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Grafico 2: Cargo/Função que o participante desempenha

2.4 A COMUNICAÇÃO NA TEORIA DOS SISTEMAS SOCIAIS DE LUHMANN

Para Luhmann (2005), pode-se comunicar também para se marcar o dissenso, pode-se querer o conflito, e não existe razão para tomar a busca de consenso mais racional do que a busca do dissenso. Significa dizer que nos diálogos entre o gerente de projetos e os demais stakeholders, todas as variáveis que envolvem o projeto devem ser discutidas, inclusive aque- las contrárias à sua execução ou que colocam os projetos em risco de se alcançar a meta tra- çada pela organização.

Dos sistemas sociais de Luhmann diz-se que é fechado operacionalmente, recursivo, autorreferente/autopoiético, circular e onde a “diferença”12 é condição para o sistema se rela- cionar com o meio, pois há a implicação de que o sistema está composto por dois lados: sis- tema e meio.

O sistema é definido pela sua recursividade, ou seja, a recursividade da operação é o que define um sistema como sistema. A operação deve ter a capacidade de concatenar no tempo outras operações do mesmo tipo para ter como resultado um sistema. Entende-se por meio tudo o que é externo ao sistema, sendo que o sistema pode se distinguir em relação ao seu meio.

O fechamento operacional do sistema frente ao meio ocorre para a manutenção da identidade do próprio sistema, onde a construção de estruturas próprias dentro do sistema ocorre de forma circular, ou seja, produzindo operações somente em si mesmo. A operação de comunicação realizada pelo sistema por meio da circularidade recursiva vai excluindo a ope- ração que não é do mesmo tipo. A ideia de circularidade está relacionada ao feedback negati- vo13 da operação sistêmica, que se propõe a diminuir distâncias entre o sistema e o meio e, principalmente, minorar efeitos produzidos fora do sistema e que só podem ser controlados dentro dele. Esta distância é diminuída devido à ocorrência da autopoiese no próprio sistema.

Autopoiese significa a determinação do estado posterior do sistema, a partir da limita- ção anterior à qual a operação chegou. Esta determinação ocorre quando surge uma diferenci- ação no sistema por meio de uma informação que causa “diferença”. Desse modo, os sistemas autopoiéticos são autorreferenciais, e todos os sistemas autorreferenciais operam autopoieti- camente. Autorreferente, para os sistemas sociais, é a operação que deva ser única, a mesma, e que tenha a capacidade de articular as operações anteriores com as subsequentes (LUH-

12‘‘diferença’ é a informação que leva a mudar o próprio estado do sistema; tão somente pelo fato de ocorrer, transforma. (LUHMANN, 2009, p.83)

13 O feedback negativo, segundo o ciberneticista Hein von Foerster (1991), se refere à Cibernética de Primeira Ordem que trata da capacidade de auto estabilização ou de automanutenção do sistema, tratando dos “sistemas observados”.

MANN, 2009). Isto quer dizer que a diferenciação sofrida no sistema é capaz de articular-se com as operações anteriores.

As estruturas constitutivas da sociedade são variantes, o que permite surgir sociedades distintas. A “diferença” é a condição para o sistema manter intercâmbio com o meio (socieda- de), mas garantindo sua identidade diante da diversidade de estruturas no sistema. Assim, por exemplo, se um gerente de projetos gasta a maior parte do seu tempo se comunicando, a in- formação passa a ser outra, sendo a informação sobre o tempo gasto se comunicando, uma diferença frente ao meio. A teoria da informação emerge de uma base apoiada na diferença. Para Bateson (1972), a informação é a ‘diferença que faz a diferença’.

Luhmann (2009) também afirma que a comunicação é concernente ao processo que vincula os diferentes seres humanos, e que as relações entre sistema e meio são reguladas pelo acoplamento estrutural por meio de sentido. Fora do sistema, no meio, há eventos simultâneos que só têm significado para o sistema no momento em que ele conecta esses acontecimentos à comunicação. Isso ocorre por meio do acoplamento estrutural, quando o sistema se abre para selecionar informações do meio através de “irritações”14 provocadas no sistema. Para tanto, o sistema deve ter uma capacidade de auto-observação. Assim, pode-se distinguir o que é co- municação do que não o é.

O stakeholder é entendido como um sistema que se relaciona com a organização, que também é um sistema. O ambiente cultural, a política, a economia, a sociedade e o ecossiste- ma fazem parte do meio externo. O gerente de projetos, por exemplo, se comunica com a or- ganização, pois sistemas se comunicam com outros sistemas e com o meio externo por meio do acoplamento estrutural. O acoplamento estrutural tem como função abastecer o gerente de projetos, por exemplo, de uma permanente irritação que, por sua vez, é capaz de desenvolver o processamento de informação dentro dele próprio. A informação reduz complexidade na medida em que permite conhecer uma seleção, pois as interferências sofridas do meio cultu- ral, político, ecológico, e assim por diante, são selecionadas pelo indivíduo e operadas dentro dele, como sistemas fechados na sua auto referencialidade.

Nesse momento de seletividade do indivíduo, opera a categoria de sentido que é apli- cada aos sistemas de consciência (sistemas psíquicos) e aos sistemas de comunicação (siste- mas sociais). A distinção entre sistemas psíquicos e sistemas sociais procura explicar a rela- ção entre indivíduo e sociedade.

14 Acontecimentos ocorridos no meio, de forma seletiva, provocam efeitos no sistema. Esses efeitos são entendi- dos como irritação, perturbação no sistema. Mas as irritações ocorrem de uma confrontação interna entre eventos dentro do próprio sistema.

Tratar separadamente os sistemas de consciência e os de comunicação implica que o conceito de sentido não se vincula a nenhum tipo de sujeito. Busca-se o acesso ao mundo do sentido, por meio de um conceito formal, que reside no uso da distinção entre meio e forma. Um meio está constituído por elementos acoplados de modo amplo e uma forma conecta os mesmos elementos em um acoplamento estrito. O meio só pode ser produzido mediante for- mas. A distinção meio/forma pode ser empregada hierarquicamente, ora atuando como forma em uma distinção, ora atuando como meio em outra. A linguagem, por exemplo, pode atuar como forma e como meio em situações distintas. No meio acústico, as palavras são formas e no meio das palavras, as proposições são formas. No meio da linguagem, expressões oral e escrita são formas. O gerente de projetos, por exemplo, também pode atuar como forma e como meio em situações distintas, sendo que, no meio das organizações, os gerentes de proje- tos são formas e no meio dos gerentes de projetos, as equipes de trabalho são formas.

O sentido também pode ser abordado como o espaço das possibilidades/atualidades na remissão de sentidos, ou seja, sob a forma de um excedente de referências a outras possibili- dades de vivência e ação. Assim, no sujeito, a consciência opera sempre de maneira intencio- nal, dirigida a algo determinado. Algo está no foco, enquanto o outro está indicado marginal- mente, como horizonte da atual e consecutiva vivência. Sob a forma de que o mundo é acessí- vel, busca-se a atualidade do mundo, onde a própria remissão se atualiza como ponto de vista da realidade, incluindo, além do real, o possível e o impossível.

No curso inevitável da seleção do sentido e da reprodução da comunicação, as possibi- lidades de fato, no passo da seleção, são menores do que a totalidade das remissões que sur- gem do objeto provedor de sentido. Desse modo, o sentido opera a distinção entre atualidade e possibilidade, na medida em que o atual dotado de sentido contém perspectivas de possibili- dade, enquanto as possibilidades só podem se comunicar/pensar quando podem se tornar atu- ais. Portanto, o sentido se reatualiza e se reproduz mediante a distinção entre atualidade e po- tencialidade. Quando se fala em atualidade/possibilidade, coloca-se como oposto a ocorrência da totalidade das remissões de sentido, pois esta não é posta à prova.

No caso dos meios de comunicação, surge a distinção entre informação e não informa- ção, como em um código binário, que fixa um valor positivo e um valor negativo. Essa opera- ção ocorre dentro do próprio sistema, pois este é autorreferente e se relaciona com o meio externo somente por meio do acoplamento estrutural. A distinção informação/não informação ocorre dentro do próprio sistema, por uma seleção do indivíduo. O lado interno do código somente prevê que há um lado externo, o meio. A informação é, portanto, um valor positivo

com o qual o sistema descreve as possibilidades de seu próprio operar. Mas para enxergar algo como informação é preciso também haver a possibilidade de se tomar algo como não informativo. O valor positivo do código, entendido como informação, traz o conceito de in- formação de Bateson (1972, p.381 apud Luhmann, 2005), segundo o qual a informação é “[...] qualquer diferença que num acontecimento posterior faz a diferença”.

Num contexto excedente de distinções, a percepção focaliza algo determinado que permanece por mais tempo na memória. No meio de muitas palavras na comunicação do ge- rente de projetos, por exemplo, apenas a informação que se destaca fica na memória como uma diferença. Nota-se, portanto, que a unidade de informação é o produto de um sistema – no caso da percepção, de um sistema psíquico; no caso da comunicação, de um sistema social.

Na relação do código informação/não informação com o tempo, informações não po- dem ser repetidas. Elas se transformam em não informação no momento em que se tornam acontecimento. Quando uma notícia é usada pela segunda vez, por exemplo, ela perde seu valor informativo. Essa transformação de um valor para seu oposto ocorre com a autopoiese do sistema. Com a evolução dos meios de comunicação, essa perda de informação ganha um peso adicional, onde qualquer informação produz por si mesma redundância social. É quando uma informação, valorada por sua diferença, é repassada aos demais como um aprendizado, algo que tem que ficar na memória. E isto significa que a informação se transformou em não informação por meio da redundância. Com o passar do tempo, essa informação se torna obso- leta, surgindo necessidade de se obter uma nova informação, com valor positivo. Deve-se isto à circularidade do sistema e à necessidade de se reatualizar os sistemas de comunicação e de consciência.

No contexto da gestão de projetos, a distinção entre informação e não informação ocorre tanto na seleção individual de cada stakeholder como, em nível coletivo, na esfera co- municacional da organização. Na seleção de sentido, foca-se a informação que traz um dife- rencial na comunicação entre os stakeholders. Por exemplo, o gerente de projetos, como res- ponsável pela reatualização dos sistemas de comunicação, por meio da redundância social, e no operar do seu próprio sistema psíquico, realiza a seleção do que é informação do que não é informação para viabilizar as estratégias organizacionais. Essa seleção permite a redução de complexidade na comunicação entre os gerentes de projetos e os stakeholders de um projeto organizacional.