• Nenhum resultado encontrado

* IV Hiperligações e Referências bibliográficas

IV. Hiperligações e referências bibliográficas

3. Da utilização das conversações como meio de prova

As condições em que se realizam as interceções telefónicas favorecem “ocorrências fortuitas”, tanto mais que, na atualidade o grau de complexidade atingido pelo fluxo de comunicações aumentou extraordinariamente28. Nas palavras de FARIA COSTA, a comunicação à distância 24 Processo n.º 7/10.0TELSB.L1.S1, Relator: Armindo Monteiro, acessível em www.dgsi.pt.

25 MIRANDA, Raquel Andrade Alves, “Da valoração dos conhecimentos fortuitos obtidos no âmbito da busca domiciliária”, Universidade Católica Portuguesa, 2015, página 11.

26 LEITE, André Lamas, “As escutas telefónicas – Algumas reflexões em redor do seu regime e das consequências processuais derivadas da respectiva violação”, in Revista da Faculdade de Direito do Porto, Ano I, 2004, página 38. 27 ANDRADE, Costa, Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal, Coimbra, 1992, página 306.

28 NETO, Orlando Faccini, “Encontros fortuitos nas escutas telefônicas: notas sobre o acaso, os limites do direito...”, Revista do Ministério Público do RS, Porto Alegre, n.º 78, set. 2015 – dez. 2015, página 136.

VALORAÇÃO DO CONHECIMENTO DE FACTOS, NÃO INVESTIGADOS NO PROCESSO, OBTIDOS NO ÂMBITO DE UMA INTERCEPÇÃO TELEFÓNICA

4. Enquadramento jurídico, prática e gestão processual

atingiu uma escala “de cujos mecanismos fundamentais ainda não nos apercebemos”, pois “o

espaço e o tempo comprimiram-se, tornando-se absolutamente comezinho alguém comunicar do cimo da Serra da Gardunha com uma pessoa que se passeie calmamente debaixo das bétulas da floresta russa ou olhe embevecido o rico traçado de um templo em Katmandu”29.

Importa porém, antes de tudo, ter como premissa a licitude da determinação da intercetação telefónica de que derivou o conhecimento fortuito, pois sem essa pressuposição, tudo o mais estaria comprometido.

O n.º 7, do artigo 187.º, do Código de Processo Penal, dispõe que, sem prejuízo do disposto no artigo 248.º daquele diploma, relativo à comunicação da notícia do crime, e inserido no capítulo II das Medidas Cautelares e de Polícia, a gravação de conversações ou comunicações só pode ser utilizada em outro processo, em curso ou a instaurar, se tiver resultado de interceção de meio de comunicação utilizado por pessoa referida no n.º 4 e na medida em que for indispensável à prova de crime previsto no n.º 1.

Efetivamente, após a alteração constante da já referida Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, o legislador concretizou os dois requisitos essenciais para que a gravação de conversações ou comunicações, possa ser utilizada como meio de prova num outro processo criminal em curso, ou a instaurar. Os mesmos devem ser resultado de interceção de meio de comunicação de uma das pessoas que no processo onde a escuta se efetua assume o papel de suspeito, arguido, de intermediário, nas condições a que se reporta o n.º 4, alínea b) do artigo 187.º, bem como a vítima, caso tenha prestado o seu consentimento e, ainda que, no processo para o qual são transportadas as gravações, as mesmas sejam indispensáveis para a prova de um crime de catálogo.

Daqui resulta que tanto se poderá estar diante de um denominado conhecimento de investigação, como seja o surgimento de elementos contra o arguido ou suspeito, por crime conexo ou em desenvolvimento daquele que determinou a interceção, como diante de um verdadeiro conhecimento fortuito, por exemplo, a indicação relativa a um crime do catálogo, mas que nada tenha a ver com o que determinou aquela, praticado por um intermediário ou terceiro que tenha mantido conversas com o alvo do meio de prova30.

A ressalva inicial do n.º 7 do citado preceito estabelece a remessa, de todo e qualquer conhecimento fortuito para a disciplina ínsita no artigo 248.º do Código de Processo Penal, ou seja, a necessidade de comunicação da notícia do crime ao Ministério Público, o que habilitará o início da perseguição criminal e a eventual tomada de uma série de medidas cautelares. É manifesto que nas interceções telefónicas não se pode isolar apenas e unicamente as falas, frases e comunicações daquele tido como sujeito alvo da mesma, daí que seja manifesta a importância da solução que se aponte à proibição ou à valoração dos conhecimentos fortuitos delas advenientes.

29 COSTA, José Francisco de Faria, “Direito penal da comunicação: alguns escritos”, Coimbra: Coimbra Editora, 1998, página 153.

30 NETO, Orlando Faccini, obra citada, página 142.

VALORAÇÃO DO CONHECIMENTO DE FACTOS, NÃO INVESTIGADOS NO PROCESSO, OBTIDOS NO ÂMBITO DE UMA INTERCEPÇÃO TELEFÓNICA

4. Enquadramento jurídico, prática e gestão processual

Atento o quadro legal, e se o conhecimento fortuito é, em todo o caso, usado como notícia do crime, dando início à perseguição penal, sendo este o corolário ainda que não se tratem de crimes do catálogo, constantes do n.º 1 do artigo 187.º, no campo da valoração da prova a questão ficou por responder.

Cumprirá esclarecer se os conhecimentos fortuitos provenientes de medidas processuais penais apenas podem ser utilizados em relação aos crimes para os quais a mesma medida processual fosse aplicável, se lhes é dado o efeito de “pista para posteriores investigações,” ou de notícia do crime, como indicado na lei31, sendo certo que esta não comporta toda a

variabilidade de situações que, desta temática, são decorrentes.

Não há que perder de vista o reconhecimento das legítimas expectativas dos indivíduos no sentido de que, quando utilizam o telefone, exercem o direito à autodeterminação informacional, que se concretizaria numa “exigência de que aquela comunicação seja

fechada”, de modo a esperar-se “que o Estado tudo faça para que se mantenha fechada”32.

O artigo 188.º, n.º 6, do Código de Processo Penal estabelece o destino a ser dado aos conhecimentos fortuitos que não sinalizem crimes, e também em relação aos conhecimentos que abranjam matérias cobertas pelo segredo profissional, de funcionário ou de Estado (alínea b), ou cuja divulgação possa afetar gravemente direitos, liberdades e garantias, determinando a destruição imediata dos suportes técnicos e relatórios manifestamente estranhos ao processo. Fá-lo, todavia, com a ressalva expressa do já referido artigo 187.º, n.º 7, ou seja, de que aqueles suportes e relatórios que em si podem ser desde logo usados como prova em outro processo, em curso ou a instaurar, presentes os requisitos legais, e aqueles que servirão como inicial notícia do crime.

De salientar ainda que, em relação aos conhecimentos fortuitos, assim como nos conhecimentos de investigação, é contra a lógica que as circunstâncias da sua recolha venham a depender de prévia autorização judicial, uma vez que, pela sua própria natureza, as conversas, como é óbvio, não podem ser antecipadas ou previstas. Assim, a legalidade da sua produção não depende de uma impossível autorização, mas, somente, da legalidade da escuta originária que permitiu alcançar aqueles conhecimentos. Noutras palavras: os problemas da validade dos conhecimentos fortuitos confundem-se com os mesmos problemas que possam vir a macular as provas produzidas com as interceções que os originaram33.

O artigo 187.º do Código de Processo Penal impõe, para além dos princípios da necessidade desse meio de prova (indispensabilidade para a prova), da autorização judicial (reserva judicial), a obtenibilidade da escuta telefónica (válida como prova ou com relevância probatória) e a sujeição ao princípio da especialidade, ou seja só pode ser autorizada a escuta 31 Cf. ANDRADE, Manuel da Costa, “Bruscamente no verão passado”, a reforma do Código de Processo Penal: observações críticas sobre uma lei que podia e devia ter sido diferente. Coimbra: Coimbra editora, 2009, páginas 173-4.

32 COSTA, José Francisco de Faria, “Direito penal da comunicação: alguns escritos”, Coimbra Editora, 1998, página 157.

33 Neste sentido SALGADO, Daniel de Resende; QUEIROZ, Ronaldo Pinheiro (Org.). A prova no enfrentamento da macrocriminalidade. 2.ª ed. Salvador: Juspodivm, 2016, páginas 400-401.

VALORAÇÃO DO CONHECIMENTO DE FACTOS, NÃO INVESTIGADOS NO PROCESSO, OBTIDOS NO ÂMBITO DE UMA INTERCEPÇÃO TELEFÓNICA

4. Enquadramento jurídico, prática e gestão processual

telefónica quando está em causa a investigação (em inquérito) por crimes especialmente previstos naquela norma (esses e só esses: os chamados crimes de catálogo).

Documentos relacionados