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VII EMENDA

3. O TRIBUNAL DO JÚRI NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE

3.1 O TRIBUNAL DO JÚRI COMO DIREITO FUNDAMENTAL

Conforme consubstanciado no item anterior, a Constituição da República, de 1988, cuidou de inscrever a instituição Tribunal do Júri no Título II – Dos Direitos e Garantias Fundamentais, posicionando-a especificamente no Capítulo I, que cuida o “D e o e Deve e I v e Cole vo ”, o fo me lpido no art. 5º, inciso XXXVIII.

A respeito dos direitos fundamentais, leciona Luige Ferrajoli que:

107

NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. 11.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p.787.

Os direitos fundamentais correspondem a valores e necessidades vitais da pessoa, histórica e culturalmente determinados. E é por sua qualidade, quantidade e nível de garantia que pode ser definido o

êxito de uma democracia e equivaler o seu progresso108.

Acerca desse mister, ao invés de ser inserido no capítulo do Poder Judiciário, como pareceria mais natural, é ele colocado no dos Direitos e Garantias Individuais e Coletivos, de modo a evidenciar sua natureza de defesa do cidadão em face do Estado. A despeito da localização topográfica, não resta de modo algum afastada sua verdadeira natureza jurídica de órgão especial da Justiça comum, com competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida e conexos109.

Deve-se entender, ademais, o Tribunal do Júri, na expressão de José Afonso da Silva, como a garantia ou o direito instrumental, com incumbência de exercer a tutela de um direito principal, a liberdade, mas também como direito social, entregue à própria comunidade para julgar os infratores integrantes da mesma110. É seguindo essa esteira de pensamento que vem Gladston Fernandes de Araújo o l q e o b l o povo “ l m l e me e oçõe e e o e g ” q e, eg o eg , ão o ceitos que se complementam e que não devem ser entendidos de forma independente111.

O mesmo dispositivo constitucional, não demais destacar, prevê seja a instituição regulada por lei, mas impõe que se lhe assegurem a plenitude de defesa, o sigilo das votações, a soberania dos veredictos e a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida. Nessa esfera de raciocínio, José Frederico M q e , o o e e o Jú m “ b l e pe l”, á o e q e “ ó lhe cabe julgar os casos específicos q e le e e m ”112

.

Mister esclarecer que, para parte da doutrina, não é o Tribunal do Júri um órgão do Poder Judiciário, haja vista não compor o elenco contido no art. 92, da Constituição Federal. É assim que pensa, por exemplo, Walter P. Acosta. Sob essa

108

FERRAJOLI, Luige. Derecho e razón: teoria del garantismo penal. 4.ed. Madrid: Trotta, 2000. p.916. Tradução nossa.

109

CAMPOS, Walfredo Cunha. Tribunal do Júri: teoria e prática. São Paulo: Atlas, 2010. p.3.

110

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 24.ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p.365. Revista e atualizada nos termos da reforma constitucional (até a Emenda Constitucional nº 45, de 8.12.2004, publicada em 31.12.2004).

111

ARAÚJO, Gladston Fernandes de. Tribunal do Júri: uma análise processual à luz da constituição federal. Niterói: Impetus, 2004. p.27.

112

MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. 3.ed. São Paulo: Millennium, 2009. v.3, p.145.

ótica, não passaria o colegiado do povo de m “ ção á ”113

. Do mesmo entendimento compartilha James Tubenchlak, que o considera um órgão político, não judiciário, em que os jurados exercem sua cidadania da mesma maneira que procedem quanto ao direito ao sufrágio114.

Ao reverso, outra considerável parcela de doutrinadores defende tratar-se a corte popular de órgão do Poder Judiciário. É o caso de Júlio Fabbrini Mirabete, que invoca em favor de sua tese o fato de que as decisões do Tribunal do Júri submetem-se ao duplo grau de jurisdição, além da constatação de que são os jurados submetidos aos mesmos casos de impedimento e de suspeição que acometem os juízes togados115.

Compartilha da mesma opinião Gladston Fernandes de Araújo, que forma sua convicção no fato de que a solução de litígios nascidos de práticas delituosas é, sim, atividade judicante, sendo o rol encontrado no art. 92 da Constituição Federal apenas enumerativo, devendo-se interpretar o inciso VII desse artigo em harmonia com o art. 125, § 1º, da mesma Lei Maior116.

Na condição de direito fundamental, a instituição Tribunal do Júri merece de Paulo Rangel o entendimento de que deve gozar das garantias que se prestam à efetivação dos direitos tidos por fundamentais, segundo a Constituição Federal, uma vez que, na corte popular, evidenciam-se os direitos inerentes à vida e à liberdade do indivíduo, além da própria dignidade da pessoa humana117.

A respeito dos direitos fundamentais, Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins lecionam que têm o mesmo caráter de direito público-subjetivo, e se aplicam de igual modo a pessoas físicas e jurídicas, inseridos na Constituição, de modo a limitar o exercício do poder do Estado frente à liberdade das pessoas, constituindo-se, portanto, normas de caráter supremo118.

113

ACOSTA, Walter P. O processo penal. 22.ed. Rio de Janeiro: Coleção Jurídica da Editora do Autor, 1995. p.461.

114

TUBENCHLAK, James. Tribunal do júri: contradições e soluções. 5.ed. São Paulo: Saraiva, 1997. p.9.

115

MIRABETE, Júlio Fabbrini. Código de processo penal interpretado. 5.ed. São Paulo: Atlas, 1997. p.151.

116

ARAÚJO, Gladston Fernandes de. Tribunal do Júri: uma análise processual à luz da constituição federal. Niterói: Impetus, 2004. p.16-17.

117

RANGEL, Paulo. Tribunal do júri: visão linguística, histórica, social e jurídica. 4.ed. São Paulo: Atlas, 2012. p.263.

118

DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria geral dos direitos fundamentais. 4.ed. São Paulo: Atlas, 2012. p.40.

Necessário, contudo, posicionar-se com maior especificidade a instituição Tribunal do Júri, de modo a que se a entenda inserida dentre os direitos individuais, restando assim abraçada pelo manto protetivo contido no art. 60, § 4º, inciso IV, da Constituição Federal. Isso porque nem todos os direitos fundamentais possuem a destacada condição de cláusula pétrea, como elucidam Dimoulis e Martins, que não veem nos direitos coletivos, nos sociais, nos políticos e nos difusos, qualquer caráter de direitos individuais; fugindo, assim, da proteção estabelecida pelo art. 60, da Lei Fundamental e, com isso, submetendo-se a restrições e até mesmo a serem extintos por meio de Emenda Constitucional119.

Desse modo, não apenas seria inconstitucional a propositura de Emenda à Constituição que tenha por fim abolir o Tribunal do Júri, como também deve receber a mesma pecha qualquer lei que, no entender de Walfredo Cunha Campos120, embora nominalmente preserve a instituição no seu conteúdo, retire-lhe substância e poder.

Assim, em um modelo de Estado Democrático Constitucional de Direito, alerta Walter Nunes da Silva Júnior que “o J á o é p p vo e o vo, esquece a neutralidade para participar na sociedade como agente político, epe e e e mp l”121

, sendo a corte popular a exemplificação de maior envergadura. Completa seu raciocínio o mestre potiguar, indicando como característica do Tribunal do Júri ser uma corte democrática por permitir que a sociedade exerça diretamente poder próprio de órgão jurisdicional122.

Nessa esteira, ainda nos idos de 1956, o célebre Lord Patrick Arthur Devlin123, eminente magistrado e jurista inglês, analisando a instituição à luz de sua experiência, a comparou a um pequeno parlamento, incompatível com um governo déspota, mas afinado com princípios norteadores da liberdade.

119

DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria geral dos direitos fundamentais. 4.ed. São Paulo: Atlas, 2012. p.41.

120

CAMPOS, Walfredo Cunha. Tribunal do júri: teoria e prática. São Paulo: Atlas, 2010. p.9-10.

121

SILVA JÚNIOR, Walter Nunes da. Reforma tópica do processo penal: inovações aos procedimentos ordinário e sumário, com o novo regime das provas e principais modificações do júri e as medidas cautelares pessoais (prisão e medidas diversas da prisão). 2.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2012. p.345.

122

(Ibid., p.345-346).

123

Patrick Arthur Devlin, conhecido como Barão Devlin, nasceu em 25 de novembro de 1905, vindo a falecer em 09 de outubro de 1992. Segundo informa a enciclopédia eletrônica livre Wikipedia, escreveu no ano de 1985 sobre um caso por ele mesmo presidido, ocorrido em 1957, que teve como réu John Bodkin Adams, acusado de ser um serial killer.

Com vistas a melhor entender o tribunal popular, parte-se para a análise dos seus quatro princípios constitucionais vetores: a plenitude de defesa, o sigilo das votações, a soberania dos veredictos e a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida e conexos.