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Competências-Chave – rumo à formação integral

Capítulo I – Enquadramento Teórico-Conceptual

6. Competências-Chave – rumo à formação integral

Deste entendimento progressivamente consensual de competência como uma combinação de vários componentes e fortemente contextualizada, e quando os contributos teóricos são desafiados a fornecer a política pública de educação e formação com quadros estratégicos para o desenvolvimento de competências em crianças, jovens e adultos, emerge um outro conceito crucial que merece destaque na nossa discussão – o de competência chave – o qual reforça uma

43 visão crescentemente holística e integral da educação, enfatizando uma perspetiva transcurricular do desenvolvimento de competências. Assim, é sobretudo nos grandes referenciais como o da OCDE, da UNESCO e da CE que encontramos algumas definições e debates em torno deste tema.

No caso da OCDE, as competências chave são aquelas que, entre as competências, são consideradas indispensáveis para uma vida bem-sucedida e uma sociedade funcional – “successful life and a well functioning society”, fortemente associadas às capacidades reflexivas dos indivíduos de perseguirem os seus objetivos profissionais e pessoais, realçando a dimensão subjetiva do que cada um atribui como ação com valor e significado. Como o coloca Goody:

“the major competences must be how best to spend one’s work and leisure-time within the framework of the society in which ones lives”’

(OECD, 2001)

Neste trabalho, a OCDE identifica um conjunto de elementos caracterizadores das competências chave que visam capacitar os indivíduos para gerir aquela vivência “bem-sucedida” e contribuir para uma “sociedade funcional”, num contexto em que

"Globalisation and modernisation are creating an increasingly diverse and interconnected world. (…) In these contexts, the competencies that individuals need to meet their goals have become more complex, requiring more than the mastery of certain narrowly defined skills” (OECD, 2005)

Por um lado, elas são consideradas transversais a múltiplos campos da vivência em sociedade, tal como se referem a uma ordem superior de complexidade mental associada a uma perspetiva de vida responsável, reflexiva e ativa. Por outro lado, as competências chave são multidimensionais, integrando capacidades de comunicação, pensamento crítico e analítico, saber-fazer, ao mesmo tempo que incluem o “bom senso” (OECD, 2001), entendido na aceção de conhecimento tácito (Nonaka, 1991) ou consciência prática (Giddens, 1984). Sendo um conceito relativamente recente na literatura, no entanto e tal como é citado no estudo Eurydice em 2002, há referências históricas importantes em relação ao cerne do que se entende por competência chave quando na

44 Conferência Mundial sobre Educação em 1990, na “World Declaration on

Education for All: Meeting Basic Learning Needs” é afirmado:

“Every person – child, youth and adult – shall be able to benefit from educational opportunities designed to meet their basic learning needs. These needs comprise both essential learning tools (such as literacy, oral expression, numeracy, and problem solving) and the basic learning content (such as knowledge, skills, values, and attitudes) required by human beings to be able to survive, to develop their full capacities, to live and work in dignity, to participate fully in development, to improve the quality of their lives, to make informed decisions, and to continue learning.” (citado em Eurydice, 2002)

Esta perspetiva de complementaridade entre duas áreas constitutivas da competência tem sido uma constante, sobretudo na evolução do debate na União Europeia, em que os seus membros estabeleceram como prioritário explicitar e definir este conceito de competência-chave.

Esse momento ocorre em 2006, quando pela Recomendação sobre as competências chave para a aprendizagem ao longo da vida, o Conselho e o Parlamento Europeu definem oito competências, subdivididas em dois grupos – as competências curriculares e as transcurriculares. No primeiro grupo definem- se as competências de 1) Comunicação na língua materna; 2) Comunicação em línguas estrangeiras; 3) Competência matemática e competências básicas em ciências e tecnologia; e 4) Competência digital. No segundo grupo as competências 5) Aprender a aprender; 6) Competências sociais e cívicas; 7) Espírito de iniciativa e espírito empresarial; e 8) Sensibilidade e expressão culturais (CE, 2006).

No contexto deste referencial Europeu, as competências chave são definidas como aquelas que

“todos os indivíduos necessitam para o seu desenvolvimento e realização pessoal, cidadania activa, inclusão social e empregabilidade” (CE, 2006).

Vemos ainda que a reflexão e debate em torno da necessidade de identificar competências chave tem sido um dos motores do reconhecimento de que há uma dimensão mais tácita e menos estruturada do conhecimento que teria sido

45 desvalorizada nas definições de competência e no desenho de programas de desenvolvimento das mesmas. No referido estudo do Eurydice (2002), afirmava- se que as competências chave:

“usually relate to better management of one’s own learning, social and

interpersonal relations and communication and reflect the general shift of emphasis from teaching to learning”.

Nesta fase da reflexão, parece delinear-se uma tendência de olhar as competências numa perspetiva prática de autorrealização dos indivíduos e, concomitantemente, de desenvolvimento social sustentado. Os referenciais de competências citados propõem reformas curriculares aos seus Estados- membros, recentrando o desenvolvimento de competências numa abordagem holística e integral da educação e formação, que realça a aplicabilidade dessas competências em diversas esferas da vida, pessoal, profissional e cívica, que tem impacto na organização das instituições de ensino, na formação e articulação dos agentes educativos, em novas metodologias de aprendizagem e novos recursos didáticos, etc.

Por outro lado, este debate, ao incluir uma dimensão de atitudes, comportamentos e valores no conceito de competência, vem igualmente destacar os valores para um lugar central no desenvolvimento das competências para o século XXI. De particular relevância, pela sua forte influência nas políticas públicas em todo o mundo, é de realçar a centralidade da ética na conceptualização das competências no já referido estudo da OCDE (Ananiadou, 2009).

Entre três dimensões desta conceptualização, a par da Informação e da Comunicação, esta organização fundamenta a importância da dimensão da Ética e Impacto Social como bússola das capacidades e conhecimentos que são exigidos aos indivíduos no contexto da globalização, multiculturalismo e recurso a tecnologias de informação e comunicação (TIC), na sua afirmação como trabalhadores e cidadãos do século XXI.

Segundo Ananiadou (2009), as competências devem ser orientadas por um sentido de responsabilidade social que capacite os indivíduos para perspetivarem os impactos das suas ações na sociedade, no uso dos seus

46 instrumentos e aptidões disponíveis de pensamento crítico, responsabilidade e tomada de decisão, aferindo os riscos e assumindo a responsabilidade do seu uso aos níveis pessoal e social, exemplificando o uso das TIC, que podem promover impactos sociais positivos ou negativos nas relações interpessoais e sociais.

Este sentido de responsabilidade pelos impactos da ação “competente” associa- se ao reconhecimento da necessidade de aferição do desempenho da competência, à qual, por conseguinte, se vinculam valores e crenças acerca do que se pressupõe gestão eficaz dos recursos necessários à execução de uma determinada tarefa ou ação, realçando o papel da avaliação subjetiva como componente do conceito de competência (Cowen, 1991; Aubret & Gilbert, 2003). Deste alinhamento de reflexão, de grande relevância para o enfoque neste trabalho, reconhecemos assim que o conceito de competência, à medida que vai sendo aprofundado na literatura, parece estar cada vez mais vinculado ao conceito de valores éticos, pois quando se torna evidente a sua orientação para a ação, torna-se igualmente óbvia a sua intrínseca orientação ética. Conforme o coloca Westera (2001), uma vez que a competência é expressa no mundo real, uma pessoa pode ser um ladrão competente como um mecânico competente.

7. Literacia – uma competência-chave em expansão