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Capítulo II – As Associações Desportivas e o Papel do Dirigente

4. O dirigente e as associações desportivas

4.2 Competências e qualidades do dirigente na gestão desportiva

Actualmente o dirigente desportivo debate-se com responsabilidades e exigências cada vez mais complexas no âmbito da gestão do desporto. Espera-se dele uma permanente capacidade de adaptação a fim de responder às mudanças sociais e aos desafios que lhe são colocados. A sua acção no plano estratégico e na gestão da organização desportiva está seguramente condicionada pelas mudanças sociais, culturais e económicas e, sobretudo, pelos recursos de que dispõe e pelo conhecimento que detém (Correia, 2000, p. 53). Ao mesmo tempo que se lhe colocam novos desafios e exigências que caracterizam um papel cada vez mais complexo e ambíguo, não deixa de ser relevante os valores humanizadores e uma conduta segundo princípios éticos, caracterizados por um espírito de dedicação e de solidariedade humana. Carvalho (1997) defende, no seu livro intitulado O Dirigente

Desportivo Voluntário, que deve existir uma conciliação e um equilíbrio entre a boa vontade

generosa, subjacente ao conceito de dirigente benévolo e a competência técnica, duas condições essenciais para a sobrevivência e inovação do espírito do associativismo desportivo:

“A sobrevivência do espírito associativo e a capacidade de inovação só poderão ser garantidos através de uma completa reanálise da estratégia de acção dos dirigentes desportivos benévolos. Torna-se, por isso, indispensável estruturar um equilíbrio dinâmico entre a boa vontade generosa e a competência técnica. E é aqui que, quanto a nós, se encontra a chave da sobrevivência do associativismo popular, de que a solidariedade, a convivialidade e a comunicabilidade, constituem os traços essenciais” (p. 42).

Realçamos os três traços essenciais que o autor defende no papel do dirigente desportivo voluntário: a solidariedade, a convivialidade e a comunicabilidade. A realidade do associativismo desportivo português tem evidenciado que a complexidade da organização se caracteriza por uma polivalência de funções do dirigismo desportivo popular, fruto, por um lado, do crescimento e diversificação do seu papel e, por outro, da falta de profissionais que sustentam determinadas tarefas no quadro das funções da gestão do desporto. Em boa verdade, o dirigente desportivo benévolo tem sido “pau para toda a obra” e é muitas vezes conotado como o “homem dos sete ofícios” ou o “dirigente carola” (idem, p. 149), para além de, em muitos casos, ser criticado pelo insucesso de alguns clubes desportivos. Segundo o mesmo autor, a solução do problema da complexidade e ambiguidade do papel do dirigente, não está na sua profissionalização mas essencialmente na adopção de um estatuto social que reconheça a relevância social e económica do dirigente benévolo. Para além disso, defende uma clara distinção do dirigente ou técnico, que se situa na esfera profissional, do dirigente benévolo, cujas complexidade e polivalência de funções atingem as fronteiras do paradoxo, isto é, o dirigente desportivo benévolo não consegue desempenhar com eficiência todas as funções que se deparam no plano da gestão desportiva.

A análise do dirigente como um gestor não pode deixar de ser feita segundo duas variáveis importantes: a dimensão do clube ou associação e a finalidade ou missão da sua actividade social. Assim, a título meramente exemplar, afigura-se-nos necessário estabelecer uma distinção clara entre uma organização que visa o espectáculo desportivo e uma organização com uma perspectiva mais educativa e social. Na primeira, será porventura relevante o papel do gestor do ponto de vista do conhecimento económico e financeiro e, na segunda, mais determinantes os aspectos relacionados com a formação pedagógica e social. Todavia, em qualquer dos casos, a gestão do desporto é uma disciplina indispensável nas organizações desportivas, independentemente da missão, do nível e da dimensão que estejamos a analisar. No quadro das AD’s, a gestão estratégica assume uma preponderância maior, se considerarmos que os clubes desportivos e respectivos actores gozam de interesses, lutas e poderes internos e, por conseguinte, a complexidade e a probabilidade de conflitos também tendem a aumentar (Correia, 2000, p. 48).

As funções dos dirigentes benévolos podem ser entendidas num quadro de polivalência de funções bastante diversificado e até exigente, funções estas que são descritas no quadro seguinte. Carvalho (1997), ao considerar o papel do dirigente benévolo do clube popular, classifica-o como uma espécie de “super-homem”, embora em termos práticos, não seja um trabalho razoável nem viável por não conseguir desempenha-lo com eficiência (p. 89).

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Quadro 8 - Competências do dirigente desportivo benévolo (Carvalho, 1997)

Competências Explicitação

“Homem do terreno”

Capaz de organizar e compreender o significado daquilo que organiza. Respeitar os valores que justificam a organização em favor de uma “população alvo” que não é mais do que a camada social de onde é originário.

Formação Desempenhar funções formativas, única forma de justificar a actividade desportiva que constitui o cerne da acção do clube popular. Comunicação Saber ouvir e respeitar os outros. Afirmar a sua autoridade perante o poder e os outros dirigentes benévolos. Gestão de recursos Gestor de pessoas, de espaços desportivos e de equipamentos, de forma a obter a máxima rentabilidade dos limitados meios de que dispõe.

Promoção das

actividades Saber promover as actividades que realiza junto do seu raio de influência. Negociação Negociar no sentido de obter meios exteriores ao clube.

Concepção clara

da sua função Possuir uma concepção clara da sua função e da missão do clube.

Também Bento (1992, p. 69) destaca a relevância da função e da necessidade de formação do dirigente desportivo (conforme a natureza das suas tarefas), realçando as qualidades que devem possuir no exercício da sua actividade: disponibilidade e capacidade para a comunicação e interacção com os demais agentes; forte motivação emocional, resultante de uma profunda ligação ao interior do desporto e de uma crença nas virtudes e nos valores humanos; capacidade para entusiasmar, motivar e estimular os outros (liderança); seriedade, autenticidade, frontalidade e disciplina de trabalho; conhecimentos indispensáveis ao entendimento satisfatório da essência do desporto, do processo de exercitação, de treino e obtenção de rendimentos desportivos. Do nosso ponto de vista, esta última competência situa- se mais no domínio do técnico ou treinador, do que propriamente do dirigente ou gestor do desporto. O autor propõe ainda que, independentemente da sua função e da natureza e especificidade do seu cargo, o dirigente tem o dever de desempenhar funções formativas.

No estudo que efectuou sobre a estratégia dos clubes desportivos (Santos, 2002, p. 25) verificou que os presidentes dos clubes, ao nível da vocação, atribuíram uma maior importância ao papel de formar indivíduos e ao desenvolvimento da formação de praticantes, do que ao desenvolvimento e generalização da prática desportiva.

No seu estilo crítico e metafórico, Pires (1996, p. 54) apresenta um conjunto de dez ideias para gerir o tempo que no seu entender se enquadram no mundo actual do papel do dirigente desportivo voluntário. Segundo o autor:

“Ser um bom técnico ou dirigente não é trabalhar muito, nem sacrificar a vida pessoal e familiar ao êxito profissional, é sim, “ser capaz de decidir aquilo que é prioritário e importante, daquilo que é acessório” (p. 52).

Assim, a gestão do tempo levanta um conjunto de problemas para os quais os dirigentes necessitam encontrar uma solução, tanto mais que na era da comunicação e das tecnologias de informação estes problemas se tornam cruciais:

a) ausência da noção do tempo, em que a vida dos dirigentes e das pessoas se torna num turbilhão de acontecimentos desconexos;

b) incapacidade de distinguir o essencial do acessório e consequente dificuldade em escolher o que é relevante;

c) trabalha-se muito mas acaba-se por confundir quantidade com qualidade; d) é necessário utilizar tempo a pensar nos problemas e a preparar decisões; e) protelar decisões sem qualquer benefício recorrente;

f) o tempo é um bem escasso;

g) uma coisa de cada vez, isto é, não interromper aquilo que se está a fazer; h) reuniões desnecessárias;

i) confusão acerca da missão e dos objectivos da organização.

No âmbito da interpretação do papel do dirigente desportivo, Pires (1996, p. 92) defende três atributos essenciais a qualquer dirigente desportivo: tomada de decisão, liderança e comunicação, independentemente da posição hierárquica que ocupa (no topo da pirâmide, na gestão intermédia ou no centro operacional) e da natureza voluntária ou profissional da sua actividade. Nesta perspectiva, defende o autor que não há organização que resista quando falham os três aspectos referidos. É precisamente isso que tem acontecido ao desporto português, isto é, o desporto tem estado nas mãos, não dos dirigentes e técnicos mais competentes, mas sim nas dos dirigentes que se movem por interesses pessoais. Defende ainda que as três condições essenciais só são possíveis quando a organização dispõe de recursos humanos que estejam identificados com as questões do próprio desporto e que detenham conhecimento do processo de desenvolvimento desportivo e dos factores de sucesso da organização.

A conotação dos dirigentes desportivos com o poder (político) e com os interesses extradesportivos foi também apresentada de uma forma crítica por Sérgio (1987), quando escreveu sobre o associativismo português:

“Hoje, o associativismo está demasiado vinculado ao Poder. Os dirigentes são eleitos porque têm dinheiro, ou crédito, e pertencem, por isso, à classe dominante, dificilmente se fazendo uma

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articulação desportistas-dirigentes, dado que estes se encontram mais próximos do Poder que dos praticantes. E assim o associativismo tem sido para os desportistas e não com os desportistas ou dos desportistas.

Os clubes dizem-se de facto apartidários, nos seus estatutos, mas são-no tão-só como forma de fomentar o absentismo na participação efectiva dos técnicos, praticantes e maioria dos associados, no processo de desenvolvimento (…)” (p. 33 e 34).

Refere o autor que, no associativismo desportivo, o que predomina são os interesses e privilégios de certos grupos e instituições, causando uma situação de carência de ideias e de práticas inovadoras.

No contexto de polivalência de funções e de um papel bastante difícil, em que medida a profissionalização do dirigente desportivo benévolo constituirá uma solução para corresponder às solicitações de que os dirigentes associativos são alvo?

Na opinião de Carvalho (1997, p. 89), não é a hipotética profissionalização do dirigente que irá resolver o problema da complexidade e exigência que se coloca ao dirigente benévolo. Os resultados dos estudos que realizou sobre os clubes populares apontam para a modificação do estatuto do dirigente benévolo, no sentido da valorização e reconhecimento do papel social do dirigente no contexto do movimento associativo e na promoção do desporto como finalidade social.