• Nenhum resultado encontrado

Capítulo I – A Decisão Estratégica e o Modelo Político

4. Da racionalidade limitada ao modelo político-organizacional

4.3 Modelo político na tomada de decisão

Os contributos de Simon realizados nos anos sessenta, consubstanciados nos processos de observação do funcionamento das organizações em diferentes planos de gestão, inspiraram novas perspectivas de abordagem do comportamento organizacional. Uma das limitações dos seus trabalhos foi precisamente o facto de não ter explicado claramente os jogos de interesses e de poderes no seio das organizações. Se, por um lado, os seus trabalhos foram um excelente contributo para perceber os procedimentos formais das organizações (no que respeita aos problemas típicos e previsíveis), por outro admitiu com demasiada facilidade que as regras são efectivamente seguidas à letra e não tomou suficientemente em consideração os jogos e as estratégias dos membros da organização em relação aos instrumentos de gestão. Esta última limitação poderá ser uma das características das AD’s, na medida em que os dirigentes, ao exercerem um papel de natureza benévola, poderão munir-se de interesses e objectivos pessoais que ultrapassam os objectivos da organização. Por isso, os estudos de análise e compreensão da decisão estratégica numa organização em regime de voluntariado não pode deixar de considerar os factores relacionados com os conflitos, os interesses de poder e as jogadas internas, entre outras dimensões não contempladas nas teorias do modelo neo- racional ou incrementalista.

No modelo político, a organização é vista como um conjunto de membros com funções e poderes específicos (integrados numa estrutura mais ou menos precisa) que analisa

Capítulo I – A Decisão Estratégica e o Modelo Político

26

e decide sobre situações particulares. De um modo geral, a organização não tem objectivos claros e os seus elementos da organização são dotados de interesses, objectivos próprios e controlam diferentes recursos: dinheiro, pessoas, estatuto, ideias, informações, documentos, etc. Os objectivos são discutidos e redefinidos a partir da interpretação que os actores fazem da situação, tendo em conta os interesses e as fontes de poder. A actividade da organização é vista, assim, como um jogo, no qual se utilizam processos, estratégias e recursos a partir da interpretação e influência dos jogadores (actores) que detêm o poder decisional ou mesmo dos

stakeholders). No modelo político admite-se a mudança na organização mas o seu domínio é

difícil e depende da estrutura dos jogos de poder, das estratégias particulares e das relações de confiança e entreajuda dos vários intervenientes, bem como da influência do próprio ambiente. Numa extremidade, o processo político dá uma mudança lenta e progressiva (por pequenos golpes) que não abala o edifício das relações entre jogadores; na outra, encontra-se a revolução, a subversão completa das regras do jogo, da distribuição dos recursos e da lista dos jogadores.

Os critérios de escolha de uma dada decisão não é a sua contribuição para a satisfação de objectivos pré-existentes mas o grau de acordo que suscita entre os participantes. Tendo em conta que os responsáveis pela tomada de decisão são elementos que pertencem a determinados grupos (organização, família, clubes, etc.), é natural que as suas opções e acções sejam influenciadas por factores intrínsecos e extrínsecos. Muitas vezes, são estes factores que alimentam os critérios de opção para a tomada de decisão, particularmente quando os actores organizacionais evidenciam interesses e objectivos pessoais.

No modelo político, na análise e investigação das particularidades do problema, o responsável pela decisão limita-se a considerar aquilo que interessa, negligenciando certos aspectos do problema. Não considera, por exemplo, todas as consequências de uma determinada decisão e as alternativas que coloca são, geralmente, reduzidas. Há, portanto, alguma incoerência nos processos de tomada de decisão na medida em que as informações utilizadas são pouco consistentes e inconsequentes.

Do ponto de vista da análise da organização enquanto jogo político, em que o poder é o cerne da questão, as decisões estratégicas são, ao mesmo tempo, ocasião e objecto de lutas internas. Por isso, as estratégias que possam daí resultar são muito mais emergentes e assumem mais a forma de posições do que de perspectivas. Mintzberg, Lampel e Ahlstrand (2000) advogam que o poder originado no interior da organização (poder micro) vê a formação da estratégia como um processo de interacção e de lutas internas:

“Persuasão, lutas e às vezes, confronto directo, na forma de jogos políticos, entre interesses estreitos e coligações inconstantes, em que nenhum predomina por um período significativo” (p. 191).

Dos inúmeros artigos e contributos publicados por Mintzberg (1989, 1995 e 2000) acerca da organização como modelo político, realçamos a lista dos principais jogos políticos que se podem identificar numa determinada organização, conforme nos indica o quadro seguinte.

Quadro 7 - Os jogos políticos nas organizações (Mintzberg, 1995)

Jogos Políticos Características

Insubmissão Jogo praticado por actores, à partida pouco poderosos que visam contestar uma decisão ou a autoridade instalada. Alimentam-se de informações privilegiadas, fruto das práticas que desenvolvem.

Submissão Jogo efectuado por actores que detêm a autoridade (poder formal) e que usam os meios políticos e legítimos para submeter os elementos da organização às suas directrizes. Aliança Jogo de aliança entre dois ou mais actores internos (geralmente elementos de topo) que implicitamente acertam acordos para aumentar a base de poder e que visam progredir na

organização. Construção de império

Jogo de aumento da base de poder de um actor ou dirigente através da ampliação das competências que lhe são reservadas. Sugerem alianças internas com possibilidades de aumentar o poder e a protecção interna.

Orçamentação

Jogo de forma aberta e com regras claramente definidas para construir uma base de poder, semelhante ao anterior mas em que o prémio consiste em recursos e não posições ou unidades.

Perícia Jogo de utilização de perícia e de conhecimentos técnicos, não autorizados, para construir base de poder na organização. Domínio Jogo praticado pelos actores quando utilizam o poder legítimo (autoridade formal) sobre os que têm menos ou nenhum poder, com a intenção de aumentar a base de poder.

Direcção versus assessoria

Jogo de rivalidade entre pares, jogado não apenas para ampliar o poder pessoal, como também para derrotar um rival. Por exemplo, dirigentes de topo com poder de tomada de decisão contra conselheiros de assessoria com conhecimentos especializados.

Jogo de rivais Jogo para derrotar um rival que ocorre tipicamente quando jogos de alianças ou de construção de impérios resultam em dois grandes blocos de poder, originando muitas vezes um conflito interno.

Mudança no topo Jogo de candidatos estratégicos que se propõem alcançar um cargo, com ou sem apoio de pares ou superiores, tendo por objectivo mudar o equilíbrio na organização.

Denúncia

Jogo praticado por actores que detêm o poder de informação, normalmente um subalterno, transmitindo informação privilegiada para o exterior sobre uma alegada infracção ou incorrecção. Este tipo de jogo tem por finalidade provocar a mudança na organização.

Young turks game

Jogo praticado por certos actores que estão próximo dos centros de decisão e que procuram reorientar a estratégia básica da organização ou deslocar uma parte importante do seu conhecimento essencial, ou mesmo substituir a sua cultura ou livrá-la da sua liderança.

Para Mintzberg (1995), estes jogos políticos têm muitas vezes processos rígidos implícitos, próprios da identidade e do estilo de gestão da organização (p. 131). Todavia, essas regras podem ser objecto de transgressão por actores que desejam uma mudança radical, podendo, assim, a organização transformar-se numa arena política, colocando-a numa situação de possível crise de gestão. A contribuição essencial do modelo político é chamar a atenção para as interacções particulares no seio das organizações, para os jogos de poder que

Capítulo I – A Decisão Estratégica e o Modelo Político

28

existem discretamente no interior das mesmas e que um determinado desenho organizacional pode ocultar. Se, por um lado, a sua utilização e aplicação em organizações cujos processos se assemelham, por exemplo, às organizações desportivas sem fins lucrativos, onde os processos e as estratégias são discretas e particulares, baseada em modelos tipicamente não racionais, por outro, a complexidade onde actuam exige o domínio e o tratamento de mais e melhor informação no suporte das decisões estratégicas. Neste sentido, o exercício de poder e de influência é gerado a partir do aproveitamento que os dirigentes fazem da informação. Em conformidade com os trabalhos realizados por Schwenk (1986, p. 202), concluiu-se que a informação é entendida como uma fonte de poder, sendo mesmo um dos factores determinantes no processo de decisão estratégica.

Ainda na perspectiva do jogo político, Michel (1993) apresenta três processos frequentes nas organizações desportivas: a cooperação, a confrontação e a conciliação ou coabitação (p. 604). Outros trabalhos foram realizados destacando-se o papel e o poder dos actores na organização, designadamente os de Crozier (1977), Mintzberg (1989) e de Romalaer (1982) cujos objectivos visavam a compreensão das actividades dos actores das suas decisões como resultantes da configuração de poderes.

Ao nível da coligação ou aliança interna nas organizações desportivas, Correia (2000), ao estudar uma Federação Portuguesa de modalidade (em 1994), concluiu que o poder dos dirigentes advinham das competências, da autoridade, das relações exteriores, da disponibilidade temporal e do acesso à informação (p. 47). Nesta organização, a tomada de decisão era fruto do processo de negociação entre os dirigentes tendo em vista o alcance de uma posição consensual. Por seu lado, os técnicos superiores de desporto influenciavam a decisão pelos conhecimentos específicos e técnicos que possuíam da modalidade e, também, por serem os actores que detinham competências ao nível intermédio e operacional (idem).

O poder pode ser também originado no exterior da organização (poder macro). As alianças estratégicas entre duas ou mais organizações pode ser vista numa perspectiva de parceria, tendo em vista o alcance de ganhos para ambas as partes (Thibault, 1999, p. 39) ou, numa perspectiva mais política, o meio pela qual uma organização tem interesses e exerce o poder de controlo sobre a outra organização. A interferência, o poder e controlo externo podem variar conforme a natureza da aliança, o processo de negociação e os interesses de ambas as entidades.

No estudo que aplicou à Federação Portuguesa de Ginástica em 1994, Correia (2000) verificou a ocorrência simultânea de fortes influências da coligação interna e externa na decisão (p. 47). A coligação externa é constituída, fundamentalmente, na relação estreita e de

dependência que estabelece com o Estado (p. 48), enquanto o poder das associações advém do número de praticantes e de clubes e assume o papel exclusivo dos interesses regionais.

Considerando as AD’s como organizações que têm por missão a promoção de um serviço desportivo de interesse reconhecido e geral, cujos apoios estão dependentes da Administração Pública Regional (APR), é natural que o poder seja condicionado por decisões políticas e de financiamento ao desporto (Nutt, 2000, p. 81). Por exemplo, no caso do desporto português, Tenreiro (2004), através da abordagem económica e do papel do Estado, identificou e justificou que no período de 1995 a 2003 se assistiu à estagnação da afectação dos recursos financeiros e dos resultados desportivos, particularmente na alta competição (p. 67). Para além disso, apresentou uma visão bastante crítica sobre a capacidade e organização do movimento associativo, referindo mesmo que:

“As organizações do associativismo desportivo estão falidas tecnicamente e os resultados desportivos estão abaixo dos países similares a Portugal, (…)” (p. 68).

Na mesma linha de análise crítica, realçamos a comunicação de Constantino (2005), no Congresso Ibérico de Gestão do Desporto (Associação Portuguesa de Gestão do Desporto, Guimarães), quando referia que o Estado precisa ver clarificado o seu papel de interventor no apoio ao Desporto, isto é: precisa de passar de um “Estado problema” para um “Estado parceiro”. Entende o autor que o Estado tem desempenhado mal o seu papel na medida em que:

“Centraliza as decisões e os poderes, domestica as colectividades e o movimento associativo. O Estado deve passar de um Estado mais Estado, para um Estado que estimula a iniciativa, que regula e fiscaliza” (p. 50).

Neste sentido, é necessário ao Estado estabelecer uma articulação com o movimento associativo a fim de assegurar uma cooperação a vários níveis de intervenção. Definir as normas que regem o desporto, assumir uma maior regulação da actividades e dos apoios ao movimento associativo e estabelecer um sistema de avaliação das competências e delegações no movimento associativo, são os novos desafios que se colocam ao Estado. Neste contexto, entende Constantino que o Estado deve funcionar mais como um parceiro do que um “Estado problema”. Utilizando a expressão metafórica “o estado não precisa de apitar muito, basta que apite bem para ser eficaz”, advoga um papel mais regulador e eficiente no controlo das actividades e dos apoios ao movimento associativo. Por seu lado, invocando Tenreiro (2004) acerca do estudo dos recursos financeiros das associações e dos clubes desportivos, estas organizações necessitam de uma maior eficiência na gestão dos recursos disponíveis e de um maior equilíbrio e rigor financeiro (p. 79).

Capítulo I – A Decisão Estratégica e o Modelo Político

30