• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 4 – RESULTADOS E DISCUSSÃO

4.6 Comentários

A evolução das emissões de GEE pode ser analisada conforme a equação IPAT. Ou seja, o impacto ambiental (I) é tomado como o produto de uma variável que indica o tamanho da população (P), uma variável que denota a afluência (A), geralmente o PIB per

capita, e uma variável que captura o aspecto tecnológico (T), normalmente a intensidade de

emissões.

O crescimento populacional (P) brasileiro não deve implicar em aumento expressivo da pressão sobre o meio ambiente. A transição demográfica deve ser completada em torno de 2050, quando a população atinge o pico de 227 milhões de habitantes, e passa a decrescer lentamente (IBGE, 2014). Ainda que o número de domicílios aumente proporcionalmente mais (PESSANHA & LEON, 2012; ALVES & CAVENAGHI, 2012), e com isso a demanda por energia e outros bens de uso compartilhado, o tamanho da população não deve ser a causa principal do aumento das emissões brasileiras. De resto, não o foi, mesmo entre 1970 e 2005, no caso do CO2, embora tenha tido peso importante (LENZEN et al, 2013).

Já o crescimento econômico, capturado pela afluência (A), é o principal fator isolado que determina o curso das emissões brasileiras, vide o efeito demanda discutido anteriormente. Neste sentido,o Brasil repete a trajetória dos países como a Austrália (WOOD, 2009), a Inglaterra (JACKSON & PAPATHANASOPOLOU, 2008), a Coréia do Sul (KIM, 2008), a República Tcheca (WEINZETTEL & KOVANDA, 2011) e a China (PETERS et al, 2007).

Dos componentes da demanda final, conforme corroboraram as estimativas anteriores, o consumo das famílias é o maior responsável pela geração de GEE, todavia, a conjuntura e a inserção externa da economia fazem com que as exportações também tenham grande importância. A participação do consumo das famílias nos GEE é semelhante àquela verificada em termos globais e em muitos países desenvolvidos (HERTWICH, 2001), e

reflete a participação deste item na demanda final. Já o aumento das emissões relacionadas às exportações brasileiras foi maior entre 1996 e 2003, período que comporta a desvalorização da moeda e aumento das quantidades exportadas. O efeito foi amplificado pelas vantagens comparativas em setores intensivos em GEE, e consequente concentração das exportações nestes setores comparativamente ao restante da economia, conforme haviam encontrado Young e Barbosa Filho (1998). Os resultados convergem com Lenzen et al (2013), que decompuseram o crescimento das emissões de CO2 do setor de energia e do desmatamento desde a década de 1970 até 2005. Segundo os autores:

Nós mostramos que as emissões brasileiras crescem principalmente em função dos aumentos no padrão de vida individual, nas exportações e no tamanho da população, e que esse crescimento não é compensado pelos avanços tecnológicos e estruturais rumo a menores intensidades de emissões e estruturas de produção mais eficientes. Como esta tendência deve continuar em meio à crescente pressão internacional sobre as economias-chave para reduzirem suas emissões, um descolamento entre os

‘drivers’ e as emissões é necessário para atender, simultaneamente, o

desenvolvimento e as metas ambientais78 (LENZEN et al, 2013: 815).

A limitação da escala de produção e consumo requer mudanças na própria lógica de funcionamento do sistema econômico. Por exemplo, através de uma macroeconomia ambiental capaz de lidar com o problema da geração de emprego, da desigualdade e de estimular inovações tecnológicas, sem, no entanto, fazer a economia crescer além dos limites impostos pela capacidade de carga do ecossistema (JACKSON, 2009; VICTOR, 2012, ROMEIRO, 2009). É claro, do ponto de vista político-normativo, a legitimação de políticas macroeconômicas que, em princípio, poderiam frustrar as expectativas de consumo dos mais pobres pressupõe o comprometimento moral com o altruísmo e a intenção de redução da desigualdade. Ademais, a percepção de que o crescimento econômico continuado pode resultar em mais malefícios que benefícios, e de que as condições materiais são suficientes, em tese facilitaria a aceitação das restrições ambientais que impliquem transferências de recursos internacionais e intertemporais (ROMEIRO, 2009).

Em geral, as propostas que envolvem reduzir as emissões pela variável afluência são pensadas para as economias desenvolvidas e admitem o descasamento entre o nível de renda per capita e o bem-estar social, seja em função das deseconomias de escala do crescimento, seja pela inferência de que a realização pessoal, ou a felicidade, a partir de certo nível de renda, podem estar mais relacionadas a questões como sentimento de pertencimento e

78

Tradução nossa de: “We show that Brazil’s emissions are growing mainly due to increasing individual standards of living, exports and population size, and that this growth is so far unchallenged by technological and structural improvements toward lower emissions intensities and more efficient production structures. As these trends are likely to continue amidst growing international pressure on key economies to reduce their carbon emissions, a decoupling of drivers from emissions is needed to simultaneously meet development and environmental goals” (LENZEN et al 2013: 815)

participação social, o tempo dedicado à família, ou a comparação do status interpessoal do que propriamente com o ganho financeiro (SCHOR, 1999; 2010; EASTERLIN. 1995; MAX- NEEF, 1995; 1991). Daí que uma redução autônoma da demanda de certos bens poderia diminuir a pressão ambiental do sistema econômico sem consequências tão negativas quanto presumidas pela igualdade direta entre a renda e o bem-estar79.

Já nos países em desenvolvimento é preciso que a sustentabilidade faça parte da própria estratégia de crescimento. Assim, que sejam evitadas, conforme o desejo social, as deseconomias de escala, a necessidade de gastos defensivos face à degradação ambiental, as escolhas intertemporais inconsistentes, ou a desigualdade extrema. Ou seja, que certo conjunto de liberdades alcance o máximo de pessoas, e que este conjunto inclua compromissos com a qualidade ambiental e com as gerações futuras.

No Brasil, Abramoway (2012) defendeu a avaliação ética da contribuição dada pela economia para uma sociedade melhor, em termos das liberdades substantivas, e da permanência e regeneração dos serviços ecossistêmicos essenciais. Quanto às políticas públicas, deveriam favorecer a emergência de organizações sociais mais adequadas aos desafios atuais. Por exemplo, o consumo compartilhado de automóveis, possibilitado pela economia da informação em rede.

Com efeito, se a trajetória tendencial de crescimento é incompatível com os esforços exigidos do Brasil contra a elevação da temperatura global, o consumo das famílias cumpre papel decisivo para a diminuição das emissões, seja porque tem maior participação no produto líquido, e assim induz a maior parte da produção, seja porque foi, entre 2002 e 2009, o componente da demanda final que mais gerou novos lançamentos de GEE.

Quanto ao consumo das famílias foi observado que o crescimento da renda diminui a participação dos alimentos no consumo e diversifica a cesta de bens adquiridos pelas famílias. Daí que o efeito composição foi negativo em todas as faixas de renda domiciliar. A mesma evidência levou Lenzen et al (2013) a concluírem que

Uma mudança na combinação dos produtos demandados das indústrias brasileiras é parcialmente determinada pela performance das exportações em mercados-chave de

commodities globais, como a carne, a soja, o ferro e o aço, mas, em maior medida

79

A literatura a respeito é controversa, já que a diferenciação do status social pelo consumo pode ter raízes evolutivas (MILLER, 2012; ALCOTT, 2008; 2004), porque deve haver efeito bumerangue do consumo entre os países – a redução da demanda em um país diminui os preços e viabiliza o aumento do consumo em outros países (ALCOTT, 2008) - ou pela fragilidade empírica das pesquisas acerca da felicidade e bem-estar subjetivo (SKIDESLKY & SKIDELSKY, 2012). Não obstante, a deficiência do PIB per capita como medida do bem-estar e a importância da avaliação conjunta de outros indicadores (SEN; STIGLITZ; FITOUSSI, 2009) é um resultado pouco contestado, embora, ainda pouco praticado.

pelas preferências de consumo da população. O aumento do bem-estar individual da população brasileira, especialmente entre 1980 e 2000, levou a um deslocamento das preferências dos bens duráveis como eletrodomésticos e automóveis para uma maior proporção de serviços menos intensivos em emissões (Cohen et al. 2005; Lenzen et al. 2006), e o efeito composição da demanda é o mais forte ‘freio’ das emissões em - 372 MtCO2 em todo o período. No curto a médio prazo, segmentos ainda maiores da

população irão alcançar níveis altos de afluência, demandando parcelas crescentes de bens e serviços de alto valor, como educação, serviços de atenção à saúde, e atividades de turismo doméstico e internacional. Assim, há provavelmente pouca necessidade de o governo buscar alterações nas cestas de consumo dos seus cidadãos80 (LENZEN et al, 2013: 822).

Embora a diversificação do consumo seja importante para a redução das emissões, o resultado mais geral é de que o efeito escala superou a soma dos efeitos composição e tecnológico. No curto e médio prazo são fundamentais os limites ao crescimento da escala de produção e consumo dos bens mais intensivos em GEE. A partir daí o avanço tecnológico gera novas possibilidades aos produtores e consumidores. A fixação destes limites pode implicar medidas direcionadas a alterar as cestas de consumo. A rigor, tais medidas são visivelmente necessárias. O fato é conhecido dos autores comentados,

Em conjunto, nossos resultados demonstram que, no futuro, poderá haver a necessidade de ações e políticas do governo direcionadas a compensar o forte crescimento das emissões decorrente do crescimento dos níveis de afluência individual. Entre as seis possíveis áreas de intervenção política, há experiência prática apenas para medidas tecnológicas (termo de intensidade de emissões de); políticas voltadas a influenciar a demanda do consumidor e o crescimento populacional são em grande medida inéditas, e nunca testadas no Brasil. Curiosamente, as taxas de crescimento populacional no Brasil estão diminuindo rapidamente, reduzindo a importância do crescimento da população para as futuras emissões do país. Se as fontes de energia renováveis e de eficiência energética podem ser eficazes o suficiente para alcançar reduções significativas de emissões em uma sociedade cada vez mais afluente é duvidoso (TRAINER, 1997, 2010). Lidar com a demanda do consumidor, portanto, vai ser o desafio mais difícil para limitar as emissões futuras81 (LENZEN et al, 2013: 823).

Quanto às emissões domiciliares, nos dois subperíodos analisados os setores relacionados à produção de alimentos continuaram sendo determinantes do nível de emissões

80

Tradução nossa de: A change in the mix of products demanded from Brazil’s industries (du term) is partly determined by Brazil’s export performance in key global commodity markets such as beef, soybeans, iron ore and steel, but to a larger extent by the consumption preferences of its population. The increase of the individual wealth of the Brazilian population, especially between1980 and 2000, has led to a shift in preferences from durable goods such as appliances and automobiles towards a greater proportion of less emissions-intensive services (Cohen et al. 2005; Lenzen et al. 2006), and the demand composition effect is the strongest of Brazil’s emissions decelerators at−372 MtCO2 over the entire period

(SIS6,Tab.S6.7.1).In the short to medium terms, even larger segments of the population will attain high levels of affluence, demanding increasing shares of higher–value goods and services such as education, health care services, and in domestic and international tourism activities. Hence, there is probably little need for government to focus on altering its citizens’

consumption bundles. (LENZEN et al 2013: 822) 81

Tradução nossa de: Seen together, our results show that, in the future, there may be a need for government actions and policies aimed at offsetting the strong emissions growth to be expected mainly due to increasing levels of individual wealth. Amongst the six possible areas of policy intervention, practical experience exists only for technological measures (energy intensity term de); policies aimed at influencing consumer demand and population growth are largely unheard of, and completely untested in Brazil. Interestingly, population growth rates in Brazil are rapidly decreasing, reducing the importance of population growth for future emissions in the country. Whether renewable energy sources and energy efficiency alone can be effective enough to achieve significant emission reductions in an increasingly affluent society is doubtful (Trainer 1997, 2010). Tackling consumer demand will hence be the most daunting challenge for limiting future emissions.

entre os domicílios mais afluentes. Contudo, cederam espaço a outros setores, em especial aos

transportes, serviços prestados às famílias, setor de automóveis, caminhões e ônibus, e o refino do petróleo, que aumentaram bastante suas participações nos gastos daqueles

domicílios. Em todos estes setores, em 2009, os transportes responderam por boa parte dos requisitos de GEE, no caso dos automóveis, caminhões e ônibus, destacou-se ainda a

siderurgia, no refino de petróleo, além do próprio setor, a produção de petróleo e gás82.

O perfil de consumo por faixa de renda da POF 2009, reproduzido na seção 5.1, já apontava maior parcela de gastos com a aquisição de veículos e com a gasolina à medida que a renda aumentava, e ainda a diminuição do gasto em transportes coletivos. Isto é, os bens que direta ou indiretamente requerem mais combustíveis fósseis para sua produção aumentam suas parcelas nas despesas domiciliares à medida que a renda aumenta. O oposto é verificado para os gastos em alimentação.

O resultado se assemelha àquele de Montoya e Pasqual (2013). Estes autores construíram uma matriz híbrida de insumo-produto para 53 setores e avaliaram os requerimentos setoriais de energia e de CO2 por fonte de energia renovável versus não- renovável. Três tipos de requerimentos de insumos foram analisados, os diretos, que

representam o consumo de energia inicial na produção para satisfazer a demanda final, os

requerimentos indiretos, que refletem o maior consumo de energia nos fluxos de compras e

vendas dos setores para atender a demanda final, e finalmente os requerimentos induzidos,

que representam o consumo adicional de energia devido ao aumento da renda que induz o

aumento do consumo final das famílias (p. 9). Para os autores,

A avaliação dos impactos ambientais decorrentes do consumo de energia mostrou que as diversas atividades de produção, transformação e processamento que conformam o setor Indústria contribuem com quase 70% das emissões de gases “efeito-estufa” no país. Entretanto, pelo fato da composição das emissões mostrarem majoritariamente emissões induzidas, verificou-se que os gases que mais afetam o meio ambiente são emitidos de forma dispersa no sistema econômico pelo consumo adicional das famílias, principalmente, conforme mostram os multiplicadores de emissões, através dos serviços. Assim, fica evidente que os esforços na redução de emissões deverão não somente abranger os setores produtivos da indústria, mas principalmente as preferências e o comportamento do consumidor (MONTOYA & PASQUAL, 2014: p. 18).

Ao longo do processo de desenvolvimento, os serviços aumentam sua participação na demanda final. No longo-prazo, as causas mais gerais apontadas na literatura são: a tendência ao aumento da produtividade dos setores industriais face os setores de

82

A Tabela A.11 no anexo traz a participação percentual das emissões setoriais nas emissões totais incorporadas à produção de cada unidade de produto, por setor de cada atividade econômica.

serviços (BAUMOL, 1967) ou, ao menos, dos serviços “não industrializáveis” (KANDER, 2010; HENRIQUES & KANDER, 2010), e a trajetória tecnológica da economia (LORENTZ & SAVONA, 2008). Entretanto, por si só, o crescimento dos serviços não implica a desmaterialização, sequer a redução dos GEE, já que a produção de bens não recua em termos absolutos (KANDER, 2005), e que os serviços também requerem lançamentos intermediários de GEE (BUTNAR & LLOP, 2011; MONTOYA & PASQUAL, 2013).

A melhor distribuição de renda pode aumentar o nível de emissões agregado, dada a maior intensidade de GEE da cesta de bens das famílias menos afluentes. Esta possibilidade foi levantada inicialmente em Seroa da Mota (2002). O efeito distribuição calculado anteriormente teve este mesmo sentido, ou seja, isolada de outros efeitos, a maior participação relativa dos domicílios com menor renda no consumo total gerou efetivamente um aumento das emissões, 21 MtCO2eq no primeiro subperíodo, quando a participação no consumo dos domicílios mais pobres aumentou. Ante uma queda de 20 MtCO2eq no segundo subperíodo, quando os mais afluentes aumentaram sua participação no consumo, possivelmente em resposta à elevação no preço relativo dos serviços. A proporção do gasto em combustíveis fósseis, a rigor, em gasolina, veículos e transporte individual, aumenta com a elevação da renda. O mesmo acontece com o gasto nos serviços prestados às famílias.

Em resumo, conter o crescimento da escala de emissões pressupõe medidas que alterem as decisões de consumo das famílias. Os setores mais importantes são a alimentação, os transportes e os serviços prestados às famílias. Quanto ao ceticismo acerca da eficácia de políticas voltadas a alterar a preferência dos consumidores (LENZEN et al, 2013; ALCOTT, 2008), resta observar que o debate público pode levar a um posicionamento ético que implique em escolhas e objetivos sociais mais adequados à sustentabilidade ambiental. Não obstante, é improvável que o faça sem que outras medidas sejam tomadas. Neste sentido, é preciso mais do mesmo, mais impostos sobre os combustíveis fósseis ou sobre as emissões, cotas comercializáveis de GEE ou a certificação de produtos mais amigáveis ao meio ambiente. Algo que escapa às ações do governo brasileiro até aqui.

No que diz respeito à alimentação, é possível a redução dos GEE a depender das escolhas dietéticas das pessoas (IPCC, 2014). A preferência por alimentos locais diminui a necessidade de transportes e com isso pode diminuir a intensidade de emissões (BOUGHERARA et al, 2009), igualmente a substituição da carne bovina por outra fonte de

proteína animal (BOER et al, 2006). Evidentemente, os resultados variam entre os países e seus diferentes sistemas produtivos e condições de segurança alimentar de suas populações.

No Brasil e países que enfrentam a chamada transição nutricional, em que há declínio da desnutrição entre crianças e maior prevalência de sobrepeso e obesidade na população em geral, já são solicitadas políticas que favoreçam a alimentação mais saudável (COUTINHO et al, 2008). Vale notar que a normalidade antropométrica caiu de 1974/1975 a 2002/2003 de 74% para 47,4% entre os homens e de 53,4% para 42,7% entre as mulheres, devido ao aumento do sobrepeso e obesidade (BATISTA FILHO et al, 2008). Segundo o IBGE,

As prevalências de inadequação de ingestão de micronutrientes foram altas em todas as Grandes Regiões do País e refletem a baixa qualidade da dieta do brasileiro. Correções na dieta permitiriam atingir as recomendações para a maioria dos micronutrientes. Essas modificações incluem trocar alimentos muito calóricos e com baixo teor de nutrientes por frutas, verduras, leguminosas, leite, grãos integrais, oleaginosas, vísceras, peixes, todos eles produzidos no País. Em síntese, o consumo alimentar no Brasil é principalmente constituído de alimentos de alto teor energético e apresenta baixo teor de nutrientes, configurando uma dieta de risco para déficits em importantes nutrientes, obesidade e para muitas doenças crônicas não transmissíveis. (IBGE, 2011b:106)

Em tese, a revisão dos hábitos alimentares dos brasileiros pode ser combinada ao objetivo de redução das emissões de GEE. Para tanto, além de oferecer informação e outros incentivos, a discussão neste caso pode enveredar para a maior politização das decisões de consumo (HALKIER, 1999; PORTILHO et al, 2011). Há precedentes em outros países, segundo Giddens (2009: p. 129)

Na Holanda, por exemplo, instituiu-se um projeto no fim da década de 1990 para buscar alternativas à produção e ao consumo de carne. Seu pressuposto básico foi que, em 2040, novos alimentos proteicos deveriam substituir 40% do atual consumo de carne. [...] O projeto considerou como os gostos poderiam ser modificados para promover a aceitação de tais alimentos. E concluiu que seria possível produzir novos alimentos proteicos com 10-30 vezes mais eficiência do que a carne, medida essa eficiência em termos da redução das emissões, paralelamente à produção de um bônus para a saúde.

Quanto aos transportes, a literatura indica a necessidade de investimentos em infraestrutura, de planejamento urbano e a mudança de atitudes dos consumidores. O transporte de cargas é realizado principalmente através do modal rodoviário, que em 2009 foi responsável por 62% da carga transportada no país (ANTT, 2009). Neste setor, serão importantes os investimentos em transportes de baixo-carbono (ROVERE et al, 2013).

Nas cidades, é crescente o número de deslocamentos realizados via motorização individual (BARCZAK & DUARTE, 2012). Neste caso, são necessárias mudanças em favor

dos modais de transporte coletivo e transporte não motorizado. A frota de automóveis cresceu 164% entre 1998 e o mês de agosto de 2014, no mesmo período o número de motocicletas cresceu 580% (DENATRAN, 2014). O modelo de ocupação urbana também pode aumentar o número de deslocamentos e as distâncias percorridas e até inviabilizar os meios de transporte coletivo, em função da escala reduzida (BARCZAK & DUARTE, 2012). Nos EUA, o espalhamento urbano (urban sprawl), do qual resulta baixa densidade demográfica, gerou uma situação em que o custo-efetividade das medidas relativas ao planejamento urbano pode ser menor do aquele das mudanças para os combustíveis alternativos ao combustível fóssil (WRIGHT & FULTON, 2005). Na Inglaterra, os avanços tecnológicos nos transportes não impediram que o crescimento do número de km percorridos pelos cidadãos fizesse aumentar o