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Fase iv Decisão estratégica das associações desportivas

3. Observação das reuniões de Direcção como técnica de recolha de dados

3.6 Reflexões decorrentes da observação e do método

No processo de observação fomos obrigados a fazer uma selecção ou filtragem da informação relevante face às questões da investigação que guiavam os passos do observador. Seria praticamente impossível fazermos um registo completo de todas as informações que ocorreram no contexto das reuniões de Direcção, embora nas primeiras observações tivéssemos tido a preocupação de registar a maior parte da informação que estava a ser verbalizada. O problema da capacidade limitada do observador para atender, perceber e registar as intervenções dos diversos actores organizacionais, é reconhecido pelos investigadores qualitativos como um dos problemas que decorrem do primeiro nível de análise e interpretação. Para podermos seleccionar os dados relevantes para a investigação precisamos de perceber e associar os conteúdos e as questões em discussão ao fio condutor (questões e subquestões de investigação) e assumir um registo descritivo dos aspectos essenciais. Assim, durante a observação não nos foi possível fazer uma descrição completa dos acontecimentos. Optámos por emitir notas descritivas resumidas, destacando as intervenções dos dirigentes, utilizando símbolos, aspas e realçando certas palavras, analisadas após a reunião ou no dia seguinte, em jeito de descrição mais exaustiva.

Por outro lado, no processo de escolha do texto descritivo, reconhecemos uma carga de subjectividade, particularmente ao nível da terminologia utilizada e que não é possível de eliminar totalmente, apesar de muitas das intervenções terem sido anotadas entre aspas.

Destacamos o dilema que sentimos entre a análise e a redução das informações respeitantes à natureza da decisão da organização e, por outro lado, as acções, intervenções, opiniões e características particulares dos dirigentes e dos elementos que participaram nas reuniões de Direcção. Neste sentido, tivemos necessidade de dissociar as intervenções respeitantes aos assuntos individuais e particularidades que não se enquadravam no contexto da ordem de trabalhos, dos assuntos que mereciam ser alvo de atenção selectiva e de análise a

posteriori.

Há ainda a salientar a ocorrência e registo de expressões peculiares, de metáforas e ironias dos dirigentes, para percebermos o conteúdo das mensagens e das intervenções dos dirigentes desportivos no contexto de discussão e da tomada de decisão. A interpretação dos comportamentos e verbalizações dos dirigentes deve ser descrita e entendida no contexto de interacção dos participantes, o que pressupõe um cuidado na descrição introdutória das notas de observação e nos comentários adicionais do observador. A complexidade deste problema aumentou quando soubemos que os dirigentes desportivos poderiam desempenhar mais do que um cargo no seio das AD’s ou na própria modalidade desportiva, o que em alguns casos se verificava.

Durante as sessões de observação e, especialmente, nos momentos informais (pré e pós reunião), à medida que emergiam algumas perguntas - e não obstante terem sidas esclarecidas algumas dúvidas - fomos tentados a responder e a dar o nosso contributo sobre os temas em análise e a nossa opinião sobre o futuro das AD’s e o papel dos dirigentes voluntários. Esta pergunta, num contexto de uma conversa franca e dinâmica (interactiva), não poderia ser escamoteada pelo próprio observador. Sentimos que deveríamos corresponder de forma frontal e de acordo com as ideias e concepções que advogamos sobre o tema do dirigismo voluntário e do papel das AD’s, mas também esclarecemos que a opinião manifestada não poderia ser misturada com a investigação em curso, pelo menos na fase em que foi efectuada. O ponto de vista que manifestámos era reflexo de uma experiência e de um passado recente no dirigismo desportivo, que nesta fase do relatório não nos parece importante registar.

Durante o processo de observação, e tendo em conta o conhecimento e a nossa formação em Educação Física e desporto, fomos confrontados com questões mais concretas relacionadas com a área da Educação Física e dos professores. Pretendiam os dirigentes que a nossa presença fosse, assim, mais participativa e útil à organização. Em certa medida, passou- se de uma participação passiva para um nível de contribuição activa, por exemplo: o observador passou a fazer parte da solução ou, pelo menos, tentou auxiliar a resolução de alguns problemas (…). Este nível de participação ocorreu em situações excepcionais e em diferentes momentos de sessões de observação. Por exemplo, numa das sessões de observação da reunião de Direcção da AD 10 (em que se analisava a pertinência e o desenho curricular do curso de treinadores de nível III), foi pedido ao observador uma opinião sobre o desenho curricular e a relação que deve existir entre a carga horária lectiva de cada uma das disciplinas e o modelo de realização dos trabalhos de cada disciplina. Perante o desafio, e tendo em conta que a questão se colocava a um nível técnico e não afectava a investigação em curso, o observador assumiu um contributo franco e aberto mas teve o cuidado de não penetrar nas questões e assuntos específicos da modalidade que estivessem relacionados com o tema em discussão (formação de treinadores). No nosso entendimento, há que adoptar algum cuidado na observação participante, concentrando a atenção selectiva no problema em estudo e, sem prejuízo do processo de investigação, contribuir dentro das possibilidades e capacidades. Naturalmente que uma maior confiança entre o observador e os elementos que fazem parte do estudo poderá ser conquistada se houver também uma participação activa do observador e, consequentemente, um melhor aproveitamento da sua presença nas “visitas” à organização. Para minimizar os problemas decorrentes de uma participação activa sistemática, um dos compromissos assumidos e, já referenciado no estudo, foi a “devolução” dos dados e das

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conclusões do estudo às direcções das AD’s. Depois de terminado e aprovado o doutoramento, o investigador deverá apresentar a cada uma das AD’s o conjunto de resultados gerais e específicos, incluindo pontos de vista e comentários críticos baseados no estudo mas que ultrapassam a natureza e dimensão do mesmo.

Embora as direcções das AD’s reunissem geralmente uma vez por semana ou de quinze em quinze dias (excepto a de canoagem), foi admitido por alguns dirigentes e confirmado pela interligação dos assuntos entre duas reuniões de Direcção consecutivas que a resolução de problemas e tomada de decisões nesse período era uma realidade. Contudo, esta necessidade era pouco frequente nas AD’s que reuniam semanalmente e, supostamente, aconteceu nos casos em que houve necessidade de tomar decisão de carácter urgente.

Não obstante a adopção de um plano de observações, que incluiu, por vezes, duas sessões por dia - uma no final da tarde, outra após o jantar - nem sempre foi possível controlar a realização efectiva e o horário das reuniões de Direcção. Apesar de ter havido regularidade (semanal/quinzenal) nas reuniões de Direcção, algumas eram confirmadas e adiadas, ou mesmo antecipadas, na véspera ou no próprio dia, outras vezes, os horários eram ajustados por razões ligadas à actividade profissional ou pessoal dos seus dirigentes81. Estas situações,

particularmente os atrasos superiores a trinta minutos e o cancelamento das sessões geraram algumas dificuldades no acompanhamento do investigador face às observações que tinha planeado realizar.

Uma reunião de Direcção pode durar entre quarenta minutos e três horas e meia, mas o seu relatório pode ser completamente desproporcional ao tempo de duração. Assim, por exemplo, as reuniões que demoraram uma hora e trinta minutos chegaram a ter uma redacção em processador Word de três horas, enquanto que para a redução a escrito de reuniões que duraram três horas, bastaram pouco mais de duas horas. Esta desproporcionalidade pode ser explicada por duas características particulares dos dirigentes voluntários: por um lado, a existência de muitas conversas paralelas e irrelevantes que emergiram no decurso da ordem de trabalhos; por outro, a escolha e aproveitamento dos dados que o observador efectuou face às questões de investigação. Haverá um terceiro factor, relacionado com a estrutura organizacional da AD, respeitante à divisão de papéis entre os dirigentes profissionais e voluntários, e ao apoio do DT no processo de tomada de decisão, mas estes são aspectos que serão retomados mais adiante.

81 Relembramos que os dirigentes em estudo são, na sua larga maioria, voluntários e desempenham as suas

Com maior incidência nos momentos pós reunião, notou-se nas intervenções dos dirigentes uma riqueza de informação expressa em desabafos, expressões, críticas, dúvidas, comentários e que constituíram dados importantes para entender alguns dos assuntos analisados nos instantes anteriores. Por motivos que se prendem com a ética do investigador, optámos por não registar a maioria destes sentimentos e expressões. Apercebemo-nos igualmente da necessidade dos dirigentes terem os seus momentos de privacidade, às vezes depois de terminada a reunião de Direcção. Nessas circunstâncias, optámos por respeitar este princípio e deixámos caminho aberto para os elementos da organização poderem confidenciar. Isto não significa que as questões que não foram suficientemente esclarecidas numa sessão de observação, não tivessem sido revisitadas e colocadas junto dos actores da organização num momento apropriado.

Para minimizar os efeitos da presença do observador nas reuniões de Direcção optámos, estrategicamente, por observar passiva e discretamente as reuniões e, por outro lado, permanecer na organização durante um tempo suficiente para comprovar a consistência dos padrões do processo de tomada de decisão e das acções dos dirigentes associativos. Um dado objectivo que comprova esta preocupação esteve na taxa de observação, na maioria dos casos superior a 74% do número de reuniões realizadas ao longo de seis a sete meses, além de outras fontes de informação e de contactos informais que facilitaram a confiança e o clima de cordialidade entre o investigador e os dirigentes. Todavia, não obstante o nosso empenho, admite-se que tenha havido, em algumas organizações, alterações na forma de trabalho, a omissão de alguns assuntos e suas iniciativas, pelo facto de saberem que estavam a ser observados e estudados. Este pressentimento aconteceu muito particularmente com a AD10, curiosamente uma das AD’s com quem tínhamos uma relação de maior abertura e confiança pelo facto de já nos conhecermos. Depois de analisados os resultados respeitantes à estrutura da Direcção e às dimensões internas das fontes de poder, verificámos que os dois dirigentes da mesma organização que detinham um poder acrescido no controlo da informação e dos recursos financeiros eram dirigentes profissionais e trabalhavam na mesma sala. É possível que a intrusão do observador nas reuniões tivesse alterado os padrões de funcionamento destes dois dirigentes.

No que respeita aos assuntos relacionados com a contratação de técnicos, a gestão de conflitos pessoais, as questões financeiras e as listas candidatas aos órgãos sociais, sentimos da parte dos responsáveis das organizações a necessidade de salvaguardar algumas informações. Desconfiámos que algumas destas matérias não foram analisadas em reunião de Direcção com a intenção de evitar a partilha de informação, apesar de termos assumido e declarado o respeito pela privacidade e confidencialidade dos dados recolhidos. Por outro

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lado, quando numa reunião observámos atitudes de ataques pessoais, em que se utilizou uma linguagem violenta e imprópria para o dirigismo desportivo, decidimos não registar as intervenções dos actores. Estas informações só poderiam ser consideradas nas reflexões e comentários críticos do observador e serviram também para entender as dimensões relacionadas com os valores desportivos (ética e fair-play), os interesses e conflitos entre os agentes desportivos.

Para além da preservação do anonimato (pela utilização de nomes fictícios), tivemos a preocupação de evitar datas, eventos específicos, locais, e outras informações particulares que fossem susceptíveis de identificar o nome da pessoa ou da organização e, consequentemente, quebrar o compromisso assumido pelo investigador, em relação ao (respectivo) anonimato e privacidade.