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Capítulo III – Enquadramento Epistemológico e Metodológico

5. Questões da validade e fidelidade

De seguida, apresentaremos os procedimentos gerais que foram adoptados para assegurar a validade do estudo e remetemos para as fases de recolha e análise dos dados, a explicação dos procedimentos específicos que respeitámos, em concordância com as respectivas técnicas de recolha de informação.

Em todo e qualquer processo de investigação, o problema da validade refere-se ao facto de saber até que ponto os dados que estão a ser observados correspondem autenticamente ao fenómeno que está a ser estudado. Gauthier (1987) refere que:

“A preocupação com a validade é, antes de mais aquela exigência por parte do investigador que procura que os seus dados corresponda, estritamente àquilo que pretendem representar, de um modo verdadeiro e autêntico” (p. 12).

Durante o processo de investigação, o investigador deve ter presente a coerência entre os objectivos ou as questões de investigação que norteiam o estudo e as técnicas que utiliza para a recolha e análise dos dados. Nesta perspectiva, e de acordo com as indicações de Erickson (1986, p. 140), para se ultrapassar alguns problemas que decorrem da validade do estudo de natureza qualitativa, decidimos efectuar certas opções metodológicas que visam aumentar a consistência das técnicas e a autenticidade dos dados.

Um primeiro problema da validade pode estar ligado à insuficiência das provas para confirmar determinadas asserções. Acontece nos casos em que as técnicas de pesquisa estão desajustadas das questões de investigação ou, então, quando o investigador sente imensas dificuldades na recolha de informações pelo simples facto de haver uma série de factores que obstam uma intervenção mais profícua. No nosso estudo, um dos maiores problemas foram as

dificuldades sentidas na recolha de informações empíricas, pelo simples facto de ser difícil acompanhar os actores organizacionais em determinado período do estudo. Esta dificuldade adveio de certas organizações terem atravessado alguma turbulência directiva17 e não terem

efectuado reuniões periódicas e, consequentemente, tivemos de seleccionar um novo grupo de estudo para a fase de observação das reuniões. Procurámos, assim, assegurar todas as condições essenciais para a participação do observador e a recolha completa e sistemática dos dados que nos interessavam face às questões de investigação.

Do ponto de vista das questões de investigação, elas foram colocadas numa perspectiva aberta e de confirmação a posteriori, dando origem a novas e subquestões, tendo sido validades no decurso da análise e interpretação dos dados proporcionadas pelas primeiras fases do estudo.

Um segundo problema decorre da falta de diversidade no estabelecimento de provas, isto é, o investigador carece de provas baseadas em dados obtidos a partir de fontes diversificadas. Para contornar este problema, optámos por fazer uma triangulação de técnicas e de dados, utilizando complementarmente a análise de documentação específica, a observação e a entrevista qualitativa. Em vários momentos das fases de recolha e interpretação dos dados, encontraremos referências e justificações da importância da utilização da triangulação como técnica de corroboração e complementação da informação analisada.

Um terceiro problema pode emergir, quando ocorre uma interpretação errónea do investigador sobre os significados atribuídos pelos actores aos acontecimentos e intervenções que estão a ser registados. Acontece, muito especialmente, nos casos em que a observação não tem a duração necessária, capaz de recolher informações consistentes ou/e quando não se consegue penetrar o suficiente no fenómeno para poder compreendê-lo com objectividade e independência. Poderá acontecer ainda, quando o investigador não tem uma aceitação e colaboração completa dos participantes, podendo, inclusive, ser induzido em erro, por falsos contributos ou omissões. Para ultrapassar este problema, optámos por uma interacção pessoal de relacionamento afável e de fácil comunicação, conforme sugerem Kirk e Miller (1986, p. 31). Segundo estes autores, a permanência durante um longo período constitui a melhor verificação da validade dos conhecimentos produzidos. A realização da observação durante um período superior a seis meses e o alcance de uma amostragem de reuniões superior a 70%

17 Por exemplo, duas AD’s estiverem vários meses sem a realização de eleições por não haver candidatos para os

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contribuiu para confirmar a consistência dos dados e dos procedimentos adoptados pelos dirigentes no que respeita à estrutura do processo de tomada de decisão.

Tendo sido uma das técnicas mais utilizadas neste processo de investigação, a observação das reuniões de Direcção exigiu a adopção de procedimentos específicos a que faremos referência na respectiva fase. Contudo, um dos aspectos mais importantes para concentrar a atenção do observador nas intervenções e decisões do órgão directivo foi o apuramento de dados e reflexões na primeira fase - análise de documentação dos planos e regulamentos das AD’s. Esta primeira fase permitiu alicerçar e fundamentar algumas questões e subquestões de investigação que foram revisitadas e aprofundadas nas fases posteriores, através da técnica da observação e da entrevista qualitativa. Houve, portanto, toda a intenção da investigação em adequar as técnicas de recolha dos dados à natureza das questões e subquestões de investigação, procurando a consistência dos processos e dos dados.

Quadro 13 - Factores determinantes para a validação do estudo

Factores Justificação

Proximidade investigador - participante

A proximidade entre o investigador e o participante no estudo decorreu dos contactos prévios e da fase inicial de análise de documentação.

A experiência e conhecimento do observador no domínio do dirigismo desportivo podem constituir factores de aproximação importantes.

No processo de observação, utilizámos uma participação passiva e discreta no início, procurando descrever as intervenções e destacámos as dúvidas e reflexões. Este procedimento metodológico proporcionou um fortalecimento na relação com os participantes e facilitou a fase de aplicação da entrevista. Consolidação das questões e

subquestões de investigação

As questões e subquestões de investigação foram revisitadas, afinadas e consolidadas no decurso da confrontação dos dados emersos a partir da análise de diferentes documentos e das notas reflexivas da observação das reuniões de Direcção.

Duração da observação

A realização de um período prolongado de observação (entre seis a oito meses) das reuniões de direcção possibilitou a recolha de informações mais completas, consistentes e adequadas à compreensão do objecto de estudo. Triangulação

Confrontação dos dados obtidos a partir da utilização de várias técnicas: análise de documentação específica, observação participante e entrevista qualitativa que proporcionou um maior poder de validade teórica.

Técnicas recorrentes

Complementarmente à triangulação, fizemos revisitas às dúvidas que decorriam das sessões anteriores, no sentido de os participantes poderem esclarecer os dados e utilizámos a entrevista recorrente para reconfirmar os dados transcritos.

Interpretação baseada na descrição e confrontação dos dados

Nas primeiras fases do estudo, adoptámos uma interpretação baseada na descrição e reflexão dos dados apurados a partir da análise de documentação. As subquestões de investigação permitiram entrar num campo de análise e interpretação mais profundo e completo. A corroboração dos dados nas diferentes fases do estudo aumentou o poder de validade.

Documentação e justificação dos procedimentos metodológicos

No processo de investigação qualitativa, a documentação sistemática e a explicitação dos procedimentos adoptados em todas as fases constituíram um factor de reforço da validação.

Como fontes de contributo para a validade teórica, foi nossa preocupação efectuar a quantidade de observações participantes nas reuniões de direcção, durante um longo período (seis a oito meses), de forma a assegurar a recolha de informação suficiente para responder às nossas questões de investigação. Para além de termos acompanhado as reuniões de Direcção durante um período alargado, a adopção de um estilo de participação discreta quando necessária, activa quando pertinente, permitiu estabelecer um clima de comunicação aberto, franco e positivo. Este procedimento foi ainda reforçado pelas conversas informais tidas fora do âmbito das reuniões, mas que ajudaram a manter um elo de colaboração estreito e profícuo. A fidelidade na investigação qualitativa refere-se à replicabilidade das conclusões, isto é, diferentes investigadores, utilizando os mesmos procedimentos, deverão chegar às mesmas conclusões ou resultados idênticos sobre o mesmo fenómeno. Esta preocupação resulta do pressuposto de que todos os investigadores qualitativos devem estar conscientes das dificuldades colocadas pela sua própria subjectividade, quer no que respeita ao tipo de registo e análise de dados, quer ainda na interpretação que o investigador faz sobre os próprios dados. Para que se consiga superar as dificuldades relacionadas com a generalização das conclusões, recomendam os investigadores qualitativos que o projecto de investigação seja o mais completo e explícito possível quanto ao método e às técnicas, de modo a que os autores independentes possam repetir os mesmos procedimentos em contextos comparáveis (possibilidade de transferibilidade). Conforme defendem McMillan e Schumacher (1989), invocados por Vieira (1999, p. 93), na investigação qualitativa, a fidelidade tem a ver, não com os instrumentos de per si, mas sim com a consistência do estilo interactivo do investigador, do tipo de registo dos dados e da interpretação que este faz dos significados individuais, recolhidos durante o trabalho de campo com os participantes. Por isso mesmo, podemos considerar o investigador como o principal instrumento de recolha de informações.

Para que pudesse constituir um instrumento útil de verificação da fidelidade e validade, o nosso estudo foi baseado num processo que demanda numa explicitação dos procedimentos de observação e entrevista, percorridas num tempo de médio prazo em interacção com as organizações e, por isso, dificilmente partilhadas e garantidas por mais do que um investigador. Segundo Kirk e Miller (1986, p. 42), as notas tomadas no trabalho de campo constitui um instrumento útil de verificação da fidelidade, particularmente quando são utilizadas técnicas de recolha que se complementam.

Por outro lado, a experiência do investigador como dirigente desportivo voluntário de um clube local permitiu um conhecimento mais rico e natural da vida dos clubes e AD’s. Este ponto forte não só possibilitou uma mais valia na compreensão dos processos, documentos e

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da própria organização como também facilitou a aproximação e aceitação dos dirigentes que participaram no estudo.

Finalmente, admitindo que todo e qualquer projecto de investigação qualitativa pode ser facilmente censurável, aparentemente pela sua fragilidade, mas sobretudo pela sua sensibilidade, singularidade e complexidade (típico dos estudos de análise intensiva), há um aspecto que merece realçar: a documentação sistemática dos procedimentos utilizados durante o processo de investigação, comprovado pelo extenso espaço de explicação, justificação e reflexão sobre as técnicas de pesquisa e os procedimentos adoptados. A este propósito, os investigadores Miles e Huberman (1984) criticam certas investigações que omitem a descrição documental e exaustiva dos procedimentos e das técnicas, impedindo, inclusivamente, um contributo para a validação externa:

“A documentação dos procedimentos veicula informações precisas que possibilitam, através de uma análise de segundo nível, confirmar os resultados obtidos por meio de diferentes técnicas, integrar esses resultados numa outra investigação ou fazer a síntese de diversos estudos incidindo sobre o mesmo objecto de análise” (p. 23).

Com base nestes postulados metodológicos, optámos, então, por fazer um registo mais ou menos exaustivo das diferentes fases do processo de investigação, descrevendo todos os procedimentos metodológicos, a escolha e justificação das técnicas utilizadas, as dificuldades e os constrangimentos sentidos e ainda o espaço para as reflexões e alguns dilemas éticos que são enunciados no ponto seguinte.