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CAPÍTULO 3 METODOLOGIA

3.1 Decomposição estrutural da variação das emissões de GEE

As variações das emissões atribuídas aos componentes da demanda final entre os três anos considerados foram estimadas através da Análise de Decomposição Estrutural, a partir das matrizes de insumo-produto. Este procedimento é bastante difundido na literatura dos modelos estruturais aplicados a questões ambientais.

Grosso modo, o modelo de insumo-produto é o registro sistemático das transações de compra e venda entre os setores produtivos da economia, e destes com a demanda final. Com efeito, os bens e serviços produzidos irão servir de insumo para a produção de outros bens e serviços – as chamadas transações intermediárias - ou deverão atender à demanda final. Daí que:

Seja xj a produção total do bem j; seja zij a quantidade do bem i vendida como

insumo ao setor j; e seja fj a demanda final do bem j. Logo, a produção total de cada bem pode

𝑥1 = 𝑧11+ 𝑧12+ ⋯ + 𝑧1𝑛+ 𝑓1 ⋮ 𝑥𝑖 = 𝑧𝑖1+ 𝑧𝑖2+ ⋯ + 𝑧𝑖𝑛+ 𝑓𝑖 ⋮ 𝑥𝑛 = 𝑧𝑛1+ 𝑧𝑛2+ ⋯ + 𝑧𝑛𝑛+ 𝑓𝑛 (1).

Ou seja, a produção total equivale à soma do consumo intermediário à demanda final. Em representação matricial, para uma economia formada por n setores:

𝒙 = 𝑍 + 𝒇 (2).

Se as linhas da matriz Z mostram as vendas intermediárias do bem xj para os

demais setores da economia, cada uma de suas colunas registra, então, o consumo intermediário dos setores. Assim, se cada elemento zij for dividido pela respectiva produção

total xj, tem-se a quantidade de cada insumo necessária para a produção de uma unidade de xj.

Formalmente:

𝐴 = 𝑍𝒙̂−1 (3).

A matriz A é chamada de tecnológica, em que 𝑎𝑖𝑗 é a quantidade do bem i utilizado para a produção de uma unidade do bem j. Assim, A mostra a quantidade de insumos demandada diretamente para a produção uma unidade a mais de um bem j. Todavia, A não esgota os efeitos intersetoriais do aumento na produção de um bem, já que serão necessários insumos para a produção dos insumos que atendem ao aumento inicial na produção, e assim sucessivamente. Reescrevendo (3), resulta:

𝒙 = 𝐴𝒙 + 𝒇 (4). E, portanto,

(𝐼 − 𝐴)𝒙 = 𝒇 (5). Logo,

𝒙 = (𝐼 − 𝐴)−1𝒇 (6).

A matriz (𝐼 − 𝐴)−1 é a inversa de Leontief, ou matriz dos efeitos totais62. Essa matriz mostra, além dos requerimentos de insumos demandados diretamente para a produção

62

A matriz de Leontief pode ser reescrita como (𝐼 − 𝐴)−1= (𝐼 + 𝐴 + 𝐴2+ 𝐴3+ ⋯ ). Sendo A uma matriz produtiva, ou seja, com seu autovalor dominante menor que a unidade, então: lim𝑛→∞𝐴𝑛= 0̌. Onde 0̌ é uma matriz nula, assim,

𝒙 = 𝒇 + 𝐴𝒇 + 𝐴2𝒇 + 𝐴3𝒇 + ⋯ + 𝐴𝑛𝒇 + ⋯ .

de f, os insumos requeridos à produção desses insumos, e assim sucessivamente, ou seja, soma também os efeitos indiretos da produção de f.

A matriz de Leontief ponderada pelos coeficientes setoriais de emissão de GEE mostra os requerimentos de emissões totais na produção dos bens e serviços:

𝒊 = 𝒎(𝐼 − 𝐴)−1 (7).

Onde 𝑖 é o vetor dos requerimentos de emissões incorporadas na demanda final, ou seja, diz respeito aos poluentes lançados na natureza no decorrer da cadeia produtiva dos bens, por unidade monetária da produção. O vetor 𝒎 traz os coeficientes de emissões diretas dos setores de atividade econômica, calculado pela razão entre as emissões e o valor bruto da produção setorial63.

As matrizes de insumo-produto foram obtidas das Tabelas de Recursos e Usos (TRU’s) do IBGE. Os dados de 1995 e 2002 foram trazidos a valores de 2009 conforme o deflator implícito da demanda total, calculado a partir das próprias TRU’s, divulgadas a preços correntes e a preços do ano anterior64. As matrizes foram tomadas a preços básicos, as margens de comércio, transportes, impostos e importações, foram deduzidas das TRU’s conforme o procedimento descrito em Guilhoto & Sesso Filho (2005; 2010). Deste modo, a matriz de insumo-produto conta com 42 setores de atividade econômica. As emissões de GEE associadas a cada componente da demanda final foram calculadas, em cada ano, a partir da equação básica do insumo-produto (6), ponderada pelos coeficientes de emissões diretas, m:

𝒆 = 𝒎̂ (𝐼 − 𝐴)−1𝒇 (8).

Por sua vez, a decomposição estrutural parte também da equação (6). Assim, fazendo 𝐿 = (𝐼 − 𝐴)−1, e indicando o período pelo subscrito 0 ou 1, tem-se: 𝒙𝟎= 𝐿0𝒇𝟎 e 𝒙𝟏= 𝐿1𝒇1, logo, a variação de x pode ser definida como:

∆𝒙 = 𝐿1𝒇1 − 𝐿0𝒇𝟎 (9).

Para separar a variação de x entre os efeitos tecnológicos, mudanças em L (∆𝐿 = 𝐿1 − 𝐿0), e demanda, mudanças em f (∆𝒇 = 𝒇𝟏− 𝒇𝟎), é preciso escolher o ano em

à produção de f, ou seja, dos impactos diretos (𝐴𝒇), o vetor dos insumos necessários à produção de Af, e assim adiante, os chamados impactos indiretos (ver MILLER & BLAIR, 2009).

63

O apêndice traz os coeficientes e valores da produção na TAB. A.2 e TAB. A.3. 64

que ficará cada variável. Em particular, fazendo L permanecer no ano 0, e f, no ano 1, tem-se que, 𝐿0 = 𝐿1− ∆𝐿, e 𝒇𝟏= 𝒇𝟎+ ∆𝒇, que aplicados em (9) resultam:

∆𝒙 = 𝐿1(𝒇0+ ∆𝒇) − (𝐿1− ∆𝐿)𝒇𝟎

∆𝒙 = (∆𝐿)𝒇𝟎+ 𝐿1(∆𝒇) (10).

Em (10), a primeira parcela da soma isola os efeitos das mudanças nos coeficientes da matriz de Leontief sobre a demanda final, ou seja, (∆𝐿)𝒇𝟎= 𝐿1𝒇𝟎− 𝐿0𝒇𝟎, mostra a diferença entre o produto necessário para se obter 𝒇𝟎 com a tecnologia do ano 1, e o produto necessário com a tecnologia do ano 0. Portanto, (∆𝐿)𝒇𝟎 é uma aproximação da

mudança tecnológica. A interpretação análoga é válida para a segunda parcela da equação, 𝐿1(∆𝒇) = 𝐿1𝒇𝟏− 𝐿1𝒇𝟎, que isola o efeito das mudanças na demanda final sobre a matriz de

Leontief; ou seja, dada a tecnologia L, a diferença de produto para alcançar as demandas finais 𝒇𝟎 e 𝒇𝟏.

Entretanto, a escolha do ano em que ficará cada variável é arbitrária. Por exemplo,

L poderia ser mantida no ano 1, e 𝒇, no ano 0, então, (10) seria reescrita como:

∆𝒙 = (∆𝐿)𝒇𝟏+ 𝐿0(∆𝒇) (11).

As equações (10) e (11) estão matematicamente corretas. Evidentemente, a variação ∆𝒙 é a mesma nas duas, contudo, as parcelas que somam ∆𝒙 em cada equação são diferentes. Segundo Miller e Blair (2009), das decomposições possíveis, a média simples entre as duas equações (10) e (11) traz resultados aceitáveis. Daí, segue:

∆𝒙 = (𝟏 𝟐) [(∆𝐿)𝒇𝟎+ 𝐿1(∆𝒇)] + ( 𝟏 𝟐) [(∆𝐿)𝒇𝟏+ 𝐿0(∆𝒇)] 2∆𝒙 = (∆𝐿)𝒇𝟎+ 𝐿1(∆𝒇) + (∆𝐿)𝒇𝟏+ 𝐿0(∆𝒇) ∆𝒙 = (𝟏𝟐) (∆𝐿)(𝒇𝟎+ 𝒇𝟏) + (𝟏𝟐) (𝐿0+ 𝐿1)(∆𝒇) (12).

Finalmente, para a decomposição da variação das emissões, é preciso substituir a matriz de Leontief pelos requerimentos de emissões, ou seja, pelo vetor 𝒊 diagonalizado, logo:

A primeira parcela da soma mostra o efeito tecnológico derivado das mudanças nos requerimentos das emissões setoriais (∆𝒊), seja em função de alterações nos coeficientes da matriz de Leontief, pela substituição de insumos ou ganhos de produtividade, ou pela mudança nos coeficientes de emissão (m), que, por sua vez, derivam de mudanças no valor bruto da produção setorial ou nas emissões setoriais diretas.

Esta primeira parcela representa uma média. Neste caso, entre a demanda f do ano inicial tomada pela da variação dos requerimentos de emissão e a demanda do ano final, também ponderada pela mudança tecnológica. Ou seja, a média entre os impactos que a mudança tecnológica tem sobre a demanda final do ano 0, e os impactos que tem sobre a demanda final do ano 1. Portanto, essa média aproxima e isola os efeitos da mudança tecnológica sobre a demanda final.

A segunda parcela da soma traz o efeito demanda, decorrente das alterações na demanda final. Agora, a média é entre a variação na demanda final tomada pelos requerimentos de emissões do ano inicial, e a variação da demanda final tomada pelos requerimentos de emissões do ano final. Trata-se de uma medida dos efeitos da mudança na demanda final sobre os lançamentos de GEE.

As mudanças na demanda final podem ainda ser decompostas entre a mudança na escala, e a mudança da composição do vetor de demanda final entre as atividades produtivas. Assim, o efeito escala captura a variação das emissões em função do aumento na demanda final agregada, enquanto o efeito composição mostra a variação das emissões em resposta à mudança na cesta de bens que compõem a demanda final, isolada do aumento da demanda total.

Formalmente, a variação das emissões da demanda final foi obtida a partir de:

𝒇 = 𝑘𝒃 (14).

Onde o vetor 𝒃 traz a participação de cada bem a demanda total agregada 𝑘, uma medida escalar. Logo, a decomposição da demanda equivale a:

∆𝒇 = (12) (∆𝒃̂ )(𝑘1 + 𝑘0) + (12)(∆𝑘)(𝒃𝟏+ 𝒃𝟎) (15). Então, aplicando (15) em (13):

∆𝒆 = (1 2) (∆𝒊)̂ (𝒇0) + (∆𝒊)̂ (𝒇1) + ( 1 2) (𝒊𝟎+ 𝒊𝟏) [( 1 2) (∆𝑘)(𝒃𝟏+ 𝒃𝟎)] + (1 2) (𝒊𝟎+ 𝒊𝟏) [( 1 2) (∆𝒃̂ )(𝑘1+ 𝑘0)] (16).

Em (16), a primeira parcela da soma repete o efeito tecnológico. A segunda, estima a variação das emissões decorrente da variação da escala de consumo, enquanto a terceira parcela revela o efeito da alteração na composição do vetor de consumo entre os diferentes bens e serviços.

Já que os componentes da demanda final são conhecidos (consumo das famílias, gastos do setor público, formação de capital fixo e o saldo comercial), a decomposição da variação das emissões pode ser executada para cada um isoladamente. Com efeito, adiante serão calculados para o vetor do consumo das famílias.

Um exemplo contribui para a compreensão dos dois efeitos: escala e composição. Assim, suponha que o consumo de uma família dobre, depois de uma elevação da renda. O efeito escala indica que as emissões aproximadamente dobrariam; já que é calculado pela variação do escalar demanda agregada k sobre a composição, na média dos dois períodos, do vetor de demanda final entre os setores produtivos. Entretanto, é conhecido o fato de que o consumo de alimentos, categoria intensiva em GEE, não aumenta na proporção do aumento da renda65, e consequentemente, do consumo total. Logo, a composição da cesta de consumo é alterada, a participação dos alimentos diminui, enquanto a de outros bens aumenta. As emissões deverão menos do que dobrar. A diferença é devida ao efeito composição, que, no exemplo, tem sinal negativo.

Ademais, foi também estimado o impacto da variação na distribuição das despesas do consumo das famílias entre as faixas de renda, isto é, o aumento ou diminuição do consumo agregado de cada vintil de renda domiciliar per capita sobre o total do consumo das famílias; isolado dos demais efeitos. O resultado foi chamado de efeito distribuição, que permite saber se, isolada de outros fatores, uma distribuição menos desigual do consumo entre os vintis de renda provoca aumento ou diminuição nas emissões. Para tanto:

𝒇𝒄 = 𝐵𝒔𝑘 (17).

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Onde o sobrescrito c indica o componente da demanda final: consumo das famílias 𝒇𝒄. Já s é o vetor com as participações percentuais de cada vintil de domicílios no consumo total, de dimensões. A matriz 𝐵 traz a composição, em percentual, entre os 42 setores de atividade econômica, dos vetores de consumo de cada um dos vintis de domicílios. Assim, substituindo 𝑘1 = 𝑘0+ ∆𝑘 ; 𝒔𝟏 = 𝒔𝟎+ ∆𝒔 ; 𝐵1 = 𝐵0+ ∆𝐵 ; após rearranjar os termos, duas equações foram calculadas66:

∆𝒇𝒄 = (∆𝑘)(𝒔

𝟎)(𝐵0) + (𝑘1)(∆𝒔)(𝐵0) + (𝑘1)(𝒔𝟏)(∆𝐵) (18) ∆𝒇𝒄 = (∆𝑘)(𝒔

𝟏)(𝐵1) + (𝑘0)(∆𝒔)(𝐵1) + (𝑘0)(𝒔𝟎)(∆𝐵) (19) A média entre (18) e (19) resulta em:

∆𝒇𝒄 = (1 2) (∆𝑘)[(𝒔𝟎)(𝐵0) + (𝒔𝟏)(𝐵1)] + ( 1 2) [𝑘0(∆𝒔)𝐵1+ 𝑘1(∆𝒔)𝐵0] + ( 1 2) [(𝑘0)(𝒔𝟎) + (𝑘1)(𝒔𝟏)](∆𝐵) (20).

As três parcelas da equação (20) capturam respectivamente os efeitos escala, distribuição do consumo e composição. A aplicação de (20) em (13), considerando apenas o vetor de consumo das famílias, anotado pelo sobrescrito c, gera:

∆𝒆𝒄 = (1 2) [(∆𝒊)(𝒇0) + (∆𝒊)(𝒇1)] + ( 1 2) (𝒊𝟎+ 𝒊𝟏) [( 1 2) (∆𝑘)(𝐵0𝒔𝟎+ 𝐵1𝒔𝟏)] + (1 2) (𝒊𝟎+ 𝒊𝟏) {( 1 2) [𝑘0𝐵1(∆𝒔) + 𝑘1𝐵0(∆𝒔)]} + (1 2) (𝒊𝟎+ 𝒊𝟏) [( 1 2) (𝑘0𝒔𝟎+ 𝑘1𝒔𝟏)(∆𝐵)] (21).

A opção pelo modelo de Leontief significa que a responsabilidade pelos lançamentos de GEE foi atribuída aos consumidores dos bens e serviços e não a seus produtores, já que as emissões são somadas à montante na cadeia produtiva. Esta opção é justificada pela centralidade dada ao consumo das famílias neste trabalho. Afinal, dois terços do PIB são destinados a esse consumo, que é em si uma medida do nível de conforto material, ou ao menos da opulência material da população. Ademais, a responsabilidade dos consumidores é mais adequada ao caráter global das emissões. O comércio internacional pode insinuar o abatimento das emissões locais de um país enquanto aumentam as emissões totais

66 Ver Miller & Blair (2009).

para o atendimento da sua demanda final. Ou seja, um país pode substituir a produção doméstica pela importação de produtos intensivos em GEE. Por exemplo, a diminuição de 5% nas emissões do Reino Unido entre 1990 e 2004 converte-se em um aumento de 15% quando considerado o comércio internacional (DRUCKMAN & JACKSON, 2009). Não obstante, como o Brasil é um exportador líquido de GEE e recursos naturais (MACHADO et al, 2001; YOUNG & BARBOSA FILHO, 1998), o impacto das importações sobre as emissões domiciliares não foi contabilizado.