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VII EMENDA

5. NECESSIDADE DE APERFEIÇOAMENTO DO JULGAMENTO PELO TRIBUNAL DO JÚR

5.2 OUTRAS ALTERNATIVAS DE APRIMORAMENTO

5.2.4 Comunicabilidade entre os jurados

A incomunicabilidade entre os jurados é uma questão bastante tormentosa. De modo geral, os países que adotam o sistema popular de justiça admitem a comunicabilidade entre os mesmos, notadamente quando também se requer a unanimidade na decisão. Nesse caso, os jurados devem debater a causa entre si até atingir um consenso.

No Brasil, a incomunicabilidade dos julgadores leigos encontra-se prevista no art. 466, §§ 1º e 2º, do CPP, tratando-se de medida infraconstitucional que tem como escopo, na voz da doutrina tradicional, resguardar a opinião dos mesmos, protegendo-a da ciência de outrem. O objetivo, segundo Hermínio Marques Porto, é evitar que um jurado interferira na formação da convicção de outro328.

Paulo Rangel traça uma distinção entre a incomunicabilidade e o sigilo do voto. Para o doutrinador, o sigilo visa a evitar que se exerça pressão sobre a votação dos jurados, mediante a utilização de qualquer que seja o artifício que possa perturbar manifestação livre do conselho de sentença329. Contudo, para que possa, de fato, assegurar o sigilo da votação, mister se faz que a contagem dos votos cesse quando da apuração da q m fe ção “SIM”, o o q o vo o “NÃO”; o

328

PORTO, Hermínio Alberto Marques. Júri: procedimentos e aspectos do julgamento e questionários. 10.ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p.42.

329

RANGEL, Paulo. Tribunal do júri: visão linguística, histórica, social e jurídica. 4.ed. São Paulo: Atlas, 2012. p.81.

contrário, na hipótese de ocorrência de votação unânime, a vontade dos jurados estaria escancarada a todos330.

A doutrina ensina que, por ocasião da edição do Código Penal de 1890, encontrava-se em voga a teoria da psicologia das multidões ou psicologia das massas, do francês Gustave Le Bon (1886), eg o q l o o e o e “povo” e reduzido a uma pequena elite formadora de opinião. O Júri, então, era integrado por pessoas pertencentes a esse limitado círculo331.

A ciência penal, com apoio em estudos médicos, preocupou-se, àquela época, em avaliar o homem como o objeto sobre o qual deveria o castigo recair332, levando-se em conta o entendimento da Escola Positivista de então, em contraposição às ideias advindas da Escola Clássica, o que conduziu até o Tribunal do Júri a discriminação social então preconizada333.

O princípio da incomunicabilidade força, pois, a que os jurados sejam obrigados a permanecer isentos de comunicação entre si, não se permitindo qualquer diálogo entre os mesmos sobre o fato posto em julgamento, o que implica ainda em que o sigilo do voto de cada um seja rigidamente exigido.

Na opinião de Guilherme de Souza Nucci, a incomunicabilidade dos membros do Conselho de Sentença é aplicável tão somente aos assuntos referentes ao processo, sendo facultado aos juízes leigos o diálogo entre si sobre temas diversos, nos horários de intervalo334.

Nessa linha de consideração po e He á l o A ô o Mo m q e “[…] nada impede que os jurados, durante o café ou almoço, conversem com o promotor

330

Este é o entendimento contido no art. 483, §§1o e 2o, do Código de Processo Penal.

331

RANGEL, Paulo. Tribunal do júri: visão linguística, histórica, social e jurídica. 4.ed. São Paulo: Atlas, 2012. p.83-84.

332 “A E ol Po v mpô m g o e e m mo em q e home h o b ológ e

socialmente de determinada maneira seriam impulsionados sem resistência às suas ações. Criminosos e não criminosos se diferenciavam, assim, fundamentalmente por suas diferenças b o opológ ”. CANCELLI, Elizabeth. A cultura do crime e da lei. Brasília, DF: Universidade de Brasília, 2001. p.32.

333

O italiano Cesare Lombroso, médico e professor universitário de psiquiatria, medicina forense, higiene e criminologia, tornou-se famoso por seus estudos na área da caracterologia, ou a relação entre caracteristicas fisicas e mentais dos indivíduos. Lombroso foi um dos maiores expoentes do ideal de um novo Direito Penal, chegando a criar uma tabela para delimitação do criminoso, em que os elementos anatômicos, os psicológicos e os sociológicos davam origem aos crimes cometidos por atavismo e aos crimes cometidos por evolução, ou seja, praticados nas sociedades mais avançadas.

334

de justiça, advogado, juiz, serventuário da justiça, sobre assuntos diversos, o que, e o velme e, o e e q o e ão o ú ”335

.

Segundo a doutrina de Firmino Whitaker, citado em artigo científico de Márcio Schlee Gomes, a lei processual penal, ao posicionar-se pela incomunicabilidade, pretendeu assegurar a independência dos julgadores e o caráter de verdade em seu julgar. Conforme preleciona o autor, apenas as próprias impressões devem nortear os jurados, de modo a evitar-se uma farsa no ato de julgar, o que, em última instância, causaria descrédito à instituição336.

Por sua vez, é a incomunicabilidade dos jurados fortemente criticada por Paulo Rangel, que refuta tenazmente o argumento de que a proibição de que se comuniquem destina-se a impedir que um jurado possa influenciar o voto de outro. Para ele, não se encontra justificação histórica para tal. Além disso, essa medida, em sua visão, foge aos princípios democráticos. Entende, nesse pórtico, o doutrinador, que a possibilidade de comunicação entre os integrantes do conselho de sentença permitiria alcançarem-se decisões justas ou, ao menos, afastar-se a possibilidade de cometimento de injustiças e arbítrio337. Defensor ferrenho do uso da linguagem no Júri como instrumento democrático, entende Paulo Rangel que a decisão do conselho julgador será tanto mais carregada de representatividade quanto maior se fizer a discussão entre os jurados daquilo que lhes é posto a conhecer e julgar338. Para ilustrar seus argumentos, faz o autor alusão ao filme “Doze Home e m Se e ç ” (1957)339

.

Na Inglaterra, onde, como já informado no capítulo 2, o Júri adquiriu as feições que se conhecem hoje, os jurados, em número de 12 (doze) pessoas com idade entre 18 (dezoito) e 70 (setenta) anos, decidem se o acusado é culpado ou não culpado por meio de um vere dictum que deve expressar a vontade, em maioria qualificada de pelo menos 10 (dez) votos, em caso de condenação; caso contrário,

335

MOSSIN, Heráclito Antônio. Júri: crimes e processo. São Paulo: Saraiva, 1999. p.382.

336

WHITAKER, Firmino. Jury. São Paulo: Duprat, 1910. p. 73 apud GOMES, Márcio Schlee. Sigilo das votações e incomunicabilidade: garantias constitucionais do júri brasileiro. Revista do Ministério Público do RS, Porto Alegre, n.67, p.35-59, set./dez. 2010. Disponível em: <http://www.amprs.org.br/arquivos/revista_artigo /arquivo_1303928691.pdf>. Acesso em: 15 jun. 2015.

337

RANGEL, Paulo. Tribunal do júri: visão linguística, histórica, social e jurídica. 4.ed. São Paulo: Atlas, 2012. p.86.

338

(Ibid.).

339 Para tanto, o filme DOZE HOMENS E UMA SENTENÇA (1957) – com Henry Fonda -, deixa clara

a importância do exercício da linguagem no Tribunal do Júri, onde o fato óbvio para alguns jurados, em verdade necessita de discussão maior aos olhos de outros, até chegar à comprovação da inocência do acusado.

deve o acusado submeter-se a novo Júri, sendo outros os novos jurados. Não alcançando o novel conselho julgador a maioria suficiente para a condenação, haverá o réu de ser absolvido.

A comunicação entre os julgadores leigos ingleses é não só prevista, mas estimulada, cabendo ao magistrado apenas intervir para garantir que o debate seja “[...] o z o e mo o o, e e m h o lgamento a um desfecho p op o: lev q e õe e f o à p e ção o Jú em e ão f l”340

. O diálogo é, portanto, pleno, ao entendimento de que decidem os julgadores leigos com base no juramento que fazem de julgar segundo as provas e proferir um veredicto sintonizado com as mesmas341.

Na Espanha, conforme já explanado no cap. 2, onde 09 (nove) são os jurados, 07 (sete) devem ser os votos para a declaração da responsabilidade penal A deliberação do colegiado é secreta, não podendo os julgadores revelar o que se passou na sessão. A votação se dá por ordem alfabética, nominal e em voz alta, sendo que por último vota o jurado escolhido como porta-voz (o primeiro a ser sorteado).

Interessante mencionar que, conforme destaca Paulo Rangel, utilizando-se dos estudos de Pilar de Paul Velasco342, as perguntas das partes na corte popular espanhola levam em consideração determinados dados psicológicos, razão por que muitas vezes recorrem-se à assistência de psicólogos durante a tramitação do processo. No mesmo sentido, fazem-se consultas a cientistas sociais (sociólogos e antropólogos) para utilização de dados em relação a fatores demográficos, econômicos e culturais que possam envolver a causa, e, consequentemente, escolherem-se os jurados que compreendam aquelas questões.

Os Tribunais do Júri portugueses, por sua vez, compõem-se de 03 (três) juízes togados, 04 (quatro) jurados efetivos e outros 04 (quatro) suplentes343, o que

340

DOZE HOMENS E UMA SENTENÇA. Direção: Sidney Lumet. Produção: Henry Fonda e Reginald Rose. Roteiro: Reginald Rose. Intérpretes: Henry Fonda; Lee J. Cobb; Ed Begley; Jack Klugman e outros. [s.l.]: Orion-Nova, 1957. 1 DVD (96 min), son., color. Título original: 12 angry men.

341

MCNAUGHT, John. Inglaterra y Gales. In: GÓMEZ, Ramon Macia (Org.). Sistema de proceso penal en Europa. Barcelona: Cedecs, 1998. p.224.

342

VELASCO, Pilar de Paul. El tribunal Del jurado desde la psicologia social. Madrid: SigloXXI de Espana Editores, 1995. p. 58 apud RANGEL, Paulo. Tribunal do júri: visão linguística, histórica, social e jurídica. 4.ed. São Paulo: Atlas, 2012. p.52.

343

PORTUGAL. DL nº 387-A/87, de 29 de dezembro de 1987. Lisboa, 1987. Disponível em: <http://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=315&tabela=leis>. Acesso em: 30 jan.2015. No Júri português, os suplentes devem assistir às audiências de julgamento para as quais tiverem sido selecionados, pois somente se assistirem a todas as sessões de julgamento

constitui um sistema de escabinado ou assessorado. O acusado, contudo, só é julgado pela corte em casos de requerimento das partes, o que leva à escassez de realização de tribunais populares em terras lusitanas.

A função do colegiado julgador português é decidir, segundo preleciona Paulo Rangel344, sobre a culpabilidade e o quantum da pena a ser aplicada em consequência, sendo que cada juiz togado e cada jurado componente do escabinado precisa invocar os motivos pelos quais decide e indicar, sempre que possível, quais os meios de prova de que se serviram para a formação de sua convicção.

Suscit õe o po g e o po vo eg o o q l “o jurados decidem apenas segundo a lei e o direito e não estão sujeitos a ordens ou çõe ”345

, o que conduz à indagação sobre como é possível decidir de acordo com algo que os jurados, em sua imensa maioria cidadãos leigos, sequer têm o he me o? Co fo me Ge m o M q e S lv , “p e eg o le e o direito importa necessariamente conhecê-los e a lei não exige que os jurados sejam conhecedores da lei e do direito que lhes c mp e pl ”346

.

Já o Tribunal do Júri norte-americano tem como uma de suas características mais marcantes o conhecimento e julgamento de demandas cíveis e criminais. Os juízes togados exercem a função de direção dos debates, moderação dos interrogatórios e a decisão das questões de direito, presidindo a sessão na função de guardiães dos direitos consagrados nas emendas constitucionais ianques, já que o princípio acusatório rege o processo penal nos Estados Unidos da América, cabendo ao órgão ministerial o ônus da prova contra o acusado347.

A função de jurado nos EUA envolve valores morais, democráticos e legais, com vistas a buscar-se a legitimidade das decisões que emanam do povo, já que ser julgador leigo é um direito de todo e qualquer cidadão que preencha os requisitos legais para tanto.

antecedentes é que poderão substituir os jurados impedidos. Trata-se de uma regra legal que assegura o conhecimento da causa pelos jurados suplentes a fim de não serem chamados a julgar um caso de que não conhecem (art. 1o, item 4, do DL nº 387-A/87, de 29 de dezembro).

344

RANGEL, Paulo. Tribunal do júri: visão linguística, histórica, social e jurídica. 4.ed. São Paulo: Atlas, 2012. p.53.

345

PORTUGAL. DL nº 387-A/87, de 29 de dezembro de 1987. Lisboa, 1987. Disponível em: <http://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=315&tabela=leis>. Acesso em: 30 jan.2015.. Art. 14o, item 1.

346

SILVA, Germano Marques da. Curso de processo penal. Lisboa: Verbo, 2000. v.3. p.238.

347

MÍNGUEZ, Elizabeth Cardona. El jurado: su tratamiento en el derecho procesal espanol. Madrid: Dykinson, 2000. p.81.

A VI Emenda Constitucional, como informado no capítulo 2, estabelece que todos os acusados têm direito a um julgamento público e rápido, por meio de um jurado imparcial e selecionado nos Estados e no distrito onde o delito foi cometido, distrito este previamente estabelecido em lei; direito que se estende também a ser informado da plenitude da acusação e de ser julgado pelos seus vizinhos, ou seja, por seus pares.

A base normativa do Tribunal do Júri norte-americano é, portanto, a Constituição; razão pela qual consiste a instituição em direito substantivo fundamental. A dificuldade, contudo, do estudo do Júri estadunidense consiste no fato de cada Estado possuir um sistema de jurados próprio – somente 07 (sete) entidades federadas exigem 12 (doze) membros na composição da instituição e o submetem a critério da unanimidade, tanto em casos cíveis quanto criminais. O tamanho do corpo de jurados varia entre 06 (seis) e 12 (doze) integrantes, a depender da unidade federativa; sendo que, quanto à decisão, esta pode ser por unanimidade até a maioria de 2/3 (dois terços) de votos.

A decisão do Júri norte-americano é precedida de discussão entre os integrantes do corpo de jurados, posto que fruto do exercício da cidadania que simboliza e encarna a participação popular nas decisões judiciais. Nesse diapasão, não há como exercer a cidadania e o direito ao voto no âmbito da corte popular, condenando ou absolvendo o acusado, senão por meio do debate, do diálogo, sem descuidar da ética no exercício do poder de decisão.

Estudada a forma como a comunicabilidade ou a incomunicabilidade entre os jurados é tratada em alguns ordenamentos alienígenas, cumpre buscar-se analisar qual diretriz melhor pode atender os pressupostos do Estado Democrático Constitucional de Direito no Brasil. Nesse pórtico, salta da experiência prática da realidade brasileira que as restrições legais no que tange à possibilidade de comunicação entre os julgadores leigos dificultam a tomada de decisão por parte destes, obstando, inclusive, a compreensão de certos aspectos fáticos e jurídicos do caso em apreço. É que parte considerável dos jurados não consegue entender mesmo as perguntas mais simplórias.

Há quem atente, por outro lado, em sendo a comunicabilidade permitida, para o risco de que algum jurado exerça liderança sobre os demais. Inegável mostrar- e p eo p e o f o e m o “l e ” b fl e o e ão dos demais. É, entretanto, possível correr-se esse risco.

Na visão do doutrinador Paulo Rangel, nada mais danoso que a incomunicabilidade entre os jurados, uma vez que sacrifica a transparência da sua atuação348.

Na se olvida, é certo, que o Estado Democrático Constitucional de Direito impõe o dever de transparência e fundamentação das decisões de caráter público, como o são as judiciais, o que conduz ao raciocínio lógico de que o decisum proveniente do conselho de sentença não deve ficar imune ao princípio comum da motivação das decisões.

Acerca desse mister, tem-se que, tal como estruturado, não há como negar que o Tribunal do Júri ofende a Constituição, quer na parte em que esta impõe ao Judiciário o dever de motivar todos os provimentos jurisdicionais de conteúdo decisório (art. 93, inciso IX, da CF) quer naquela em que declara ser o regime político brasileiro estruturado consoante os princípios de um Estado Democrático de Direito (art. 1º da Constituição Federal).

Em conclusão, é de bom alvitre que os jurados, logo após o encerramento dos debates, sejam, por ordem do juiz-presidente, mas sem a presença deste, conduzidos à sala especial por um oficial de justiça, de modo a que, de posse da quesitação previamente elaborada e submetida à aprovação das partes debatedoras, se reúnam em assembléia, pelo prazo máximo que se sugere de 1 (uma) hora, em caso de um único réu, e de 2 (duas) horas, quando estiver em julgamento mais de um acusado; a fim de dialogarem entre si acerca dos mais variados aspectos do caso sob apreciação, para que, só após esgotado o prazo, se prossiga com a sessão do mesmo modo que atualmente, dando-se continuidade ao julgamento com o retorno do comando ao juiz togado, que fará a leitura, a explicação e porá à votação cada um dos quesitos.