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Capítulo III – Enquadramento Epistemológico e Metodológico

7. O design do estudo como processo dinâmico: a triangulação

Como vimos anteriormente, a compreensão do processo de tomada de decisão estratégica requer a utilização de instrumentos suficientes e de técnicas adequadas face aos objectivos e às questões de investigação. A nossa intenção metodológica foi utilizar várias técnicas de pesquisa, que se intercomplementam e combinam, privilegiando, no entanto, a abordagem de análise de conteúdo através de um processo marcadamente indutivo. Esta opção, característica de um método de estudo em análise intensiva ou estudo de caso (Almeida & Pinto, 1995, p. 95), permite a utilização de várias fontes sobre as mesmas variáveis e conteúdos, no sentido de compreender o fenómeno social em amplitude e profundidade de um determinado fenómeno.

Apesar de haver um fio condutor que orienta o observador na selecção da informação e na utilização planeada das técnicas de recolha, uma boa parte da análise e interpretação dos dados ocorre simultaneamente e iterativamente com a recolha dos dados (Miles & Huberman, 1994, p. 10). Neste sentido, o processo de recolha dos dados exige aquilo a que os autores chamam de redução dos dados em situação de contexto natural (Miles & Huberman, 1994, p. 10; Marshall & Rossman, 1989, p. 107; Tesch, 1990, p. 96). O design de estudo é, assim, um processo emergente e dinâmico, susceptível de ser adaptado face às informações, opções e análises que são efectuadas no decurso da recolha dos dados. Esta linha está de acordo com os estudos realizados no âmbito da metodologia da investigação qualitativa que apontam para um modelo circular emergente e iterativo, de fases interligadas e sujeitas a feedbacks que

permitem redesenhar as questões e redefinir as técnicas (Guba & Licoln, 1989, p. 178; Huber, 2001, p. 201). Assim, o processo de estudo é visto como o processo dinâmico e flexível, em que a recolha, análise e redução da informação é instantânea e consequente.

Figura 9 - Design de investigação como processo dinâmico.

Não obstante o processo de investigação de natureza flexível ser sistematicamente ajustado face às questões emergentes, aos procedimentos adoptados e às características e dificuldades que vão sendo identificadas com a evolução do estudo, procurámos sintetizá-lo, por fases, incluindo as questões principais que norteiam a investigação.

Fase i - Análise descritiva da estrutura organizacional das AD’s

A primeira fase constituiu um primeiro passo, no sentido de conhecer e descrever a parte mais formal das AD’s, quer no que respeita à sua missão e estrutura organizacional, quer nos objectivos e programas estratégicos. Nesta fase, recorremos à análise dos seguintes documentos: estatutos e o regulamento interno, documentos que constituem o “bilhete de identidade da organização”: o plano estratégico ou plano de actividades de cada uma das organizações - documento que expressa o trabalho projectivo e a sua primeira ilustração da visão estratégica. Adicionalmente, esta fase foi fértil para a recolocação e afinamento das questões e subquestões de investigação uma vez que a leitura flutuante sobre os documentos do corpus constituiu um aspecto importante para orientar a investigação (Bardin, 1977, p. 96).

Compreensão da decisão estratégica

Análise de documentação Observação participante Entrevista P ro fu nd id ad e do c on he ci m en to Questões iniciais Exploração Análise de conteúdo/redução Descrição Observação Redução/reflexão Interpretação/Codificação Conclusões Novas questões e sugestões

R ev is ão /a fi na m en to

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Fase ii - Indicadores desportivos do sector federado

Esta fase reflecte os resultados principais de cada uma das modalidades desportivas na RAM e na competição desportiva nacional e internacional. Com a inclusão dos indicadores quantitativos (número de praticantes federados), associado aos resultados desportivos alcançados nas competições nacionais e internacionais, ficámos com um conjunto de dados que contribuem para compreender as decisões estratégicas das AD’s e, sobretudo, alguns factores de desenvolvimento desportivo que são condicionados pela política desportiva regional.

Fase iii - IDRAM e AD’s

Em múltiplos momentos resultantes da análise de documentação sobre a orgânica e as actividades das AD’s e das sessões da observação das reuniões de Direcção, foram notórias as suas alusões ao papel do IDRAM, quer no que se reporta ao apoio e financiamento do movimento associativo em geral, quer na regulamentação do desporto na RAM. Foi neste contexto que se justificou a necessidade de descrever as relações de apoio do IDRAM ao movimento associativo, através da análise de vários documentos regulamentares, complementado com uma entrevista qualitativa ao respectivo Presidente.

Fase iv - Decisão estratégica das AD’s

A utilização da observação como técnica de pesquisa de informação possibilitou a inferência e a recolha de dados importantes para compreendermos o processo de decisão em contexto natural. Assim, a observação participante das reuniões de Direcção e da Assembleia- geral visou, por um lado, verificar e acompanhar o processo de tomada de decisão e, por outro, identificar as determinantes internas e externas que influenciam as decisões das AD’s. Conforme sugere Burgess (1997, p. 86), a interpretação dos significados e experiências dos actores sociais só pode ser levada a cabo através da participação dos indivíduos envolvidos na investigação. Por outro lado, a entrevista de natureza qualitativa aplicada aos PD’s possibilitou a confrontação do ponto de vista do actor com os dados apurados nas fases anteriores, bem como assim o reforço e esclarecimento de algumas questões e dúvidas que estavam em suspensão.

Conforme foi referido anteriormente, o design da investigação, enquanto processo dinâmico e flexível, sofreu ajustamentos que decorreram da análise de documentação na primeira fase, das dificuldades e das reflexões e subquestões dos dados apurados na observação. A articulação e complementaridade das diversas técnicas de recolha de dados, desde que correctamente utilizada, constitui um potencial contributo para a compreensão dos

processos de análise qualitativa. Miles e Huberman (1994, p. 267) alerta-nos para uma das desvantagens do poder do investigador etnográfico quando se refere ao “monopólio vertical”, recomendando mesmo a triangulação dos instrumentos de pesquisa, sobretudo a observação, a entrevista e a análise de documento, como uma das estratégicas metodológicas para minimizar este inconveniente. Por outro lado, há que ter em conta a necessidade de salvaguardar a fidelidade interna e externa na utilização de técnicas e procedimentos de pesquisa, que porventura sejam passíveis de suscitar algum enviesamento e subjectividade, originados a partir da interpretação do próprio investigador. No âmbito das ciências sociais Massey (1998), num trabalho de análise crítica sobre o uso da triangulação21 como método, refere que:

“Once a proposition has been confirmed by two or more independent measurement processes, the uncertainty of its interpretation is greatly reduced. The most persuasive evidence comes through a triangulation of measurement processes” (p. 184).

A importância e o uso da triangulação tem sido evidenciada por inúmeros investigadores (Baikie, 1991; Guba & Lincoln, 1989; Jicki, 1983; Kirk & Miller, 1986; Knafl & Breitmayer, 1989; Miles & Huberman, 1994; Mathison, 1988; Webb et al., 1966), que a têm utilizado como método de análise e compreensão no âmbito dos estudos etnográficos, baseado nos pressupostos construtivistas. Miles e Huberman (1994) reforçam a relevância da triangulação como meio de utilização de várias fontes, técnicas e métodos no sentido da corroboração dos dados e da análise em profundidade:

“Perhaps our basic point is that triangulation is not so much a tactic as a way of life. If you self-consciously set out to collect and double check findings, using multiple sources and modes of evidence, the verification process will largely be built into data collection as you go. In effect, triangulation is a way to get to the finding in the first place - by seeing or hearing multiple instances of it from different sources by using different methods and by squaring the finding with others in needs to be squared with” (p. 267).

Assim sendo, as questões iniciais podem ser alvo de reformulação e renovação com base nas informações e interrogações que vão sendo colocadas no decurso da própria pesquisa. A flexibilidade é, assim, uma das grandes vantagens dos métodos qualitativos. Moreira (1994, p. 98) destaca que o investigador pode desenvolver os temas de pesquisa à medida que estes surgem e orientar o curso da investigação da forma que foi considerada mais pertinente, sem estar estritamente sujeito a uma fórmula prévia. No nosso processo de

21 O conceito de triangulação tem origem na estratégia militar e foi importado pelos investigadores das ciências

em 1956 por Campbell, como método múltiplo para medir e compreender a construção de um determinado fenómeno social.

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investigação, à medida que avançávamos no terreno (análise dos documentos e observação de reuniões) e procurávamos atribuir determinados significados e categorias às informações, havia, complementarmente, necessidade de as esmiuçar através da utilização de técnicas mais adequadas e poderosas. É neste processo de pesquisa interligada, tal como refere Morse (1991) “simultaneous and sequential triangulation” (p. 122), que procuramos utilizar diferentes técnicas no sentido de afinar as subquestões de investigação e alicerçar a compreensão das intervenções de decisões dos actores em estudo.