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1A (UMA): COMPOSIÇÃO DO MOVIMENTO E MONTAGEM

II. 1.1 – PERFORMANCE E INTÉRPRETE-CRIADOR

II. 3 COMPOSIÇÃO DO MOVIMENTO E MONTAGEM DE 1A (UMA)

O fenômeno da teatralidade nos auto-retratos de Cindy Sherman, manifestada a partir do jogo de transformação da auto-imagem da artista, foi uma das características principais (além da criação de personagens) que procurei trabalhar em 1A (UMA). Porém, esse jogo não está focado no trocar-se, na ação de tirar e colocar roupas. O que as fotografias de Sherman dão a ver, são identidades montadas, que, por comparação, entre uma foto e outra, reportam a uma atividade ausente, que é o ato de desmontar e montar “novas” identidades/personagens. A simultaneidade das auto-imagens de Sherman num mesmo espaço (museu) ou página (livros de arte), permite ao espectador de suas fotos acessar e reviver uma foto (por exemplo, imagem-Sherman-dona de casa) em comparação com outra foto (imagem-Sherman-sexy), num contínuo ir e vir, entre uma personagem e outra.

Foram a partir dessas questões que a performance foi elaborada, chegando em um resultado, dentro de cinco meses de ensaio e montagem, que constitui a etapa final dessa pesquisa. Apresento no quadro abaixo um esquema/roteiro da performance 1A (UMA), apresentada em julho de 2007 no Teatro Ademir Rosa, por conta do projeto Mergulho no

Palco, para em seguida comentar sobre como se deram os ensaios e a montagem.

Fundamental para o resultado obtido foi a parceria criada com o artista plástico Roberto Freitas75, não só pelas conversas e idéias, mas também pelo tempo dedicado pelo artista à captura e montagem das imagens projetadas na cena, que são muito importantes no trabalho.

O esquema apresentado no quadro se ocupou de descrever as relações da atriz- dançarina com os outros elementos da cena. Portanto, o esquema não se ocupa de descrever os movimentos e gestual da artista, que serão comentados no próximo capítulo.

ROTEIRO 1A (UMA)

Na cena, encontra-se no fundo do palco uma tela branca, de quatro metros de largura e três metros de altura. No canto direito, do ponto de vista do espectador, um pouco a frente e afastado da tela, vê-se um cabideiro que sustenta um figurino (peruca chanel loira, vestido vermelho, capa de chuva vermelho). No canto esquerdo, uma flor no chão. O espetáculo tem meia hora de duração.

01

Música: compositor Alva Noto (música eletrônica) (livre mixagem de Roberto Freitas)

De costas, muito próxima da tela, a atriz-dançarina se encontra em pé, parada, vestida com um macacão branco, largo e com capuz. Nenhuma iluminação no palco. Uma imagem (do tamanho da tela) é projetada76 sobre a tela e a atriz-dançarina. Ao mesmo tempo

começa a música. A imagem, em movimento, mostra uma floresta. Enquanto essa imagem é projetada, a atriz-dançarina se desloca, de costas e lentamente, para o canto direito da tela. Quando pára no canto direito, dá uns passos para trás, fazendo sombra na projeção. E, em seguida, se aproxima da tela, fundindo-se novamente com a imagem projetada. A imagem some.

02

Música: Compositor Alva Noto (música eletrônica) (livre mixagem de Roberto Freitas)

Sobe a luz. A atriz-dançarina tira o capuz, e se vira para o público. Desenvolve uma dança “tímida”, limitada a um deslocamento lateral, da direita para a esquerda, até retornar para a direita. Coloca o capuz, vira de costas, e se aproxima da tela. Projeta-se sobre a atriz a imagem dela mesma, em tamanho natural, usando o mesmo macacão e colocando o capuz. A atriz continua parada enquanto uma seqüência de personagens, que é a atriz mesma, é projetada sobre ela (ao todo são 9 personagens). Fim da projeção.

03

A atriz-dançarina se desloca para a esquerda, próxima da tela. Quando chega na esquerda, mais projeções de personagens sobre ela, que permanece parada, em pé, de costas. Fim da projeção.

04

Música: Compositor Ricardo Vila-Lobos (música eletrônica)

A atriz-dançarina tira o capuz, se vira para o público e desenvolve a coreografia de dança. Em um dado momento da dança, na qual desenvolve deslocamentos da esquerda para a direita e vice-versa, projeta-se na tela uma personagem (sempre em tamanho natural) que caminha da direita para a esquerda e se abaixa. A atriz- dançarina se aproxima da tela e faz o mesmo trajeto. Quando abaixa no canto esquerdo, projetam-se personagens (não simultâneas, mas em seqüência) que caminham da direita para a esquerda e abaixam onde está a atriz-dançarina. Quando uma personagem se levanta e caminha para a direita, a atriz-dançarina acompanha a projeção, de modo que a personagem fica projetada sobre o corpo da atriz. Fim da projeção.

05

Música: Compositor Ricardo Vila-Lobos (música eletrônica)

A atriz se afasta da tela e desenvolve no espaço a coreografia, que é mais longa e “agitada” (como a música). Em um dado momento da dança, se aproxima da tela, no centro, e as personagens retornam projetadas, também no centro, mas desenvolvem movimentos “agitados”. O “troca-troca” de personagens é mais constante. O final da música coincide com o final da projeção.

06

Silêncio e música: Banda “TV on the radio” (Rock)

Silêncio. A atriz-dançarina se afasta da tela, e inicia uma seqüência de movimentos, no qual vai se desvencilhando do macacão branco, e revelando por baixo dele uma das personagens projetadas na tela (a personagem “jardineira”). A atriz dançarina, com sua “nova identidade”, caminha em direção à flor, a recolhe e aproxima-se da tela. Começa a música, e a atriz repete partes das coreografias dançadas anteriormente (largando eventualmente a flor, mas a recuperando em seguida).

07

Idem (música anterior)

Aparece no canto esquerdo da tela a projeção da personagem “capuz vermelho”. Ambas, personagem projetada e atriz- dançarina, dançam a mesma e pequena seqüência. Fim da projeção.

08

Ruído criado por Roberto Freitas

A Atriz-dançarina, que está vestida como personagem “jardineira”, caminha em direção ao centro do espaço, enquanto se projeta a personagem “jardineira” sobre a atriz. A atriz-dançarina deixa a flor próxima ao macacão que se encontra no chão e sai em direção ao cabideiro para trocar de roupa. Enquanto se troca, aparece projetados na tela as personagens correndo de um lado para o outro. Fim da projeção.

09

Música de Roberto Fretas a partir do texto de Jon Cage (extraído do vídeo Global Groove de Nam June Paik)

A atriz-dançarina, já vestida como “personagem-capuz vermelho”, se aproxima para a frente da cena (próxima à platéia) carregando nas mãos um pequeno monitor LCD de 7 polegadas. A atriz coloca o monitor no seu rosto, com a imagem voltada para o espectador. No monitor, vê-se a imagem do rosto da atriz. A atriz, devagar, vai conduzindo o monitor pelo seu corpo, sendo que a imagem da tela acompanha esse percurso do monitor no corpo da atriz, mas revelando, na imagem, o corpo nu da atriz.

10

Idem (musica anterior)

A atriz deixa o monitor no chão, que volta a mostrar a imagem do seu rosto, e sai de cena. Música acaba, imagem permanece por uns instantes, até a tela ficar azul. Fim.

O resultado da performance, apresentada esquematicamente no quadro acima, revela dois níveis de composição do trabalho da atriz-dançarina: um ligado às partituras das personagens projetadas na tela, e outro ligado à coreografia dançada na cena. Porém, no processo laboratorial, de investigação e construção das partituras, os dois níveis de composição se mesclam, conforme será mais bem esclarecido no item seguinte.

II. 3. 1 LABORATÓRIO PRÁTICO: COMPOSIÇÃO DO MOVIMENTO (ENTRE O