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* IV Hiperligações e Referências bibliográficas

IV. Hiperligações e referências bibliográficas

3. Prática e Gestão processual

3.1. Como notícia de crime

Antes de mais, não havendo outro processo quanto a esses factos, os novos factos acidentalmente conhecidos no âmbito de uma intercepção telefónica valem, desde logo, e sem mais, como notícia de crime (dando origem a um novo inquérito ou ao alargamento do âmbito de um já existente). Isto independentemente de poderem, numa segunda fase, valer como meio de prova nesse processo ou noutro (conhecimentos da investigação ou fortuitos). A sua relevância como “pistas de investigação”, mesmo não sendo a sua principal valência, sempre será a sua primeira função. Isto porquanto estaremos perante factos com relevância penal (qualificados abstractamente como crimes) que chegam ao conhecimento (próprio) de órgãos de polícia criminal, no exercício das suas funções e que, por tal, deverão ser por estes transmitidos ao Ministério Público no prazo de 10 dias (artigos 248.º e 242.º, n.º 1, alínea a), do C.P.P.).

Obviamente que, nos casos em que as escutas telefónicas possam valer como meio de prova (nesse processo ou noutro), a sua relevância como notícia de crime será obviamente diluída perante o papel preponderante que estas assumirão como meio de prova dos factos ora conhecidos.

Em primeiro lugar, a transmissão da notícia de crime ao M.P., tratando-se de um poder-dever dos O.P.C.92, não depende da intervenção do J.I.C..

Todavia, como, in casu, a notícia de crime é o resultado de escutas telefónicas autorizadas e realizadas num processo, entendemos que a mesma deverá ser feita ao magistrado do Ministério Público titular deste último processo. Considerando que a eficácia das escutas 91 A danosidade social das escutas telefónicas e a sua relevância como meio de prova levou a que Procuradoria Geral da República emitisse as seguintes circulares, que se encontram actualmente em vigor: Circular 7/92, de 27- 04-1992, Circular 1/94, de 21-07-1994 e Circular de 7/2002, de 03-06-2002 (esta última exortando os magistrados do M.P. para que zelem que as escutas sejam requeridas e realizadas em estrita conformidade com os preceitos legais), disponíveis on line no site http://www.ministeriopublico.pt/iframe/circulares [consultado em 23-04-2019] e a Circular 8/2000, não acessível on line.

92 Carlos Adérito Teixeira, “Escutas…”, ob. cit., página 273, refere que “…a detecção e tratamento das pistas de

investigação representam um “poder-dever” próprio dos OPC e não do J.I.C., atenta a remissão para o normativo do artigo 248.º do C.P.P….”, “ a questão que se coloca, assim, é se neste caso, tal dependerá da actuação do juiz ou, por outro lado, se podem os órgãos de policia criminal procederem ao seu imediato tratamento como noticia de crime?”. Entende este Autor que “…pode acontecer que a pista de investigação resultante da escuta seja imediatamente tratada e imediatamente remetida ao M.P., mesmo que em data anterior ao prazo “intermédio” de 15 dias em que é judicialmente sindicada a escuta, produzindo efeitos processuais desde aquele momento, mesmo que a escuta venha a ser interrompida, por não se tratar de suspeito-alvo ou outra qualquer razão, ou não chegar qualquer transcrição, o que não deixa de ser controverso e a demandar restrições a este nível”.

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5. Enquadramento jurídico, prática e gestão processual

estará dependente do seu desconhecimento pelos visados, sendo, por isso, essencial a sujeição do inquérito a segredo de justiça, entendemos que a obrigação de comunicação prevista no artigo 248.º, n.º 1, do C.P.P., cumprir-se-á com a comunicação destes factos (notícia do crime) ao magistrado do M.P. titular deste inquérito. Cabendo a este último, vinculado a estritos critérios de objectividade e legalidade, construir a estratégia investigatória e dar-lhe o tratamento que entender mais adequado, designadamente prosseguir, se possível93, com o inquérito quanto a estes factos (verificadas as situações previstas nos artigos

24.º e 25.º do C.P.P), proceder à separação de processos (artigo 30.º do C.P.P.) ou, por outro lado, verificada a inexistência de qualquer conexão, ordenar a extracção de certidão, a ser remetida aos serviços do Ministério Público junto do tribunal competente (artigos 19.º e 264.º do C.P.P.), e aí distribuída a fim de dar início a um novo inquérito. Isto sempre conjugado com a eventual utilização das conversas interceptadas como meio de prova (conhecimentos fortuitos ou da investigação).

Nos termos do disposto no artigo 188.º do C.P.P., os órgãos de polícia criminal que efectuam a intercepção e a gravação das conversações telefónicas, durante a mesma, lavram auto e relatório onde indicam as passagens relevantes para a descoberta da verdade, no qual sucintamente descrevem o seu conteúdo e a sua pertinência para a descoberta da verdade (artigo 188.º, n.º 1, do C.P.P.).

Após o início da intercepção telefónica e de 15 em 15 dias desde aí, os O.P.C. enviam ao magistrado do M.P. os respectivos suportes técnicos, auto e relatório (artigo 188.º, n.º 3, do C.P.P.), sendo que este último, no prazo de 48 horas94, leva tais elementos ao conhecimento

do Juiz de instrução (artigo 188.º, n.º 4, do C.P.P.).

93 Tratando-se de crime de natureza pública dá lugar, de imediato, à abertura de inquérito (artigo 262.º, n.º 2, do C.P.P.). Se se tratar de crime semipúblico ou particular, o Ministério Público carece legitimidade para, per si, prosseguir com o processo (artigos 49.º e 50.º do C.P.P) ou para dar início a inquérito (artigo 242.º, n.º 3, do C.P.P.). Contudo, se entender que o ofendido desconhece os factos que contra si foram cometidos, o M.P. deverá informar o ofendido da notícia do crime e do regime do direito de queixa e consequências processuais (artigo 247.º, n.ºs 1 e 2, do C.P.P.). Todavia, entendemos que, neste caso concreto, dever-se-á de ler “cum grano salis” o disposto no n.º 1 e n.º 2 do artigo 247.º do C.P.P., porquanto tal comunicação poderá revelar ao arguido a existência contra si de escuta telefónica. Dever-se-á, assim, ter o especial cuidado de, nestes casos, acautelar a eficácia de tal método de prova e a descoberta da verdade material. Podendo mesmo justificar-se que, nestes casos, o M.P. se abstenha de informar, de imediato, o ofendido da notícia de crime, pelo menos enquanto as escutas telefónicas durarem. Não se afigura que tal se mostrará excessivamente lesivo dos interesses dos ofendidos, considerando que o prazo de prescrição do direito de queixa apenas tem apenas início a partir do momento em que o ofendido tenha conhecimento dos factos e autores (artigo 115.º, n.º 1, do C.P.), isto, obviamente, sem prejuízo da prescrição do procedimento criminal, cujo prazo se inicia e corre independentemente do conhecimento do ofendido (artigo 118.º e 119.º do C.P.P.) e que importará acautelar.

94 A fixação deste prazo veio esclarecer o que se entendia, antes da alteração operada pela Lei 48/2007, de 29 de Agosto, por “imediatamente”. O prazo terá início assim que o expediente seja recebido na secretaria dos serviços do Ministério Público e caso termine num Domingo, passará para a segunda-feira, como decorre do disposto no artigo 138.º, n.º 2, do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, com a redacção dada pela Lei n.º 27/2019, de 28/03, ex vi artigo 104.º do C.P.P.. O que já não sucederá ao sábado, feriados que recaiam em segunda feira e no segundo dia de feriado no caso de feriados consecutivos, por nestes dias estarem organizados turnos para assegurar o serviço urgente previsto na lei (artigo 36.º da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto, na redacção dada pela Lei n.º 27/2019, de 28/03). Cabral, Santos, Vários, “Código de Processo Penal Comentado…”, ob. cit., página 736. Entende-se ainda que, apesar do legislador ter sido omisso, este prazo correrá em férias – vide Teixeira, Carlos Adérito, “Escutas Telefónicas…”, ob. cit., página 255. Vide, entre outros, acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 22-10-2014 (Proc. n.º 1/14.1ARLSB-A.L1-3; Relator: Nuno Ribeiro Coelho) e acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 10-10-2012 (Proc. n.º 288/11.1GDSTS-BA.P1; Relatora: Maria Leonor Esteves).

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5. Enquadramento jurídico, prática e gestão processual

A questão que se coloca é: se, neste intervalo de tempo (15 dias), tomarem conhecimentos de factos que não façam parte da factualidade constante do despacho de autorização das escutas e do qual não haja notícia, o que fazer? Os O.P.C. (1) dão, de imediato95, conhecimento ao

M.P. desse processo; (2) aguardam pelo término do prazo de 15 dias, enviando aí tal informação (sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 188.º do C.P.P.); ou cumprem o prazo de 10 dias, previsto no n.º 1 do artigo 248.º do C.P.P.?

Sem prejuízo de outras melhores opiniões, entendemos que, considerando que os prazos de 15 dias e o de 48 horas, previstos nos n.ºs 3 e 4 do artigo 188.º do C.P.P., têm de ser cumpridos96, a proposta apresentada por Cláudio Rodrigues97, no sentido de que se deve

comunicar a notícia do crime no prazo que, destes dois, terminar primeiro, afigura-se razoável. Posto isto, a ser o caso, entendemos que, no envio dos autos e relatórios das escutas, os O.P.C., perante conhecimentos não investigados, deverão destacar que foram interceptadas conversações das quais resulta a suspeita da prática de ilícitos criminais não constantes do despacho de autorização.

Perante essa informação, o M.P., “… além de confirmar a relevância probatória das passagens

seleccionados pelo O.P.C. e o seu interesse para os objectivos iniciais...”98, poderá/deverá(?) -

acautelando sempre o prazo de 48 horas imposto99 - aferir, com base nos critérios já

adiantados, se os mesmos se enquadram na categoria dos conhecimentos da investigação ou dos conhecimentos fortuitos (valoráveis) ou, não sendo o caso, se se limitarão a valer como notícia de crime, dando-lhe, consoante o caso, o tratamento adequado.

3.2. Conhecimentos da investigação

Caso entenda (à luz dos critérios supra descritos) que os factos ora conhecidos são ainda conhecimentos da investigação, o M.P., enquanto autoridade judiciária que dirige o inquérito (artigo 263.º, n.º 1, do C.P.P.), prosseguirá, tratando-se de crime público100, com o

procedimento criminal também quanto aos mesmos, isto sem necessidade de intervenção do J.I.C.101, a não ser que entenda requerer nova autorização de escutas telefónicas, tendo por 95 Valente, Monteiro Guedes, “Processo Penal”, ob. cit., página 600, entende que, no caso dos conhecimentos fortuitos, a comunicação deve ser imediata, não se aguardando pelo término do prazo dos 15 dias.

96 Sob pena de nulidade sanável e dependente de arguição – cfr. acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 1/2018, de 12-02.

97 Rodrigues, Cláudio, “Da valoração…”, ob. cit., páginas 220 e 221.

98 Pese embora a lei seja omissa, entende-se ser essa a finalidade da apresentação dos suportes técnicos ao M.P., que poderá ainda indicar outras passagens se as entender relevantes. No que diz respeito a este momento, destaca- se que, mesmo que o M.P. entenda que houve a violação das normas do artigo 187.º do C.P.P., sempre terá de as apresentar ao juiz de instrução (com tal ressalva), já que é o J.I.C. o competente para ordenar a sua destruição. Quanto muito, poderá ordenar, se for o caso, a imediata suspensão das escutas aos OPC. – cfr. Leite, André Lamas, “Entre Péricles e Sísifo…”, ob. cit., páginas 643 e 644.

99 A análise dos conhecimentos não investigados surgidos não poderá, contudo, colocar em causa a escuta em si e a sua validade e relevância para a prova dos factos indicados no despacho que a autorizou.

100 Sem prejuízo das restrições à sua legitimidade para promover o processo (artigo 49.º e 50.º do C.P.P.) e do supra referido na nota de rodapé n.º 93.

101 Apesar de não depender de despacho do J.I.C., afigura-se como uma boa prática processual o Ministério Público fazer constar da promoção que leva as escutas ao conhecimento do J.I.C. que o objecto do inquérito passa a assumir

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5. Enquadramento jurídico, prática e gestão processual

referência os novos factos e outros potenciais visados, mas isso já nos termos gerais, previstos no n.º 1 do artigo 187.º do C.P.P.

Para este efeito, entendemos que o M.P.102 deverá determinar que seja feita pesquisa, por

interveniente (suspeito/arguido/ofendido), nos serviços do M.P. junto do tribunal dessa comarca e dos respectivos juízos criminais, a fim de confirmar se os novos factos se encontram ou não já a ser investigados num outro inquérito ou processo-crime.

Caso se verifique que os factos ora conhecidos se encontram em investigação num outro processo e porque, tratando-se de conhecimentos da investigação, estaremos, em princípio, perante uma das situações do n.º 1 do artigo 24.º do C.P.P., haverá que se proceder à sua apensação/incorporação, nos termos do disposto no artigo 29.º, n.ºs 1 e 2, do C.P.P. e de acordo com os critérios do artigo 28.º do C.P.P., organizando-se um único processo, a não ser que se verifique a circunstância prevista no artigo 24.º, n.º 2, do C.P.P. Isto sem prejuízo de se optar por manter (ou no futuro vir a determinar) a separação dos processos, caso ocorra uma das circunstâncias previstas no artigo 30.º do C.P.P. O que pode ser determinado, desde logo, pelo Ministério Público, no inquérito, face à remissão do n.º 5 do artigo 264.º do C.P.P. para este artigo 30.º do C.P.P. 103

3.2. Conhecimentos fortuitos

Contudo, pode o M.P., perante o relatório apresentado pelos O.P.C., entender que se está perante conhecimentos fortuitos (e não da investigação), de acordo com os critérios supra enunciados.

Se for esse o caso, poderá o M.P. do processo de origem, desde logo, promover o seu aproveitamento como conhecimento fortuito, num outro processo já instaurado ou a instaurar104. O que será relevante, desde logo, para os efeitos do n.º 6 do artigo 188.º do

C.P.P., que impede a destruição dos suportes e relatórios que, apesar de estranhos ao objecto do processo, possam ser utilizados para efeitos do n.º 7 do artigo 187.º do C.P.P. (conhecimentos fortuitos e notícia de crime).105

contornos mais amplos do que o inicialmente descrito. Em primeiro lugar, torna mais claro, directo e transparente o caminho investigatório que o inquérito irá seguir, quer para o próprio magistrado do M.P., quer para os órgãos de polícia criminal que o assistem. Por outro lado, contextualiza o próprio J.I.C. quanto à postura assumida pelo M.P. perante esses conhecimentos não investigados, o que poderá ser relevante para efeitos do disposto no n.º 6 do artigo 188.º do C.P.P., quanto à destruição dos relatórios e suportes técnicos “manifestamente estranhos ao

processo”, sobre o qual nos debruçamos no Capítulo 2.3.2..

102 Antes ou mesmo já depois de apresentadas as escutas ao J.I.C., atento o curto prazo de 48 horas previsto no artigo 188.º, n.º 4, do C.P.P., já que – repetimos – em caso algum se pode colocar em causa a validade das escutas autorizadas.

103 Quanto ao aproveitamento dos conhecimentos da investigação em processo distinto, ver Capítulo 2.3.5. 104Quanto à valoração dos conhecimentos fortuitos no mesmo processo, ver também o Capítulo 2.3.5.

105 Precavendo-se, desde já, a prematuridade deste trabalho, atrevemo-nos a ensaiar que, nesta promoção, o M.P. poderá/deverá (?): descrever, em síntese, a (1) factualidade ora conhecida e fundada suspeita a sua prática, (2), se pelo menos um dos interveniente se mostra susceptível de vir a ser uma das pessoas elencadas no n.º 4 do artigo 187.º do C.P.P., tendo por referência estes novos factos. Haverá ainda de (3) qualificar juridicamente a conduta, identificando o tipo legal de crime e a que categoria de crimes de catálogo, mencionadas no n.º 1 do artigo 187.º do C.P.P. corresponde. Por fim, expor-se-á a (4) indispensabilidade das conversações interceptadas para a prova do

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5. Enquadramento jurídico, prática e gestão processual

Todavia, o envio oficioso106 (pelo juiz deste processo, a impulso ou não do M.P. titular) dos

suportes técnicos onde constam tais conversações (para outro processo ou para dar início a um novo inquérito) não é uma obrigação legal (mas tão só a abertura de inquérito quanto aos mesmos (artigo 262.º do C.P.P.), pelo que se considera que nada obsta a que se deixe tal apreciação para um momento mais oportuno e conveniente à investigação e/ou que se aguarde que o envio dos suportes técnicos venha a ser requerido pela autoridade judiciária competente do processo em que tais conhecimentos podem ser valorados.

Neste caso, extrai-se certidão para dar início a um outro inquérito (mera notícia de crime), deixando ao magistrado titular deste novo inquérito a iniciativa de requerer ou não o aproveitamento das intercepções telefónicas realizadas neste processo e no âmbito das quais se tomou conhecimento destes novos factos.

No que diz respeito à actuação das autoridades judiciárias, no processo de destino, aquando da recepção dos suportes técnicos, remetemo-nos para o exposto no capítulo 2.3.4, limitando- nos agora a ressalvar que o M.P.107 (ou a autoridade judiciária dominus da respectiva fase) que

tome conhecimento de que foram interceptadas, num outro processo, conversações telefónicas, com interesse probatório para o objecto do inquérito que dirige, deverá requerer ao juiz do processo de origem o envio dos elementos previstos no n.º 8 do artigo 187.º do C.P.P., verificados que estejam os pressupostos do n.º 7 do mesmo artigo. Para tal, será essencial que identifique os crimes que pretende com os mesmos provar, a qualidade que os intervenientes nessa conversação assumem ou podem assumir neste processo, bem como as diligências investigatórias já realizadas, respectivo resultado e a indispensabilidade de tais conversações para a prova dos mesmos108.

crime ora conhecido, ou seja, “o estado de necessidade investigatório”, a que Costa Andrade se refere. Caso exista um processo já instaurado, tal deverá ser feito tendo por referência o estado dessa investigação e as diligências investigatórias já realizadas, havendo que apurar junto do mesmo o seu estado.

Não havendo, ou não sendo conhecida a existência de processo em curso, caso se pretenda, desde logo, remeter os suportes técnicos e relatórios para processo a instaurar (com dupla função de notícia crime), entendemos que tal apreciação deverá ser perfunctória e abrangente, tendo por referência o tipo de crime em questão, as dificuldades conhecidas na sua investigação e a experiência quanto ao sucesso ou insucesso das demais diligências de investigação possíveis. Destacando-se, de forma sustentada e objectiva, um juízo quanto à futura indispensabilidade dessas conversações para prova dos factos em questão.

Perante a possibilidade de existir ou não um processo já em curso, afigura-se existirem duas possibilidades: ou o (1) Ministério/J.I.C. diligencia, previamente, por obter informação quanto à existência ou não de um processo já em curso (através da pesquisa por interveniente conhecido) e do seu estado (o que, caso se pretenda fazê-lo no prazo de 48 horas, nos parece impraticável) ou (2) opta por, atento o curto prazo de 48 horas, partir do pressuposto que tal processo não existe e formula um juízo perfunctório sobre a eventual indispensabilidade. Caso venha a ter provimento, com o envio dos suportes técnicos e demais elementos e com a abertura de inquérito correspondente, competirá ao magistrado do M.P., titular deste novo inquérito, fazer a referida pesquisa, de forma a verificar se existem ou não processos a correr contra os mesmos factos, como aliás, é boa prática em todo e qualquer inquérito. Havendo já inquérito em curso, este segundo inquérito (e assim os suportes técnicos já juntos) será incorporado no primeiro. É certo que, em termos precisos, a primeira hipótese afigurar-se como a mais minuciosa e precisa. Todavia, a bem da verdade, não se pode esquecer que podem advir de uma escuta telefónica números conhecimentos fortuitos, principalmente nos casos de criminalidade organizada e de elevada complexidade. Ora, a intercepção telefónica é já um método de prova extremamente formalista e com prazos muito curtos, pelo que tal exigência poderia deslocar a atenção do objecto do processo em que foram ordenadas, que (não se pode esquecer) é o cerne e o objectivo principal daquelas concretas escutas, para a valoração de conhecimentos laterais.

106 Vide Capítulo 2.3.4..

107 Como sucedeu na situação do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 22-10-2014 (Proc. n.º 174/12.8JACBR.C1; Relatora: Isabel Silva).

108 Milheiro, Tiago Caiado, “Comentário…”, páginas 763 e 764.

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5. Enquadramento jurídico, prática e gestão processual

Dessa forma, leva-se ao conhecimento do juiz do processo de origem todos os dados relevantes e já conhecidos, para que este possa, de forma circunstanciada e fundamentada, decidir em conformidade (artigo 187.º, n.ºs7 e 8, do C.P.P.).

IV. Hiperligações e referências bibliográficas

Hiperligações

Jurisprudência dispersa citada disponível on line em D.G.S.I., bastando clicar na hiperligação para que seja redireccionada para a página em questão. Todas consultadas em 19-04-2019. Referências bibliográficas

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