• Nenhum resultado encontrado

* IV Hiperligações e Referências bibliográficas

IV. Hiperligações e referências bibliográficas

3. Prática e gestão processual 1 Como notícia de crime

2.3. Diferentes regimes?

2.3.1. Crimes de catálogo ou não (?) A necessidade de acusação/condenação pelo crime fundamento, nos conhecimentos da investigação

Nos termos do disposto no artigo 187.º, n.º 7, do C.P.P., a primeira condição de admissibilidade da valoração dos conhecimentos fortuitos é que haja a fundada suspeita de que os factos daí decorrentes correspondam a crime do catálogo previsto no n.º 1 do artigo 187.º do C.P.P.39.

Atenta a clareza da lei, o legislador foi peremptório em tal exigência, nada havendo a acrescentar. Assente que os conhecimentos da investigação não estão sujeitos ao regime do n.º 7 do artigo 187.º do C.P.P., é aceite que os mesmos não têm de corresponder a crimes catalogares40. Todavia, tratando-se de crimes não catalogares, vozes surgiram no sentido de

relevância da distinção e da integração (numa ou noutra categoria) desses conhecimentos obtidos “por acaso” assenta na circunstância de lhes corresponderem distintos regimes normativos.”

38 Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 25-01-2017 (Proc. n.º 8095/08.2TAVNG.P1; Relator José Carreto) 39 Ora, já antes da entrada em vigor do n.º 7 do artigo 187.º do C.P.P. autores admitiam a valoração condicionada dos conhecimentos fortuitos, desde que os conhecimentos fortuitos correspondessem a crime de catálogo. Neste sentido, entre outros, Manuel Costa Andrade, “Sobre o regime processual…”, ob. cit., páginas 404 e 408, fazendo ainda depender da existência de um “estado de necessidade investigatório” e Silva, Germano Marques da, “Curso de

Processo Penal II”, 3.ª edição revista e actualizada, Lisboa, Editorial Verbo, 2003, página 225 (sem referência ao

estado de necessidade investigatório). Do lado oposto, Francisco Aguilar negava a possibilidade de valoração dos conhecimentos fortuitos, com base na reserva de lei (artigo 18.º, n.º 2, do C.R.P.), de que depende a restrição dos direitos, liberdades e garantias. Ao contrário dos conhecimentos da investigação, que tinham ainda cabimento na letra da lei no n.º 1 do artigo 187.º do C.P.P., na redacção vigente à data, a valoração dos conhecimentos fortuitos/restrição não se encontrava prevista em lei, não sendo, por isso, constitucionalmente admissível a restrição/intromissão a estes inerente. Todavia, com a introdução do n.º 7 do artigo 187.º do C.P.P., a valoração dos conhecimentos fortuitos passou a estar consagrada em lei, a “…tornando constitucionalmente legítima…” – vide Aguilar, Francisco, “Notas reflexivas…”, ob. cit., página 562.

40 Vide Andrade, Manuel Costa, “O regime dos “conhecimentos da investigação”…”, ob. cit., página 359, que nos diz

“no regime dos conhecimentos da investigação, um dado soa hoje consensual e pacífico: a admissibilidade da valoração dos conhecimentos “fortuitos”, latu sensu, para efeitos de prova de infracção conexa pertinente ao mesmo pedaço histórico de vida (historiches Lebenssanchverhalt)”, mesmo que ela não pertença ao catálogo.”

Também, neste sentido, vide Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 27/09/2011 (Proc. n.º 13/05.6GBSTB.E1;

VALORAÇÃO DO CONHECIMENTO DE FACTOS, NÃO INVESTIGADOS NO PROCESSO, OBTIDOS NO ÂMBITO DE UMA INTERCEPÇÃO TELEFÓNICA

5. Enquadramento jurídico, prática e gestão processual

apenas ser de admitir o valor probatório das conversações interceptadas nos casos em que haja a condenação ou pelo menos a acusação por um crime de catálogo. Tal condição surgiu associada ao receio de que a valoração de conhecimentos da investigação correspondentes a crimes não catalogares pudesse levar à utilização abusiva das escutas telefónicas, permitindo que, sob “o manto” de um crime de catálogo, se viesse a realizar escutas telefónicas apenas para investigar crimes não catalogares (fraude à lei)41. Contudo, Manuel Costa Andrade, não

levantando tal suspeita, coloca o problema, não na utilização abusiva deste regime, mas no princípio de que “…o catálogo deve estar presente em todos os momentos e lugares em que se

manifeste e actualize a danosidade social próprias das escutas telefónicas. Nomeadamente no momento da utilização e valoração”, sendo que “… não pode haver escutas telefónicas sem crime do catálogo, nem para além do crime do catálogo” 42 Terminando por exigir mesmo

a condenação pelo crime do catálogo, quando anteriormente se bastava com a acusação por este último.43

Por sua vez, Francisco Aguilar44destaca que a conexão que legitima a valoração dos

conhecimentos da investigação funda-se na existência de uma “unidade de investigação

processual”, sendo que apenas no momento da acusação é que se conseguirá aferir de tal

unidade, “uma vez que até então a matéria fáctica da acusação se encontrava em estado

bruto, apenas aí se depurando e cristalizando em definitivo”. Pelo que, com a quebra da

“unidade investigatória processual (decorrente do arquivamento do crime catalogar a que se encontra conexo), não se poderá qualificar os factos conhecidos como “conhecimentos da investigação”, mas sim como “conhecimentos fortuitos”.

Ora, sem prejuízo do mérito que se reconhece a tais posições, não se pode deixar de salientar as dificuldades que a exigência de acusação e de condenação pelo crime fundamento, ou seja, a “valoração condicionada”45 dos conhecimentos da investigação, consigo acarreta. Em Relator: Sérgio Corvacho), ao afirmar que “…Tem-se entendido que a valoração probatória dos conhecimentos de

investigação é livre, não estando condicionada à verificação dos mesmos requisitos que a dos conhecimentos fortuitos, mormente, reportar-se a crime do «catálogo».”

41 Quanto à invocação abusiva do crime de associação criminosa vide Leite, André Lamas, “O crime de organização

criminosa como salvo-conduto para “fraude à lei” em matéria de escutas telefónicas?”

42 Andrade, Manuel Costa, “O regime dos “conhecimentos da investigação”…”, ob. cit., páginas 372 e 373, respectivamente. Conclui, assim, este autor que “… realizada validamente uma escuta telefónica e nome da

investigação de um crime de catálogo, uma vez abandonada a investigação do crime do catálogo fica definitivamente vedada a possibilidade de valorar as escutas telefónicas para provar os crimes correspondentes aos conhecimentos da investigação, salvo se eles próprios forem também crimes de catálogo. E isto independentemente do momento – inquérito, acusação ou julgamento – em que se conclua pela insubsistência de razões para continuar a perseguir e a responsabilizar pelo crime do catálogo.” Fazendo depender apenas da dedução de acusação, vide

Albuquerque, Paulo Pinto, “Comentário do Código de Processo Penal, à luz da Constituição da República e da

Convenção Europeia dos Direitos do Homem”, 4.ª edição actualizada, Lisboa, Universidade Católica Editora, Abril

2011, páginas 527 a 528.

43 Andrade, Manuel Costa, “Sobre as proibições de prova em processo penal”, Coimbra editora, 1992, Coimbra, página 312, entendia, como exigência mínima, a acusação pelo crime do catálogo. Contudo, em 2013, na publicação

“O regime dos “conhecimentos da investigação”…”, ob. cit., página 376, considera mesmo que a condenação por

crime conexo não catalogar, apenas poderá ocorrer se, também nesse momento (na condenação), estiver a coberto do crime de catálogo, a que se encontra ligado.

44 Cfr. Aguilar, Francisco, “Notas Reflexivas”, ob. cit., página 567. Termina ainda concluindo que “... à mesma

exigência sempre se podendo chegar, alternativamente, através de uma incontornável exigência de fairness processual…”. Conclui, assim, que só com a acusação se pode proceder à destrinça entre conhecimentos da

investigação e fortuitos – Ibidem, página 578.

45 Palavras de Cláudio Rodrigues, “Valoração…”, ob. cit., página 50.

VALORAÇÃO DO CONHECIMENTO DE FACTOS, NÃO INVESTIGADOS NO PROCESSO, OBTIDOS NO ÂMBITO DE UMA INTERCEPÇÃO TELEFÓNICA

5. Enquadramento jurídico, prática e gestão processual

primeiro lugar, exclui logo os crimes que se encontrem em relação de alternatividade com o crime fundamento. Em segundo lugar, poderia ser destrutivo da investigação e do julgamento o facto de se ter de aguardar pela acusação (e, por maioria de razão, pela condenação) para proceder à qualificação dos conhecimentos acidentais como da investigação ou fortuitos, os quais seguem regimes distintos.46

Ademais, ressalva-se que, aquando do requerimento e autorização de escutas telefónicas, tem de haver a fundada suspeita da prática de um crime catalogar, sendo por referência a esse momento que se deve apreciar a verificação desse e dos demais requisitos de admissibilidade das escutas.

O facto de, posteriormente, não se reunirem indícios suficientes que permitam sustentar a decisão de acusação/condenação não torna as escutas inadmissíveis e, por tal, ilícitas 47.

Principalmente se se atentar que a admissibilidade das escutas telefónicas depende da conclusão de que esta “…diligência é indispensável para a descoberta da verdade ou que a

prova seria, de outra forma, impossível ou muito difícil de obter…”, conclusão que tem

subjacente, nesse momento, a ausência de indícios suficientes (artigo 283.º, n.º 2, do C.P.P.) da prática do crime fundamento, que permitissem a dedução de acusação, já que, se assim não fosse, as escutas não se mostrariam necessárias.

Face ao supra exposto, e embora não seja a corrente predominante, há quem48 entenda que é

por referência ao momento em que as escutas são autorizadas que se deverá aferir da admissibilidade das escutas e o seu enquadramento como conhecimentos da investigação e/ou fortuitos, por se conexionarem ou não com o “pedaço de vida” que se investiga e que, nesse momento, se delimita. Tendemos a acompanhar esta última perspectiva, na medida em que entender-se de outra forma seria fazer depender a valoração dos conhecimentos de investigação de um acontecimento incerto e imprevisível49, associado ao risco de insucesso

inerente a qualquer diligência investigatória ou prova a produzir em julgamento e das mudanças de rumo que o inquérito e julgamento podem sofrer.

46 Neste sentido, Conceição, Ana Raquel, “Escutas telefónicas – regime processual penal”, Lisboa, Quid iuris – sociedade editora, Lda., ano 2009, páginas 233 e 234, ao salientar os problemas inerentes a tal entendimento, principalmente nos casos dos inquéritos longos, como são os referentes à criminalidade organizada, onde as escutas se mostram mais necessárias. Destacando a perversidade de fazer depender a valoração dos conhecimentos da investigação da condenação pelo crime do catálogo, veja-se o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 25-01-2017 (Proc. n.º 8095/08.2TAVNG.P1; Relator José Carreto), ao defender que “….a prova emergente

da escuta telefónica, podia e devia ser usada no julgamento do arguido escutado, pois fora validamente obtida para crime de catalogo pelo qual estava a ser julgado e vindo a ser condenado pelo crime base, não pode ficcionar-se o não uso de tal meio de prova, depois do julgamento (com base no facto de ter caído/ não provado o crime de catalogo), como se a prova produzida em julgamento, na qual se incluem as escutas telefónicas, servissem apenas para condenar e não também para absolver ou para desqualificar o crime imputado (como foi o caso) e não se referisse ao mesmo pedaço de vida objecto do processo.”

47 Manuel Costa Andrade, in “O regime dos “conhecimentos da investigação”…”, ob. cit., página 370, entende que a exigência de condenação reporta-se não à admissibilidade da escuta inicialmente autorizada (proibição de produção), mas sim à sua valoração enquanto meio de prova de crime não catalogar. A não verificação deste requisito não torna a escuta ilícita, mas impede a sua valoração e inutilização como meio de prova, mesmo que licitamente obtida (proibição de valoração independente).

48 Neste sentido, vide Rodrigues, Cláudio, ob. cit., página 62, ao propugnar que “… o acto processual adequado para

apurar a conexão é o próprio acto que legitima directa e materialmente a escuta telefónica, isto é, o despacho de autorização da medida de intercepção das comunicações ou conversações telefónicas…”. Bem como Conceição, Ana

Raquel, “Escutas telefónicas (…)”, ob. cit., páginas 234 e 235 e 237. 49 Cfr. Rodrigues, Cláudio, “Valoração…”, ob. cit., página 57.

VALORAÇÃO DO CONHECIMENTO DE FACTOS, NÃO INVESTIGADOS NO PROCESSO, OBTIDOS NO ÂMBITO DE UMA INTERCEPÇÃO TELEFÓNICA

5. Enquadramento jurídico, prática e gestão processual

Ademais, e no que diz respeito aos receios manifestados quanto à eventual utilização abusiva do regime dos conhecimentos da investigação, urge destacar que quer o M.P.50, quer o J.I.C.

estão vinculados ao dever de procurar a verdade objectiva, sem perder de vista os direitos dos cidadãos, susceptíveis de serem lesados com as escutas. Ora, o receio invocado (utilização abusiva) parte do pressuposto de que o inquérito (e, assim, o Ministério Público que dirige esta fase) assume uma finalidade exclusivamente acusatória. O que não é acurado, porquanto, pese embora a malograda letra do artigo 262.º do C.P.P., o inquérito é norteado pela descoberta da verdade, com a recolha de provas que sustentem não só a decisão de acusar, mas também de arquivar.

Acresce que o receio de utilização abusiva pode ser sempre contido ao se demonstrar que, aquando da autorização das escutas telefónicas, não existiam suspeitas objectivas e fundadas quanto à prática daquele tipo legal de crime (crime-fundamento), e que tal método de investigação foi utilizado de forma fraudulenta51. A ser assim, estar-se-á perante uma

proibição de produção de prova, pelo que a prova daí resultante (e também as conversações donde surgiram os conhecimentos da investigação) será nula e proibida/ inutilizável, como decorre dos artigos 187.º, n.º 1, 190.º, 118.º, n.º 3, 126.º, n.º 3, todos do C.P.P., e 32.º, n.º 8, da C.R.P.

Posto isto, a verdade é que fazer depender a valoração dos conhecimentos de investigação, referentes a crimes não catalogares, de que venha a ser proferida acusação, ou mesmo condenação, pelo crime catalogar fundamento é ainda uma questão em aberto, sendo certo que, segundo nos parece, nos tribunais superiores tem vindo a ter um maior peso o entendimento que exige que, neste caso, seja proferido, pelo menos, despacho de acusação52.

50 O M.P. encontra-se constitucional e estatutariamente vinculado a critérios de objectividade (artigo 219.º da C.R.P. e artigo 2.º, n.º 2, do Estatuto do Ministério Público, aprovado pela Lei n.º 47/86, de 15 de Outubro, na redacção dada pela Lei n.º 114/2017, de 29/12) e o mesmo se diga quanto aos magistrados judiciais (artigo 202.º da C.R.P. e no Estatuto dos Magistrados Judiciais, aprovado pela Lei n.º 21/85, de 30 de Julho, com a redacção dada pela Lei n.º 114/2017, de 29/12).

51 Neste sentido, Cláudio Rodrigues, “Valoração…”, ob. cit., páginas 59 a 61.

52 No sentido de ser necessária a acusação por crime de catálogo relativamente ao qual a conexão se verifique, vide: Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 18-06-201 (Proc. n.º 35/08.5JAPRT.P1; Relatora: Maria Dolores Silva e Sousa) e Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 12-07-2017 (Proc. n.º 731/09.0GBMTS.P1; Relator: Neto de Moura), já citado. No sentido da desnecessidade da acusação pelo crime investigado, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 19-02-2014 (Proc. n.º 1048/08.2TAVFR.P4; Relator: Élia São Pedro), ressalvando que, pese embora este não diga respeito às intercepções telefónicas por se tratar da quebra do segredo bancário, ao estar também sujeito ao elenco dos crimes previstos no artigo 1.º, n.º 3, da Lei 5/2002, de 11 de Janeiro, é por identidade de razão também válido para os conhecimentos da investigação resultantes de intercepção telefónica. Neste caso,

“O arguido nem sequer foi acusado do crime de associação criminosa e nenhum dos crimes por que foi acusado consta do catálogo, isto é, faz parte dos crimes relativamente aos quais é aplicável a Lei 5/2002 .(…) Entendemos ainda que, mesmo que não chegue a haver acusação pelo crime de associação criminosa, os conhecimentos de investigação devem ser relevantes para a prova dos crimes objecto da actividade prosseguida, sem prejuízo de o arguido poder demonstrar que a invocação da figura da associação criminosa foi usada exclusivamente para permitir o uso de um meio de obtenção de prova que, à partida, se sabia não poder ser utilizado. Nestas condições, isto é, feita tal demonstração, a prova assim obtida deve considerar-se prova proibida, com todas as legais consequências, por falta da adequada necessidade do meio usado.” (sublinhado nosso).

VALORAÇÃO DO CONHECIMENTO DE FACTOS, NÃO INVESTIGADOS NO PROCESSO, OBTIDOS NO ÂMBITO DE UMA INTERCEPÇÃO TELEFÓNICA

5. Enquadramento jurídico, prática e gestão processual

Documentos relacionados