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* IV Hiperligações e Referências bibliográficas

IV. Hiperligações e referências bibliográficas

3. Prática e gestão processual 1 Como notícia de crime

1.3. Proibição de valoração (independente) dos conhecimentos não investigados, fora das condições em que são admissíveis

Sandra Oliveira e Silva afirma que “…é usual noutros quadrantes jurídicos subdividir o iter

probatorium em três momentos essenciais: a saber: a admissibilidade da actividade probatória, a produção ou realização da prova e a valoração dos resultados obtidos”19 (sublinhado nosso).

No presente, a questão não se situará na licitude da escuta (normas de admissibilidade e de produção de prova), mas sim no aproveitamento/utilização, como meio de prova, dos conhecimentos que acidentalmente advieram de escuta lícita, quer os conhecimentos da investigação, quer os conhecimentos fortuitos, cujo aproveitamento o legislador sujeitou à verificação dos requisitos previstos no n.º 7 do artigo 187.º do C.P.P. Partiremos, assim, do princípio de que as escutas telefónicas foram validamente autorizadas e realizadas, na medida em que foram preenchidos os requisitos de admissibilidade, que as legitimam (artigo 187.º, n.º 1, do C.P.P.) e cumpridas as formalidades consagradas na lei (quer no artigo 187.º, quer no 188.º do C.P.P.).

Afastar-nos-emos, assim, da discussão sobre o “efeito à distância” (Fernuwirkung) da prova proibida (teoria dos frutos da árvore envenenada), vistos tais conhecimentos como “resultado

indirecto de um meio, método ou tema de prova ilegal”, consagrado no artigo 122.º, n.º 1, do

C.P.P.20, centrando atenções no terceiro momento acima identificado por Sandra Oliveira

Silva, mais concretamente na valoração (ou não) das conversações telefónicas, validamente interceptadas, como prova de conhecimentos/factos que não eram por esta visados, pelo menos inicial e expressamente. Dando especial relevância ao disposto no n.º 7 do artigo 187.º do C.P.P., que aí enuncia os requisitos de admissibilidade do aproveitamento dos conhecimentos fortuitos, destacamos que a utilização dos conhecimentos não investigados fora das situações em que são admissíveis consubstanciará uma proibição de valoração independente, que André Lamas Leite define como sendo “…aquelas em que não existe

proibição de produção, mas somente de valoração.21” Paulo Sousa Mendes destaca também

que “… os chamados conhecimentos fortuitos só podem ser valorados (…) se porventura

couberem na classe dos crimes de catálogo (artigo 187.º, n.º 7). Caso contrário, trata-se de 19 Silva, Sandra Oliveira e, “A legalidade da prova e provas proibidas, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal”, ano 21, n.º 4, Outubro-Dezembro de 2011, Coimbra Editora, página 548.

20 Isabel Alexandre, apud Valente, Manuel Monteiro Guedes, “Processo Penal”, Coimbra, Edições Almedina, Março de 2009, página 557.

21 Leite, André Lamas, “O crime de organização criminosa…”, ob. cit., página 2. Quanto à distinção entre proibições de produção de prova e proibições de valoração e a relação entre ambas vide Mendes, Paulo Sousa, “Lições de

direito processual penal”, reimpressão 2014, Coimbra, Almedina, 2013, páginas 182 a 186. Como destaca este autor,

a regra é a uma proibição de produção de prova seguir-se uma proibição de valoração da mesma, que sanciona o recurso a prova proibida. Contudo, casos existem em que à proibição de prova não corresponde uma proibição de valoração prova e casos, como aqui sucede, em que uma proibição de valoração não é precedida de proibição de produção de prova. Também neste sentido Rodrigues, Cláudio, “A valoração…”, ob. cit., página 201, “… trata-se de

uma proibição de valoração independente que emerge da função da tutela dos direitos fundamentais à invalidade das telecomunicações (artigo 34.º, n.º 4, da C.R.P.), do direito à reserva da vida privada e do direito à palavra falada (artigo 26.º, n.º 1, da C.R.P.) ” e Andrade, Manuel Costa, “Escutas telefónicas, Conhecimentos fortuitos e Primeiro- ministro, in Homenagem de Viseu a Jorge de Figueiredo Dias”, 2.ª edição, Coimbra, Wolters Kluwer Portugal,

Coimbra Editora, Maio de 2011, página 39.

VALORAÇÃO DO CONHECIMENTO DE FACTOS, NÃO INVESTIGADOS NO PROCESSO, OBTIDOS NO ÂMBITO DE UMA INTERCEPÇÃO TELEFÓNICA

5. Enquadramento jurídico, prática e gestão processual

uma proibição de valoração que não depende de qualquer vício na anterior produção da prova.”22.

À luz do regime das nulidades das escutas telefónicas (artigo 190.º do C.P.P.), que coexistem23

com as proibições de prova (artigo 118.º, n.º 3, do C.P.P.), a não verificação do disposto no n.º 7 do artigo 187.º do C.P.P. corresponde a uma nulidade extra-sistemática24, com um regime

sui generis, nos termos conjugados dos artigos 126.º, n.º 3, do C.P.P. e 32.º, n.º 8, da C.R.P., que pode ser conhecida oficiosamente em qualquer fase do processo, em sede de recurso ordinário (artigo 410.º, n.º 3, do C.P.P.) e mesmo em sede de recurso extraordinário de revisão (artigo 449.º, n.º 1, alínea e), do C.P.P.), não se sanando com o trânsito em julgado, como sucede mesmo com as nulidades insanáveis previstas no artigo 119.º do C.P.P.

Por outro lado, a violação do n.º 8 do artigo 187.º do C.P.P., no que se reporta à forma de transportar para o outro processo os suportes técnicos das gravações, apresenta-se como uma mera regra de produção de prova, pelo que entendemos que a sua violação corresponderá a uma nulidade sanável e dependente de arguição, como resulta do artigo 190.º do C.P.P., lido em conjugação com os artigos 118.º, n.º 1, 120.º e 121.º, todos do C.P.P.

2. Os conhecimentos não investigados

Os conhecimentos que surgem “por acaso” 25 (conhecimentos fortuitos latu sensu) podem ser

divididos em duas categorias, consoante a sua conexão e proximidade com os factos investigados, o que nos leva à dicotomia “conhecimentos da investigação” V.S. “conhecimentos fortuitos” (stricto sensu), sobre a qual nos debruçaremos, de seguida, começando pela delimitação dos primeiros, na medida em que, delimitados os seus contornos, se chegará, pela negativa, aos segundos.

22 Mendes, Paulo Sousa, “Lições de direito…”, ob. cit., página 184.

23 Ressalva-se ainda que face à cominação da violação das condições e requisitos previstos nos artigos 187.º, 188.º e 189.º do C.P.P., plasmada no artigo 190.º do C.P.P., questionou-se se toda e qualquer violação destas disposições legais corresponderia a prova proibida e, assim, inutilizável. Fátima Mata Mouros colocou a questão da seguinte forma: “o grande problema residia – e, pelos vistos, continuará a residir – na distinção, de entre as regras descritas

na lei como “formalidades das operações”, as que constituem efectivamente meras formalidades, daqueles que traduzem a concretização dos parâmetros constitucionais de tolerância na realização de uma escuta.”- Mata

Mouros, Fátima, “Escutas telefónicas – o que não muda com a reforma”, In Revista do CEJ. - [Lisboa], 2004-. - ISSN 1645-829X. - N.º 9 (1.º semestre 2008), página 231.

Secundamos, a posição de Francisco Aguilar, “Notas reflexivas…”, ob. cit., páginas 573 e 574, no sentido de que não se pode interpretar o artigo 190.º do C.P.P., no sentido de que toda e qualquer inobservância dessas normas legais acarreta uma proibição de prova. Como este afirma “… impõem-se (…) a adopção de uma interpretação restritiva do

artigo 190.º do Código de Processo Penal, devendo, por conseguinte, o postergar das ditas meras formalidades conduzir a uma consequência jurídica processualmente menos gravosa do que a da nulidade suis generis da proibição de prova, bem podendo, recorrendo aos termos da hermenêutica tradicional, concluir-se mesmo pela inexistência de “lacuna oculta”, não obstante a dita restrição, atendendo ao caracter residual da irregularidade prevista no artigo 118.º, n.º 2, do Código de processo penal, sempre que, naturalmente, uma outra nulidade intermédia não esteja especialmente prevista.”

24 Mendes, Paulo Sousa, “Lições de direito…”, ob. cit., páginas 187 a 190 e Aguilar, Francisco, “Notas reflexivas…”, ob. cit., página 572.

25 O surgimento acidental de conhecimentos não é exclusivo das escutas telefónicas, podendo ocorrer ainda aquando do recurso a outros métodos de obtenção de prova, como buscas e apreensões. Todavia, em regra, tais métodos de obtenção de prova não estão associados a um catálogo de crimes, não se levantando, por isso, problemas de maior – Cfr. Andrade, Manuel Costa, “Sobre o regime processual…”, ob. cit., página 375.

VALORAÇÃO DO CONHECIMENTO DE FACTOS, NÃO INVESTIGADOS NO PROCESSO, OBTIDOS NO ÂMBITO DE UMA INTERCEPÇÃO TELEFÓNICA

5. Enquadramento jurídico, prática e gestão processual

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