecidas e desejadas, ou seja, sem o desenrolar de eventos climáticos extremos. Em outras palavras, é importante que se discuta o modo como os países irão se desenvolver e como lidar com a desigualdade.

Com efeito, a distribuição do ônus das políticas de controle dos GEE requer juízo de valor e é central para qualquer debate sobre a mudança climática. O relatório mais recente do IPCC chama atenção para os impactos distributivos das ações de mitigação, tanto os impactos intergerações como entre diferentes grupos em um mesmo recorte temporal, e entende que “análises sociais, econômicas e éticas podem ser usadas para informar os juízos

de valor e podem ter em conta os valores de vários tipos, incluindo o bem-estar humano, os valores culturais e os valores não-humanos” (IPCC, 2014a:5)32.

A Teoria Econômica oferece instrumentos que vão além do utilitarismo ético e de sua conhecida insuficiência para tratar as questões de justiça distributiva33. É o caso do conceito de produção e consumo sustentável. No Segundo Simpósio de Oslo (NME, 1994) o conceito foi definido como “o uso de bens e serviços que respondem as necessidades básicas

e aumentam a qualidade de vida enquanto minimizam o uso de recursos naturais, materiais

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A ampliação dos objetivos sociais na Europa já foi atribuída ao sucesso econômico do pós-guerra até os anos 1970: “A prosperidade da era fez desviar a atenção popular da produção para o consumo, das necessidades básicas para a qualidade de vida. No calor dos anos 1960, pouca gente se preocupava com os dilemas morais da prosperidade, pois os beneficiários se distraíam, ao aproveitar as vantagens propiciadas pelo bom momento. No entanto, em poucos anos, muitos indivíduos – notadamente jovens adultos com formação educacional e residentes no noroeste da Europa – estariam vendo o mercantilismo e o bem-estar material dos anos 50 e 60 como uma herança pesada, responsável pela produção de mercadorias de mau gosto e falsos valores. O preço da modernidade, ao menos para os principais beneficiários dela, começava a parecer por demais elevado, e o ‘mundo perdido’ dos pais e dos avós começava a parecer bastante atraente” (JUDT, 2008: 489).

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Em 1970, o PIB per capita no Reino Unido alcançava $ 13.798,00. No Brasil, em 2010, ainda era 40% menor, $ 8.324,00. Os valores foram corrigidos pela paridade do poder compra e deflacionados para o ano de 2005 (HESTON; SUMMERS; ATEN, 2012).

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Tradução nossa de: “social, economic and ethical analyses may be used to inform value judgments and may take into

account values of various sorts, including human wellbeing, cultural values and non-human values”. 33

tóxicos e geração de resíduos e poluentes em todo o ciclo de vida, de modo a não por em risco o atendimento das necessidades das gerações futuras”. Esta definição é suficientemente

abrangente para cobrir termos correlatos como a desmaterialização, o consumo eficiente e outros. Todavia, deixa em aberto o caráter normativo, afinal, como definir as necessidades básicas? Apenas as necessidades das gerações futuras devem ser atendidas, ou há outras considerações além das necessidades?

Comim et al (2007) procuraram superar esta limitação recorrendo à abordagem das capacitações (SEN, 2000). Para os autores, o consumo sustentável34 é o “uso autônomo

dos recursos conducente à qualidade de vida e proteção ambiental”. A autonomia implica

que o consumidor toma decisões em função não apenas de seu bem-estar, mas também de seu papel de agente, que pode ser caracterizado pelo compromisso ético, e que ultrapassa a esfera individual (SEN, 2000). A qualidade de vida, por sua vez, inclui liberdades substantivas35 e funcionamentos36, portanto, vai além do bem-estar material (SEN, 1993), enquanto a proteção ambiental requer a fixação das escalas máximas de transformação dos recursos naturais, daí a compatibilidade com a ideia de sustentabilidade forte37. O consumo será não sustentável se causar uma pressão excessiva, ou se não promover efetivamente a qualidade de vida, como é o caso, por exemplo, quando há desutilidade marginal. A pressão ambiental é excessiva quando ultrapassa a capacidade de carga (ARROW et al, 1995) de um ecossistema na condição de preservação que se deseja.

A perspectiva das capacitações38 permite a comparação das vantagens pessoais compatíveis com os princípios éticos escolhidos democraticamente e submetidos ao escrutínio público. Deste modo, exige a hierarquização entre meios e fins da produção e consumo sustentável, e a identificação de mecanismos de transmissão intertemporal de capacitações entre gerações diferentes (COMIM et al, 2007). O mais importante é promover que a habilidade de usar recursos naturais seja direcionada às liberdades positivas e proteção ambiental39. A autonomia, como um princípio ético fundamental supõe a consecução destes

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O termo consumo é tomado em sentido amplo, o consumo de insumos e demais bens, ou seja, inclui a produção e o consumo.

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Em linhas gerais, a liberdade substantiva diz respeito tanto a processos quanto a oportunidades, ou seja, processos que permitam a liberdade de ações e decisões, e oportunidades reais que as pessoas têm para realizarem aquilo que gostariam dadas as circunstâncias pessoais e sociais. “A capacidade que as pessoas têm para escolher uma vida que se tem razão para

valorizar” (SEN, 2000:31). 36

Os funcionamentos refletem as várias coisas que alguém pode considerar valioso ter ou fazer (SEN, 2000:95) 37

Em que o capital físico e o capital natural são essencialmente complementares, e não substitutos (ROMEIRO, 2003). 38

Conjunto de liberdades substantivas e funcionamentos (SEN, 1999). “A capacidade na qual estamos interessados é nosso

potencial de realizar várias combinações de funcionamentos que possamos comparar e julgar entre si com relação àquilo que temos razão para valorizar” (SEN, 2011:267).

objetivos pela transformação de valores e atitudes, mas, evidentemente, não dispensa um conserto adequado de incentivos.

Se o desempenho econômico deve ser medido em função da sua contribuição para o desenvolvimento, entendido como a expansão das liberdades substantivas, e não apenas em função do crescimento da renda ou do consumo das famílias, como é mais frequente na Economia, então, cabe à decisão política estabelecer um conjunto de capacitações que deve assistir a toda a sociedade. Para o aquecimento global, a escala máxima de transformação dos recursos naturais é subsumida no espaço de carbono.

Assim, a sustentabilidade ambiental deve integrar o processo de desenvolvimento. Daí que o desenvolvimento sustentável não pode ser confundido com a preservação passiva da natureza “intocada”, em oposição ao progresso social e econômico. Mas antes o desenvolvimento que assegure liberdades substantivas à geração atual sem inviabilizar o mesmo às gerações futuras.40 Quando o aumento da liberdade substantiva das mulheres reduz a taxa de fertilidade (SEN, 2011; JACKSON, 2009), aliviando a pressão sobre os recursos naturais, ou a educação e informações disseminadas promovem escolhas mais conscientes do ponto de vista ambiental, então, a busca da sustentabilidade passa a ser um processo ativo, construído racionalmente (SEN, 2011). Afinal, se as liberdades têm papel instrumental e constitutivo para o desenvolvimento, também o têm para o desenvolvimento dito sustentável.

Por outro lado, pode haver conflito entre diferentes liberdades, e possivelmente limites devam ser estabelecidos pisos para certas liberdades, como dispor de boa condição de saúde, livre de doenças facilmente evitáveis (NUSSBAUM, 2006), e tetos para outras, por exemplo, a liberdade para a geração de resíduos dos processos produtivos (HOLLAND, 2008). O uso dos recursos naturais deve ser valorado por seu impacto sobre a vida humana, incluindo o comprometimento com os valores arrazoados41 da sociedade. Neste sentido é

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A questão sobre quais liberdades devem ser asseguradas requer solução através do debate público arrazoado. Uma lista básica de 10 liberdades pode ser encontrada em Nussbaum (2000). Paige (2007) e Huseby (2010) também discutem sobre o padrão de vida que corresponde à garantia dos direitos básicos.

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Nesta perspectiva, ter razão para fazer algo “exige investigar as razões subjacentes á escolha e analisar se as razões

alegadas sobrevivem a um exame crítico e penetrante que podemos empreender se e quando compreendemos a importância desse autoexame. As razões da escolha têm de sobreviver à investigação baseada no raciocínio minucioso (com uma reflexão adequada e, quando necessário o diálogo com os outros), levando em conta mais informações se e quando elas forem relevantes e acessíveis” (SEN, 2011: 215).

importante que as decisões de produção e consumo sejam avaliadas por sua contribuição para o aquecimento global e também para a vida que as pessoas desejam levar42.

O exercício de reflexão acerca dos efeitos da produção e consumo pode esclarecer e transformar comportamentos às vezes inconsistentes, favorecendo a fixação de limites à escala do sistema econômico. É razoável que tais inconsistências surjam por exemplo da incapacidade dos agentes de fazer ou manter as escolhas mais adequadas, ou das incertezas sobre o futuro, ou de certas instituições e mudanças institucionais.

A literatura especializada há bastante tempo debate sobre a racionalidade limitada dos agentes, seja em função da dificuldade de processamento de um grande conjunto de informações ou do grau de complexidade das mesmas (SIMON, 1978), ou diante da incerteza fundamental que advém da própria criatividade humana (DEQUECH, 2006), ou de eventos aleatórios que tornam a história imprevisível (KAHNEMAN, 2012). Há também os desvios sistemáticos do comportamento maximizador, como a aversão à perda, o efeito dotação ou o efeito disponibilidade, exemplos de heurísticas de julgamento face à incerteza (KAHNEMAN, 2002). Não obstante os limites cognitivos e até a impossibilidade de juízos completos, em que todas as possibilidades e resultados de uma ação são conhecidos e ponderados, nada impede que o uso da razão e reflexão possa mudar comportamentos e objetivos.

De modo geral, as instituições entendidas como padrões de comportamento compartilhados contribuem para a redução de incertezas (HODGSON, 2006; GREIF, 2006). Todavia as mudanças sociais, como em função do crescimento da renda, podem implicar em necessidade de revisão das instituições, o que requer tempo e pode acarretar escolhas intertemporais inconsistentes (OFFER, 2009). Por exemplo, a urbanização e a mudança nas relações de trabalho, incluindo a maior participação da mulher, alteraram os hábitos familiares, favorecendo o consumo de alimentos processados e a alimentação fora do domicílio (OFFER, 2009). Os novos hábitos podem aumentar a intensidade de CO2, já que a produção local de alimentos cedeu espaço aos produtos transportados de outras regiões (KISSINGER, 2012; HOOLOHANA et al, 2013). A representação do status social através da aquisição de bens posicionais, também associada à afluência (OFFER, 2009; FRANK, 2011), pode levar à dissociação entre o bem-estar agregado e os níveis individuais de consumo

42 Em alguma medida este debate remonta ao início da preocupação com as questões ambientais, como em Schumacher (1973: 47): “..., since consumption is merely a means to human well-being, the aim should be to obtain the maximum of

(LINTOTT, 1998). Ou ainda, o modo como as cidades são estruturadas, especialmente os sistemas de transporte, implicam em diferentes níveis de emissões (GRAZI, van den BERGH, 2008).

Aqui, entretanto, interessa notar que avaliação do consumo cumpre papel importante se o objetivo é limitar a escala do sistema econômico. E que há, em tese, oportunidades para que o uso da razão identifique inconsistências ou modifique o comportamento dos consumidores, e principalmente, discuta valores e princípios éticos, para que então sejam estabelecidos limites à escala do sistema econômico. Dados os limites ambientais, os efeitos da produção e consumo não se resumem à satisfação individual dos agentes envolvidos na troca, e vão além das externalidades. Há os impactos sobre as liberdades de que desfrutarão as próximas gerações, ou os diferentes grupos sociais, e há a questão distributiva. Em resumo, as decisões de produção e consumo têm novas dimensões políticas à sua frente. Por exemplo, uma perspectiva que pode ser explorada é a da “injustiça climática”. Se for negada sistematicamente a uma parcela da população a capacitação necessária a uma liberdade tão elementar quanto estar livre da morte evitável, então, há uma clara situação de injustiça. Assim, quando os eventos climáticos, hoje amplificados em intensidade e frequência pelo aquecimento global, comprometem as capacitações daqueles que menos contribuíram ou se beneficiaram das emissões de GEE que levaram à mudança do clima, potencialmente está colocado um problema de justiça. Com efeito, os eventos climáticos causam mais perdas, em termos de desabrigados, mortos e pessoas gravemente afetadas, nos países não desenvolvidos (ROBERTS & PARKS, 2007), que são também aqueles que menos contribuíram para o aquecimento global. No Brasil, possivelmente, os mais afetados pelas enchentes e deslizamentos são os moradores das áreas de risco ou de urbanização precária, também entre os mais pobres. O quarto relatório do IPCC atribuiu, com médio grau de confiança, o aumento da incidência de chuvas verificado no início dos anos 2000 na América Latina à mudança climática.

De volta à PNMC, trata-se de uma iniciativa importantíssima do governo brasileiro, entretanto, quanto aos limites de longo-prazo da produção e consumo de certos bens e serviços, ainda é insuficiente. Exceto pelo controle do desmatamento, há mais tempo discutido em sociedade, e na agricultura, que já dispõe de capacitação e tecnologia para as ações propostas, a PNMC não implica alterações profundas no business as usual da economia, e também não contempla ações de longo-prazo que alterem o comportamento dos consumidores.

Por sua vez, as recém-anunciadas INDCs aprofundam as propostas originais da PNMC e acrescentam mais ações relacionadas ao setor de energia. São capazes de colocar o país à frente de países também importantes para o combate ao aquecimento global. O país ganha tempo e destaque internacional, todavia, ainda carecerá de propostas e políticas para o longo-prazo, sobretudo se pretende alcançar um nível de renda semelhante àquele dos países desenvolvidos.