• Nenhum resultado encontrado

VII EMENDA

3. O TRIBUNAL DO JÚRI NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE

3.5 A COMPETÊNCIA PARA JULGAMENTO DOS CRIMES DOLOSOS CONTRA A VIDA

O Tribunal do Júri, com competência para processar e julgar os crimes dolosos contra a vida, tentados ou consumados, tem o seu conteúdo mínimo definido pela Constituição Federal de 1988. Houve época, todavia, em que outros crimes, diversos dos dolosos contra a vida, eram textualmente postos à apreciação do tribunal popular, a exemplo dos delitos de opinião ou de imprensa.

Nesse contexto, a Constituição da República, em seu art. 5º, inciso XXXVIII, l e “ ”, e bele e q e em o T b l o Jú ompe p o lg me o o crimes contra a vida, em sua modalidade dolosa. Desse modo, em consonância com a Lei Fundamental, o art. 74, §1º, do Código de Processo Penal, cuida de fixar a competência da corte popular. E o faz estabelecendo que apenas por conexão ou continência a crimes dolosos contra a vida outros delitos podem ser submetidos a julgamento pelo Júri, como se percebe da leitura do art. 78, inciso I, do CPP142.

Advirta-se que, mesmo sendo a infração conexa de menor potencial ofensivo, será esta atraída ao procedimento escalonado do tribunal popular; assegurando-se, nesse caso, a incidência dos institutos despenalizadores previstos na Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995143, como se observa do disposto no art. 60, parágrafo único, da referida lei, com redação advinda da Lei nº 11.313/2006144.

Em tempos pretéritos, insurgia-se Magarinos Torres contra a falta de orientação científica para o estabelecimento da competência do Tribunal do Júri, registrando, nesse pórtico:

[…] I ohe e e p o e em o J y me e pe l e insignificante ou nenhuma expressão social, como o de ameaça de algum mal a corporações, (pena maxima de quatro mezes, Consolid. Leis Penaes, art. 184 paragrapho único), e ao mesmo tempo, sonegarem-lhe o mais grave e o mais reprovado dos crimes, que é o

142

BRASIL. Código de Processo Penal e Constituição Federal. 54.ed. São Paulo: Saraiva. 2014.

143

BRASIL, Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995. Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências. [Brasília: s.n.], 26 set. 1995a. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9099.htm>. Acesso em: 20 maio. 2015.

144

BRASIL. Lei nº 11.313, de 28 de junho de 2006. Altera os arts. 60 e 61 da Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995, e o art. 2o da Lei no 10.259, de 12 de julho de 2001, pertinentes à competência dos Juizados Especiais Criminais, no âmbito da Justiça Estadual e da Justiça Federal. [Brasília: s.n.], 28 jun. 2006a. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/ 2006/Lei/L11313.htm>. Acesso em: 20 maio. 2015.

latrocínio, homicidio para roubar, punido com trinta annos de prisão,

quando os demais homicídios eram attribuidos ao Jury145.

Aury Lopes Júnior é defensor da concepção reduzida de competência e, para tanto, tem no elenco do art. 74, §1º, do CPP, uma imposição de taxatividade, com o entendimento de proibição, inclusive, de utilização de analogias ou extensividade. Nessa linha de raciocínio, considera que, sem que haja conexão lato sensu com crime doloso contra a vida, nenhuma infração penal pode ser levada ao conhecimento do conselho julgador146.

Discorrendo analiticamente sobre a matéria, Fernando da Costa Tourinho Filho, após expor os termos do art. 5º, inciso XXXVIII, da Constituição Federal, afirma, com toda a razão, que nenhuma norma infraconstitucional poderia contrariar a Lei Maior, retirando do tribunal popular a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida147.

O raciocínio desenvolvido por Tourinho Filho, entretanto, diverge frontalmente do esposado por Aury Lopes Júnior quando se trata de interpretação intensiva ou extensiva do art. 74, §1º, do CPP. É entendimento do promotor de justiça aposentado do Ministério Público paulista que, por meio de lei ordinária, tais limites podem ser alargados, já que, como explica, a Constituição Federal de 1946, que mantinha a existência do Tribunal do Júri e estabelecia sua competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida, remetia à lei a responsabilidade de sua organização.

Art. 141 [...]

§ 28 - É mantida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, contanto que seja sempre ímpar o número dos seus membros e garantido o sigilo das votações, a plenitude da defesa do réu e a soberania dos veredictos. Será obrigatoriamente da sua competência

o julgamento dos crimes dolosos contra a vida148.

145

TORRES, Magarinos. Processo penal do jury no Brasil. Rio de Janeiro: Livraria Jacintho, 1939. p.29.

146

LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal. 10.ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p.1002.

147

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. 12.ed. São Paulo: Saraiva, 1990. v.2. p.99.

148

BRASIL. Constituição (1946). Constituição dos Estados Unidos do Brasil (de 18 de setembro de 1946). Rio de Janeiro: [s.n.], 18 set. 1946. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ constituicao/constituicao46.htm>. Acesso em: 01 jun. 2015.

Considera, pois, Tourinho Filho, que, com isso, veio o constituinte a permitir que outros crimes pudessem ser incluídos no elenco da competência do Tribunal do Júri. Não podendo a lei infraconstitucional excluir da competência da corte popular os crimes dolosos contra a vida, teria, contudo, a permissão para elastecer o rol de crimes a serem apreciados149. Conclui, então, seu raciocínio, afirmando ter, sim, a Constituição Republicana de 1988 autorizado que lei ordinária estabeleça a possibilidade de julgamento pelo Tribunal do Júri de crimes outros, não dolosos contra a vida, afora as hipóteses de conexão e continência150.

Comunga Walter Nunes da Silva Júnior da opinião de Tourinho Filho. Após informar que a Constituição de 1967 tolheu a competência do tribunal popular, restringindo-a tão somente aos crimes dolosos contra a vida, esclarece o eminente jurista potiguar que a Constituição Federal de 1988 estabeleceu uma competência mínima, não proibindo, contudo, que o legislador ordinário a elasteça e a faça até mesmo alcançar causas cíveis151.

Outra não é a opinião de Amauri Renó do Prado e José Carlos Mascari Bonilha. Assim é que os doutrinadores, embora também reconhecendo que a Constituição de 1967 havia restringido a competência do Tribunal do Júri tão somente aos crimes dolosos contra a vida, caminham em paralelo a Tourinho Filho e Walter Nunes na concepção de que a Carta de 1988 admite que, por lei ordinária, outras infrações possam ser submetidas à apreciação do tribunal popular, ampliando-se o rol de tipos penais afetos ao Júri152.

No que concerne ao crime de latrocínio, contudo, este, por se tratar de delito contra o patrimônio, foge à competência do Tribunal do Júri, exceto nos casos de conexão ou continência com crime doloso contra a vida. Nesse sentido, já decidiu o Supremo Tribunal Federal, pacificando a questão por meio da Súmula 603153.

149

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. 12.ed. São Paulo: Saraiva, 1990. v.2. p.101.

150

(Ibid.).

151

SILVA JÚNIOR, Walter Nunes da. Reforma tópica do processo penal: inovações aos procedimentos ordinário e sumário, com o novo regime das provas e principais modificações do júri e as medidas cautelares pessoais (prisão e medidas diversas da prisão). 2.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2012. p.356.

152

PRADO, Amauri Renó do; BONILHA, José Carlos Mascari. Manual de processo penal: conhecimento e execução penal. 2.ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2003. p.261.

153

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula 603. A competência para o processo e julgamento de latrocínio é do juiz singular e não do Tribunal do Júri. [Basília: s.n.], 29 out. 1984. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=603.NUME.NAOS.FLSV.&b ase=baseSumulas>. Acesso em: 03 nov. 2014.

Sabe-se que já se concebeu no ordenamento jurídico brasileiro, ao lado do denominado Júri comum, responsável pelo julgamento dos crimes dolosos contra a v e o e o , mbém m e o “Jú e e o om pop l ”154

, segundo informa José Frederico Marques, tendo este um procedimento bastante diverso do primeiro155. O autor, entretanto, já noticia a extinção dessa modalidade de Júri, informando ter sua competência sido transferida para o juiz togado156.

Há quem defenda, ademais, a exemplo de Guilherme de Souza Nucci157 e Walfredo Cunha Campos158, que constitui o genocídio um delito doloso contra a vida (art. 1º, alíneas a, c e d, da Lei 2.889, de 1º de outubro de 1956). Segundo tais doutrinadores, não faz sentido um indivíduo que comete um crime intencional em desfavor da vida de outrem ser levado a julgamento pelo Tribunal do Júri, enquanto outro, com a intenção de destruir grupo nacional, étnico, racial ou religioso, ou seja, crime com a mesma natureza de doloso contra a existência humana, vir a ser julgado por um juiz técnico.

Na opinião de Nucci, pois, a competência para julgar o delito de genocídio nas modalidades acima descritas deve recair no Tribunal do Júri a ser estruturado na órbita federal. Argumenta o mestre que, em muitas situações, este não passa de um homicídio coletivo, com o dolo direcionado a dizimar um determinado grupo de pessoas159.

Nesse mister, o Supremo Tribunal Federal decidiu que, havendo concurso formal de crimes, remete-se a competência ao Tribunal do Júri da Justiça Federal para julgar os delitos de genocídio e de homicídio ou homicídios dolosos que constituam modalidade de sua execução. De modo reverso, cabe ao Juiz Federal singular processar e julgar o crime de genocídio quando autonomamente praticado, por constituir-se um delito de caráter coletivo ou transindividual, não atraindo, por si só, a competência do Tribunal do Júri.

154

MARQUES, José Frederico. A instituição do júri. Campinas: Bookseller, 1997. p.145. *Em nota e o pé, e l e e o o : “O Jú e e onomia popular, criado pela lei nº 1.512, de 26 de dezembro de 1951, competente para o julgamento dos crimes definidos no art. 2º desta Lei, foi extinto pelo Decreto-Lei nº 02, de 14 de janeiro de 1966. Devido à extinção desse Júri, todos os crimes de economia popular, previstos na Lei 1.521/51, seguem o procedimento previsto para os crimes definidos nos arts. 3º e 4º, o zo mo o á o”.

155

Previsto no art. 2º, da Lei nº 1.521, de 1951, mas extinto pelo Decreto-lei nº 02, de 1966.

156

(MARQUES, op. cit., p.145).

157

NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. 11.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p.789.

158

CAMPOS, Walfredo Cunha. Tribunal do júri: teoria e prática. São Paulo: Atlas, 2010. p.10.

159

(NUCCI, op. cit., p.789). *Vide o item 4.4 para mais informações acerca da competência das varas de Júri no âmbito da Justiça Federal.

Nessa esteira, é sempre lembrado o emblemático fato que se denominou “m e e H m ”, em q e vá o o omâm restaram assassinados por garimpeiros. A decisão do STF, em síntese, ao julgar o RE nº 351.487/RR, fixou o entendimento de que os crimes de genocídio e homicídio, quando cometidos dentro do mesmo contexto fático, em concurso formal de delitos, remete a competência para julgamento ao Tribunal do Júri da Justiça Federal, como se observa do aresto abaixo:

A Turma decidiu afetar ao plenário o julgamento de recurso extraordinário em que se discute a competência para processar e julgar os crimes cometidos por garimpeiros contra índios ianomâmis, no chamado massacre de Haximu. Pretende-se, na espécie, sob alegação de violação ao disposto no art. 5º, XXXVIII, da CF ("é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados:... d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida"), a reforma de acórdão do STJ que, conhecendo e provendo recurso especial do Ministério Público Federal, entendera ser o juízo singular competente para processar e julgar os recorrentes. No caso concreto, estes foram denunciados e condenados, perante o juízo monocrático federal, pela prática do crime de genocídio (Lei 2.889/56, art. 1º, a, b e c) em concurso material com os crimes de lavra garimpeira, dano qualificado, ocultação de cadáver, contrabando e formação de quadrilha. Contra essa decisão fora interposto recurso de apelação, o qual fora provido para anular a sentença e determinar a adoção do procedimento do Tribunal do Júri (CPP, art. 408 e seguintes). RE 351487/RR, rel. Min.

Cezar Peluso, 20.9.2005. (RE-351487)160.

O doutrinador Walfredo Cunha Campos vai além e defende a extensão da competência do Tribunal do Júri para o julgamento dos crimes de improbidade administrativa criados por lei161. Segundo o estudioso, nada deve impedir que o legislador, considerando as ações delituosas mais graves previstas no art. 10, da Lei nº 8.429, de 02 de junho de 1992, as transformem em condutas típicas, após detalhá-lhas, em respeito ao princípio da legalidade.

Assim também entende Edilson Mougenot Bonfim, que, ao proferir palestra inaugural no I Congresso Nacional dos Promotores do Júri no Brasil, na cidade de Campos do Jordão, no Estado de São Paulo, sustentou que aqueles que matam m lhõe om m “golpe e e ”, que afrontam milhões de pessoas om “ m ge o e m e p ho”, ão ão lg o pelo e p e . E o o : “A e e

160

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Informativo STF, n. 402, 19-23 set. 2005. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo402.htm#Genoc%EDdio%2020Co mpet%EAncia>. Acesso em: 11 nov. 2014.

161

deveria perguntar à sociedade de hoje se não gostaria, não almejaria ver sentado no T b l o Jú q o m, l m o of e ção”. Conforme o doutrinador, seria de se questionar ao Tribunal do Júri de hoje, se aqueles jurados não gostariam de ver ali sentados, como acusados, os criminosos de colarinho branco162.

Em resumida síntese, percebe-se que a matéria de competência do Tribunal do Júri é um campo em que o choque muitas vezes frontal de opiniões vem a resultar do modo como se interpreta a Lei Fundamental ou, em expressão utilizada po Fe L le, e omo e p ee e “e o o l”163

.

162

BONFIM, Edilson Mougenot. O promotor do júri: a proposta de um congresso nacional. In: CONGRESSO NACIONAL DO PROMOTORES DO JÚRI, 1., [ago.] 1995, Campos do Jordão/SP. Anais... Campos do Jordão: [s.n.], 1995. Disponível em: <http://www.emougenot.com/index.php/ trabalhos/conferencias/39-conferencia-inaugural-do-i-congresso-nacional-dos-promotores-do-juri- campos-do-jordao-sp-agosto-de-1995>. Acesso em: 01 jun.2015.

163