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CINDY SHERMAN: AUTO-RETRATO E TEATRALIDADE

I. 2 TEATRALIDADE NOS AUTO-RETRATOS DE CINDY SHERMAN

I. 2.1 REALIDADE E TEATRALIDADE

Nós não somos aquilo que pensamos ser, mas aquilo que, a cada momento, nós mesmos construímos.

Pirandello

A obra de Sherman, no geral, aborda a temática da identidade feminina que se revela, pela variedade de possibilidades de transformação da mesma pessoa, uma construção que é em certa medida ficcional. Karen Henry propõe que a teatralidade é uma característica marcante nos auto-retratos da artista americana justamente porque evidencia a imagem de si como uma “postura encenada” assumida por uma pessoa diante de outras, sendo a teatralidade, então, apresentada como “uma condição de comunicação e sobrevivência” da qual o sujeito não pode escapar.

Ervin Goffman (1922), sociólogo norte-americano, usou o teatro como analogia para estudar e explicar as relações sociais na cultura, de modo que equipara a representação teatral com a representação do eu na vida cotidiana: “O mundo inteiro não constitui evidentemente um palco, mas não é uma tarefa simples e fácil especificar os aspectos essenciais em que não é” (GOFFMAN apud KOSOVSKI, 2001, p. 160). Para Goffman, o indivíduo, num ambiente social, procura controlar a impressão que as outras pessoas terão dele, e para isso representa um papel social específico. A representação é entendida por ele como toda atividade que o indivíduo realiza na presença de um grupo específico de pessoas sobre as quais exerce certa influência.

Nas séries Untitled Film Stills (1977-1980), Rear-Screen Projections (1980-1981),

assumindo tipos de mulheres que o cinema, a propaganda, as revistas de moda e a mídia em geral difundem como modelos para serem seguidos, e, ao fazer isso, inserindo estes modelos no âmbito artístico, propõe que estes sejam revistos, de maneira a evidenciar a feminilidade como um dado social, construído culturalmente, e não como um dado natural, relativo à idéia de uma essência feminina. Para Annateresa Fabris, Sherman “se posiciona diante da câmera como um signo cultural voluntariamente estilizado” (2004, p. 60), e qualquer tentativa em procurar a “verdadeira” e “singular” Sherman, se revela inútil: “A ilusão que nos empurra a buscar a realidade do sujeito mais além do muro da linguagem é idêntica àquela mediante a qual o sujeito crê que sua verdade existe já dada em nós, que nós a conhecemos de antemão” (LACAN apud DUVIGNAUD, 1970, p. 129, trad. nossa)19.

O teatrólogo Juan Villegas observa que uma cultura produz o que ele chama de teatralidades sociais. O autor entende cultura como um sistema semiótico que engloba um sistema de signos, ou sistema de imagens que serve como meio de comunicação, sendo que, para haver comunicação, é indispensável que as pessoas que se relacionam estejam familiarizadas com os códigos20 que mediam essas relações (2000, p. 41). O termo cultura, para ele, abarca duas dimensões: uma é a prática social, relacionada ao funcionamento de uma coletividade, através do habitus21

, e a outra é o discurso cultural, enquanto construção

lingüística e ideológica: “Desde esta perspectiva um sistema cultural é uma narrativa configurada de acordo com os códigos do emissor do discurso definidor ou caracterizador” (2000, p. 46, trad. nossa)22.

Dentro dos códigos culturais, Villegas descreve o que chama de “códigos das teatralidades sociais”, que se refere aos modos de relação entre as pessoas de determinada cultura:

19 “La ilusión que nos empuja a buscar la realidad del sujeto más allá del muro del lenguaje es idéntica a aquélla mediante la cual el sujeto cree que su verdad existe ya dada en nosotros, que nosotros la conocemos de antemano”.

20 Villegas utiliza o termo código a partir da definição de Pavis, que considera código uma regra convencional que vincula arbitrariamente um sistema a outro, ou como no signo, que associa significante e significado. 21 “É Bourdieu quem propõe o conceito de ‘habitus’. Ao que caracteriza como o processo por meio do qual o social se internaliza e roga que as estruturas objetivas concordem com as subjetivas. Nas palavras de García Canclini [...] ‘Através da formação de habitus, as condições sociais de cada classe vão impondo inconscientemente um modo de classificar e experimentar o real’” (VILLEGAS, 2000: 43 e 44, trad. nossa). “Bourdieu, quien propone el concepto de ‘habitus’. Al que caracteriza como el proceso por médio del cual lo social se internaliza y logra que lãs estructuras objetivas concuerden con las subjetivas. En palabras de García Canclini [...] ‘A través de la formación de habitus, las condiciones sociales de cada clase van imponiendo inconscientemente un modo de clasificar y experimentar lo real’”.

22 “Desde esta perspectiva un sistema cultural es una narrativa configurada de acuerdo con los códigos del emisor del discurso definidor o caracterizador”.

O termo ‘teatralidade’ tem sido usado em uma variedade de sentidos. Um muito freqüente é a ‘teatralidade’ como aquilo que se agrega ao texto quando este é representado. Propomos entender ‘teatralidade’ como um sistema de códigos no qual se privilegia a construção e percepção visual do mundo, em que os signos enfatizam a comunicação por meio de imagens. (2000, p. 50, trad. nossa)23

Todas as teatralidades são sociais, porque são produzidas dentro de um sistema cultural específico. Cada setor social codifica, à sua maneira, os modos como percebem o ambiente social em que vivem e os modos pelo qual se auto-representam para os outros. Onde existir atividade social, existirá convenção, o que por sua vez implica que o indivíduo deve assumir um papel, ou seja, deve se comportar de maneira apropriada a determinada situação. As convenções dependem do consenso entre as pessoas que nelas interagem, para que haja diálogo. Villegas compara o mundo com um cenário, onde as pessoas atuam por signos lingüísticos, gestuais e visuais, sendo a teatralidade, então, uma modalidade de interação social que se refere às maneiras e ao habitus pelo qual o indivíduo se relaciona com o mundo e com os outros, principalmente através da construção e da percepção visual do mundo.

Villegas utiliza-se do termo teatralidade e teatralidade social, e usa-os como estratégia para analisar a funcionalidade e os modos de representação na produção cultural seja no teatro, na dança ou na fotografia. Para o teórico, o teatro é uma prática cultural que se insere no quadro social como um meio de comunicação, diante da qual um sujeito se relaciona com outro a partir de códigos. Cada cultura produz distintos discursos teatrais, que seriam a práxis da teatralidade, a utilização prática da mesma:

Desde esta perspectiva, o discurso teatral faz uso dos códigos da teatralidade dentro de um sistema cultural para comunicar a mensagem, mas ao mesmo tempo contribui à configuração da teatralidade dentro desse sistema cultural. [...] Há uma continua retroalimentação de signos da teatralidade entre os discursos teatrais e a teatralidade social. O ‘discurso teatral’, portanto, constitui um discurso em que se integram signos verbais, espetaculares e visuais de acordo com os códigos específicos de um sistema cultural (2000, p. 51, trad. nossa)24.

23 “El término ‘teatralidad’ ha sido usado en una variedad de sentidos. Uno muy frecuente es el ‘teatralidad’ como aquello que se le agrega al texto cuando éste es representado. Proponemos entender ‘teatralidad’ como un sistema de códigos en el cual se privilegia la construccíon y percepción visual del mundo, en el que los signos enfatizan la comunicación por medio de imágenes”.

24 “Desde esta perspectiva, el discurso teatral hace uso de los códigos de la teatralidad dentro de un sistema cultural para comunicar el mensaje, pero al mismo tiempo contribuye a la configuración de la teatralidad dentro de ese sistema cultural. [...] Hay una continua retroalimentación de signos de la teatralidad entre los discursos teatrales y la teatralidad social. El ‘discurso teatral’, por lo tanto, constituye un discurso en que se integran signos verbales, espectaculares y visuales de acuerdo con los códigos específicos de un sistema cultural”.

O teatro (ou texto teatral) enquadra-se no campo dos discursos teatrais, mas diferencia-se destes porque é legitimado como uma categoria estética. As artes são um objeto cultural, inserido em determinado espaço e tempo sócio-histórico e cultural, de maneira que acompanham as transformações sociais e articulam-se com os códigos e signos produzidos pela cultura em que estão inseridas. O teatro, como forma de manifestação da teatralidade, se insere dentro de um quadro de convenção que o determina enquanto arte e necessita do consenso de ambas as partes, do artista e do espectador, para que se estabeleça como tal. Para o autor, descrever as teatralidades sociais interessa para o estudo dos discursos teatrais e das artes porque muitas vezes essas teatralidades sociais são usadas e satirizadas e, portanto, requerem a competência do espectador para o reconhecimento das mesmas.

Sherman, por exemplo, usa o imaginário cotidiano do homem ocidental contemporâneo, para refletir sobre este mesmo imaginário “produzido pela indústria cultural e [que] serve de padrão de socialização e identificação em nossas sociedades de consumo” (SAFATLE, 2006, p. 2). Rosalind Krauss refere-se ao papel desempenhado por Sherman como des-mitificadora, fazendo referência ao significado de mito proposto pelo crítico estruturalista Roland Barthes. O mito, na concepção de Barthes, é uma fala despolitizada25 e ideológica. É um sistema de comunicação, uma mensagem que foi tirada de seu contexto histórico e reinserido em outro contexto onde passa a ser interpretado como um dado “natural”, e não histórico: “O que o mundo fornece ao mito é um real histórico, definido, por mais longe que se recue no tempo, pela maneira como os homens o produziram ou utilizaram; e o que o mito restitui é uma imagem natural deste real” (BARTHES, 1993, p. 163). Para Krauss, Sherman pega o que costumamos aceitar como verdade e expõe da maneira que são: falsas histórias produzidas pela nossa cultura.

Na série Untitled Film Stills [Stills cinematográficos sem título] Sherman produziu 69 fotos entre 1977 e 1980 nas quais personifica estereótipos de mulheres advindas do imaginário cinematográfico. Suas principais referências são os filmes de Alfred Hitchcock, Michelangelo Antonioni e “filmes-B”. A artista se utiliza do princípio dos stills cinematográficos, fotos publicitárias que buscam criar o interesse das pessoas para verem os filmes, de maneira que a foto tem de ser interessante o suficiente para despertar o desejo de

25 Quando usa termos como fala, discurso e linguagem, Barthes refere-se não apenas ao texto escrito e falado, mas também à fotografia, ao cinema, ao espetáculo e aos objetos, considerando que estes também significam algo. E sobre política, escreve: “(...) é necessário entender: política no seu sentido profundo, como conjunto das relações humanas na sua estrutura real, social, no seu poder de construção do mundo” (BARTHES, 1993, p. 163).

quem olha em descobrir a história por trás da foto. No caso de Sherman, ela apenas cria esse desejo, e deixa para o espectador a função de imaginar e contextualizar a foto num enredo.

Sem relacionar a situação de uma foto com outra, a idéia inicial da artista era retratar a carreira de uma atriz em ação, interpretando personagens diferentes. Por isso, de início, nas seis primeiras fotografias tiradas, Sherman aparece com a mesma peruca loira, e, a esse respeito, comenta: “eu estava jogando. Eu tentava fazer ela parecer mais velha em uma, mais ingênua em outras, e velha-tentando-parecer-jovem em mais outras. Eu não estava pensando sobre o que era o filme, eu foquei nas diferentes idades e aparências da mesma personagem” (SHERMAN, 2003, p. 7, trad. nossa)26. Mas sua vontade de romper com qualquer sentido de continuidade e narrativa fechada fez com que Sherman buscasse criar personagens diferentes umas das outras, de modo que nas fotos é possível identificar personagens como a atriz, a namorada, a moça do interior, a esportista, a sedutora, a sofredora, a louca, etc.: todas mulheres que parecem interagir com alguém que se encontra fora da fotografia ou com a própria câmera fotográfica.

Seu apreço e influência pelos filmes citados acima se deve também pelas atuações (principalmente nos filmes europeus) mais “neutras”, segundo a própria definição de Sherman, que via ali a possibilidade de sugestionar narrativas e sentimentos, mas sem dar nenhuma resposta para o espectador, que, então, se encontra livre para imaginar e completar o “antes” e o “depois” da foto. Não é a toa que suas fotografias, tanto as do início da carreira até as produzidas mais recentemente (Clowns, 2004) não levam título, sendo apenas especificadas por um número, que também não respeita uma ordem crescente, sendo então a numeração de cada fotograma escolhida aleatoriamente.

Sherman insere a linguagem cinematográfica em museus e galerias, e com isso força o espectador a traçar um olhar diferente sobre as imagens de mulher que o cinema projeta na tela, de modo que, no seu novo contexto, os tipos de mulher representados nas imagens questionam o impacto do cinema na identidade feminina. As fotografias apresentam cenas e estereótipos de mulher que são reconhecíveis e familiares para o espectador (pela bagagem cultural que o espectador tem), mas que, por outro lado, não reportam a nenhuma cena ou personagem em específico:

Pegue um quadro de um filme, qualquer quadro de filme, e faça um jogo: Que tipo de personagem a imagem faz surgir em sua mente? A que estilo de filme ela alude?

26 “I was playing. I tried to make her look older in some, more of an ingenue in others, an older-trying-hard-to- look-younger in others. I didn’t think about what each movie was about, I focused on the different ages and looks of the same character”.

Quem é a atriz? Que tipo de papel ela está representando? O que vai acontecer em seguida? Como a heroína chegou a essa situação? As respostas a essas questões dependem do seu conhecimento do contexto cultural de cada trama. Cada espectador, então, tem uma reação diferente às pistas oferecidas por Sherman, e aí reside o prazer e o enorme apelo das imagens: espectadores criam associações e pressuposições baseados na sua própria bagagem cultural, e não em algo que o artista lhes imponha. Você é deixado, com efeito, a interpretar suas próprias interpretações (MORRIS, 1999, p. 38, trad. nossa)27.

Para Fabris, as fotografias apresentadas em Untitled Film Stills e repropostas nos trabalhos seguintes evidenciam “uma série de papéis que Cindy Sherman assume conscientemente para melhor sublinhar o elo inextricável que na cultura contemporânea une imagem e identidade” (2004, p. 63). Se, porém, Sherman denuncia este elo, ela não o faz de maneira passiva.

Barry J. Mauer (2005) observa o modo muitas vezes desajeitado, incômodo e incoerente com o qual Sherman incorpora o “visual” que assume. Nessa análise, os stills cinematográficas inventados geram um duplo movimento, de identificação, mas também de estranhamento, através de estratégias de simulação e desfamiliarização, como observa Kaja Silverman na sua análise de Untitled #3 (fig. 13, p. 47):

Uma mulher se posiciona para a direita, de frente para uma pia onde se encontram um escorredor de pratos, um frasco cor marfim de detergente, uma garrafa de suco quase vazia e um pote aberto de sal. Ela veste um avental com babados e uma camisa sexy. Ela olha de maneira sedutora, com lábios umedecidos, por cima de seu ombro esquerdo para uma figura que não aparece, presumidamente um homem. Por causa da sua posição provocativa, inclinada sobre o balcão, apoiada no braço esquerdo, seu ombro está provocativamente levantado, e seus seios parecem prontamente definidos. Aqui, a mulher se oferece para ser fotografada, denotando sexualidade, mas os objetos mundanos próximos a ela contradizem sua auto- definição, que a proclamam, em vez disso, como uma dona de casa (apud MAUER, 2005, p. 12, trad. nossa)28.

27 “Pick a film still, any film still, and play a game: What kind of character does the image conjure in your mind? What is the style of the movie it alludes to? Who is the actress? What kind of role is she playing? What’s going to happen next? How did the heroine find herself in these circumstances? The answer to these questions depends on your knowledge of the cultural background of each ‘plot’. Every viewer, then, has a different reaction to the clues offered by Sherman, and therein lies the joy and enormous appeal of the images: Viewers make associations based on their own cultural baggage and assumptions, not on anything that the artist forces on them. You are left, in effect, to interpret your own interpretations”.

28 “A woman stands to the right, facing a sink with a dishrack, a bottle of ivory dishwashing liquid, an almost empty juice bottle, and an opened Morton’s salt container. She wears a frilly apron and a sexy T-shirt. She looks seductively, with moistened lips, over her left shoulder at an unseen figure, presumably male. Because she leans with her left hand on the counter, her shoulder is provocatively elevated, and her breasts sharply defined. Here, the woman offers herself to be ‘photographed’ as ‘vamp’, as sexual tease, but the mundane objects in her immediate vicinity contradict this self-definition, and proclaim her instead to be a ‘Hausfrau’”.

O que Sherman faz é sobrepor significantes de feminilidade, incorporados pelo imaginário cotidiano, e que integram o habitus de uma cultura (no caso a cultura americana), e reordená-los, às vezes juntando elementos contraditórios (a mulher fatal num cenário doméstico), de maneira a problematizar convenções aceitas com “naturalidade” e evidenciar os códigos que constroem as feminilidades sociais. Empregando um sentido de teatralidade próximo de Villegas, Sherman utiliza os discursos teatrais produzidos pela mídia, e questiona a “natureza” dessas teatralidades (códigos visuais), revelando, assim, o aspecto teatral e performático das relações sociais, como sugere Henry, citada no início deste capítulo.

Mas Villegas deixa apenas implícito um aspecto da teatralidade que, para Féral, Cornago e Elizabeth Burns, é fundamental para a “existência” da teatralidade. Como já foi dito, o autor chileno se refere à teatralidade, ou teatralidades, como um dado social responsável pelas relações entre os indivíduos de uma cultura, através de códigos e convenções que legitimam essas relações. Tal como em Goffman, os aspectos da sociedade que servem de comparação com o teatro enfatizam a dependência entre um agente (que age) e um receptor (que observa), relação esta de vital importância para o teatro.

Burns utiliza o termo teatralidade, também, como um aspecto presente tanto na vida social como no teatro. Segundo a teórica, o teatro serviu de metáfora do mundo desde a Antigüidade, e o comportamento social validou-se sempre deste aporte com o desempenho do ator, conhecido por assumir papéis diante de outras pessoas. O teatro e a vida interferem-se reciprocamente, seja porque o teatro utiliza-se dos elementos presentes na vida, ajustando-os dentro das convenções teatrais, seja porque o teatro “difunde modelos para os aspectos

teatrais do comportamento social” (in CARLSON, 1997, p. 465). Todas as atividades sociais, para Burns, constituem-se ritualizadas ou padronizadas, e o teatro se configura como uma prática estilizada e legitimada desses processos sociais. Mas enquanto Villegas refere-se à teatralidade para falar dos comportamentos humanos, principalmente gestuais e visuais, Burns considera como teatralidade apenas os comportamentos que são reconhecidos por algum observador como sendo teatrais. Dessa maneira, a teatralidade não é uma forma de conduta, mas uma interpretação, criação de um olhar que outorga a um objeto, pessoa, ou situação um valor de “teatral”. A esse respeito, vale ressaltar a explanação de Duvignaud, que propõe a análise de um aspecto que diferencia a situação social da situação teatral, que é, a saber, o fato de que no teatro as ações se dão a ver. Não é originalmente a oposição entre existência real e existência imaginária que separa as duas categorias citadas, mas o fato de se elaborar uma representação cuja função é ser vista.

Sherman, como explico com maiores detalhes a seguir, traz à tona a performatividade das relações sociais, ou, em outras palavras, revela a teatralidade (importante ressaltar que a teatralidade é revelada, ou seja, que ela vem à tona, se faz consciente) inerente aos comportamentos sociais, explorando este aspecto da teatralidade, o da recepção (no caso de Sherman, o voyeurismo), tão importante para os autores já citados, aspecto que reconhece o vínculo que une o termo teatralidade com o teatro (fonte primária de onde a teatralidade pega para si o seu nome).

I. 2.2 O OUTRO QUE OLHA

A teatralidade para Josette Féral não é uma categoria estética, apesar de ser o teatro o lugar por excelência de manifestação da teatralidade. Deve ser pensada, assim como o teatro, dentro de uma perspectiva determinada por convenções sociais. Está determinada historicamente e, portanto, varia conforme a época:

Quando designamos algo como teatral, é um juízo, é o resultado de um processo interior, pelo qual reconhecemos certas características que nos foram ditas que são