• Nenhum resultado encontrado

Grafico 2: Cargo/Função que o participante desempenha

2.5 DISCURSO E PODER NOS PROJETOS ORGANIZACIONAIS

No âmbito da gestão da comunicação em uma organização, sempre haverá o discurso, isto é, a profusão de ideias, orações, enunciados, um acontecimento como uma série de cir- cunstâncias que o levaram a existir e que o justificam e explicam. O encontro de indivíduos para discussão de seus pensamentos, objetivos, planos sociais, econômicos e políticos, ou de qualquer natureza, envolve a comunicação de discursos próprios em volta de um interesse em comum. Na visão de Maximiano (2008), no universo organizacional, quando se fala em ge- renciamento de projetos ou de organizações que, estrategicamente, desenvolvem seus negó- cios por projetos, mesmo que cada indivíduo tenha um interesse em particular, não obstante, o tema principal será de interesse de todas as partes interessadas na organização, mas primordi- almente dos stakeholders de um projeto organizacional.

Organizações que tenham seus objetivos estratégicos e gestão de seus negócios execu- tados com a utilização dessas práticas em gerenciamento de projetos, e que os aplica segundo o Guia PMBOK (2007), adotam algumas práticas ou procedimentos padrão, importantes para o alcance do sucesso que almejam. A discussão, ou melhor, a concatenação de ideias que en- volverão um projeto organizacional, geralmente se inicia com um encontro entre os stakehol- ders envolvidos nesse projeto. No discurso proferido por cada participante são expostos os interesses próprios em relação ao projeto em questão, mas que atendam ao objetivo principal e de interesse comum, qual seja, o objetivo estratégico que a organização deseja alcançar. Pro- põe-se que estes discursos sejam realizados com a presença de todos os interessados. O ato de falar não é tarefa simples e requer compreensão e análise. Não cabe, nesta análise, demonstrar as várias formas discursivas, as habilidades de comunicação, como saber ouvir, saber pergun- tar, saber negociar, solucionar conflitos, etc., mas vislumbrar no discurso sua intertextualida- de, seu espaço interno (as relações entre os sujeitos, objetos e conceitos), e sua relação com o mundo (lugar histórico, político, social, econômico, etc.) em que existem.

Foucault (2005, p.9) discorre para a análise das instâncias do controle discursivo, onde diz:

[...] suponho que em nossa sociedade a produção do discurso é ao mesmo tempo controlada, selecionada, organizada e redistribuída por certo número de procedimen- tos que têm por função conjurar seus poderes e perigos, dominar seu acontecimento aleatório, esquivar sua pesada e temível materialidade.

Foucault (2005) propõe a existência de procedimentos de controle e de delimitação do discurso, sendo estes procedimentos externos e internos. Os procedimentos externos são os de exclusão, e revelam uma ligação com a sociedade e com o indivíduo em particular, onde põe em questão o poder e o desejo. Esses procedimentos externos podem ser divididos em: (i) interdição ou palavra proibida, (ii) segregação da loucura e (iii) vontade de verdade.

2.5.1 Interdição ou palavra proibida

No procedimento da interdição há a existência do direito privilegiado ou exclusivo do sujeito que fala, onde não se pode falar em qualquer circunstância. Este tabu do objeto limita e cerceia os stakeholders no momento que seria o mais apropriado para discutirem sobre o objeto estratégico organizacional. Mas, consoante à existência da interdição, os stakeholders não têm o direito de dizer tudo, e não se pode falar de tudo em qualquer circunstância, e nem falar de qualquer coisa. A ausência de transparência daquele que fala relata o que traduz os sistemas de dominação, aquilo que é o objeto do desejo, o poder. Como argumenta Kerzner (2006), a busca por posições políticas dentro das organizações é a busca pelo poder e não se pode revelá-la, pois é uma conquista silenciosa.

2.5.2 Segregação da loucura

A segregação da loucura é o procedimento considerado por Foucault (2005) como uma separação e uma rejeição na oposição razão e loucura. A palavra do louco, logo rechaçada, não obstante, é considerada como tendo um fundo de verdade. Mas de qualquer modo, excluí- da ou secretamente investida pela razão, no sentido restrito, ela não existe. No mundo dos negócios, dar vazão àquele que fala, mas que não sabe do que está falando, pois na verdade nada sabe, é melhor que nada tivesse falado. É um louco, pois não tem juízo nem razão daqui- lo que fala, sendo rejeitado.

De acordo com o Guia PMBOK (2007), os stakeholders exercem certo grau de poder e influência que podem ser alavancados para construir coalizões e parcerias potenciais para aumentar a possibilidade de êxito do projeto. E o gerente de projetos é o responsável pela ve- rificação da existência desses fatores. A manifestação de loucura na comunicação é motivo de rejeição e perda de poder e influência, quesito importante para o mundo dos negócios. A ra- zão, aliada do planejamento estratégico, acaba por impor barreiras ao livre trânsito de ideias.

O conhecimento plausível e concreto é o que importa na busca por um entendimento comum entre o gerente de projetos e os stakeholders. O indivíduo deve embasar seu conhecimento na razão para alinhar os objetivos estratégicos com a visão e missão da organização.

Por outro lado, apesar da loucura ser muitas vezes rechaçada desde sua primeira mani- festação, não é viável alijá-la totalmente, pois não se pode afirmar com certeza se a ação ma- nifesta, em princípio cogitada como uma loucura, teve um fundo de verdade. Não se pode provar a totalidade da loucura nem o seu oposto. Espera-se que, num momento posterior, apa- reça a veracidade das ações ou das palavras ditas e não-ditas, podendo, então, ser entendidas como verdade ou como loucura. A loucura pode ter um fundo de razão não identificada no princípio de sua manifestação.

O gerente de projetos precisa ter esta visão e possibilitar o alinhamento dos pensamen- tos dos stakeholders na comunicação entre eles e não desprezar as colocações manifestas. Uma análise pormenorizada das manifestações dos stakeholders ajudaria a entender o motivo de as manifestações terem sido expostas da maneira como foram feitas, para depois julgá-las como próprias (com razão) ou impróprias (com loucura).

2.5.3 Vontade de verdade

A vontade de verdade é o terceiro procedimento de exclusão, onde Foucault (2005, p.129) discorre como a mais profunda e mais incontornável de todas, como se a vontade de verdade e suas peripécias fossem mascaradas pela própria verdade em seu desenrolar necessá- rio, e afirma:

[...] a razão disso é, talvez, esta: é que se o discurso verdadeiro não é mais, com efei- to, desde os gregos, aquele que responde ao desejo ou aquele que exerce o poder, na vontade de verdade, na vontade de dizer esse discurso verdadeiro, o que está em jo- go, senão o desejo e o poder?

Para o Guia PMBOK (2007), gerenciar as expectativas dos stakeholders implica con- frontar-se com o imperativo de gerenciamento eficaz do gerente de projetos, responsável por gerenciar as expectativas destes stakeholders, refletindo situações de instabilidade, com reali- dades não mais tão previsíveis, o que requer dos gerentes de projeto ressignificação e obser- vação mais apurada dos desejos ocultos nas ações e nas palavras dos stakeholders. Tudo pare- ce estar imerso em relações de poder e saber, que se implicam mutuamente, ou seja, enuncia-

dos e visibilidade, textos e instituições, falar e ver constituem práticas sociais por definição permanentemente presas, amarradas às relações de poder, que as supõem e as atualizam.

2.5.4 Procedimentos internos

Para Foucault (2005), os procedimentos internos estão relacionados a condições de funcionamento (rarefação, ritual, sociedade de discurso e doutrina). Essas condições se refe- rem ao acontecimento do discurso, sua classificação, sua ordenação e sua distribuição, subme- tendo, assim, o discurso à dimensão do acontecimento e do acaso, que entende o comentário, o autor, a disciplina. e a exclusão dos sujeitos falantes (rituais da palavra, sociedades de dis- curso, doutrinas e apropriações sociais). O ritual define a qualificação que devem possuir os indivíduos que falam, e que, num diálogo, numa interrogação, numa recitação, devem ocupar determinada posição e formular determinado tipo de enunciado. Esse ritual define os gestos, os comportamentos, as circunstâncias, e todo o conjunto de signos que devem acompanhar o discurso. A função da sociedade de discurso é conservar ou produzir discursos para circular em espaços fechados e ser transmitido somente por eles, como o discurso econômico. Já as doutrinas constituem o inverso de uma sociedade do discurso, tendendo a difundir-se, defi- nindo, assim, uma pertença recíproca, mas em conformidade com os discursos validados.

2.5.5 Formação discursiva nos projetos organizacionais

O controle discursivo, além de ser uma luta simultânea pelo poder e contra o poder da palavra, visa também limitar-lhe o acontecimento aleatório diante de qualquer discurso profe- rido, de qualquer coisa dita, de qualquer coisa escrita. Procura-se de imediato localizá-la por meio de mecanismos que ligam aquilo que é transitoriamente dito ou a qualquer coisa já dita, ou a um sentido não dito, mas que esclarece, explica aquilo que é dito, e é este o caminho do comentário a alguém. A instância é apresentada por Foucault (2005) enquanto diversos siste- mas de controle da palavra: (i) aquelas que limitam o que pode ser dito, o que pode ser dito de verdadeiro, o que pode ser dito de razoável, operando uma espécie de bloqueio no “falar” anônimo, (ii) aqueles mecanismos que prendem tudo aquilo que aparece na ordem do discurso a um mesmo (texto primeiro, texto segundo, autor, disciplinas), (iii) aqueles que, pela institui- ção de uma cena a repetir, pela constituição de sociedades de discurso, pelo funcionamento doutrinal do discurso, pelas apropriações sociais, limitam os sujeitos falantes.

Neste contexto em que os stakeholders estão envolvidos, cada qual tem: (i) seus dese- jos e anseios pelo poder, (ii) a multiplicidade dos comentários, (iii) o desenvolvimento de uma disciplina para a criação dos discursos. Isto pode se configurar em princípios de coerção. Dis- ciplina, para Foucault (2005), é um princípio de controle da produção do discurso que fixa os limites pelo jogo de uma identidade que tem a forma de uma reatualização permanente das regras. Não há como fugir ao ritual do discurso no meio organizacional, como ritual da apre- sentação, condição quase que imperiosa para sua aceitação. Forma-se, em meio à discussão entre os stakeholders, uma sociedade do discurso, em que é preciso ter conhecimento do pro- cesso comunicacional com suas interveniências emocionais para se compreender o que é dito. São discursos que, geralmente, transcorrem em espaços fechados e sua distribuição padece de permissão, mesmo que seu conteúdo precise do conhecimento de seu contexto. Neste momen- to, o mundo organizacional, visto na sua complexidade, não produz por si próprio a inteligibi- lidade do universo, não vem fornecer a sociedade uma nova ordem social, mas constitui antes um desafio que incita aos stakeholders e os gerentes de projetos a desenvolver novas formas de pensar e agir.

Foucault (2005) também discorre sobre o aspecto genealógico concernente à formação efetiva dos discursos, quer no interior dos limites do controle, quer no exterior, quer, na maior parte das vezes, de um lado e de outro da delimitação. A genealogia estuda ao mesmo tempo a formação dispersa, descontínua e regular do discurso. Basear os discursos em outros discursos com os quais trabalha, intertextualmente, as relações existentes entre os sujeitos, objetos e conceitos, e sua relação com o lugar histórico, político, social, etc., não desvenda a universa- lidade de um sentido. A formação regular do discurso pode integrar, até certo ponto, os pro- cedimentos do controle, mas somente significa que a ocorrência desse controle só pode se efetivar sob domínio de perspectiva e de delimitação.

A formação discursiva nas organizações requer conhecimento histórico, político, eco- nômico, organizacional, jurídico, etc., e pode, em dado momento, delimitar o espaço de con- trole. É a inserção de fenômenos novos que delimita o aspecto genealógico do discurso. O conhecimento administrativo faz parte do contexto organizacional em todos os seus aspectos disciplinares e sempre haverá a origem textual daquele que fala e novas formas de pensar e agir. A formação da identidade se reflete em conhecimento organizacional e pessoal.

O discurso é uma prática social mais bem entendida e que vislumbra o que ocorre den- tro do próprio discurso. Compreender o não dito só pode ocorrer dentro do que já foi dito. O conhecimento é manifesto no ato da fala dos indivíduos que se interpelam. Conhecimento que

transcorre por uma sabedoria humana que quer controlar e impor, onde, através do discurso em sua realidade material de coisa pronunciada ou escrita, produz inquietação diante da sua existência transitória e onde não há pertencimento.

As organizações, os gerentes de projetos e, mais precisamente, os stakeholders de um projeto organizacional que se reúnem e discorrem sobre suas pronunciações em torno de seus interesses e dos interesses que têm em comum, intervêm entre o discurso “verdadeiro” e o discurso mascarado. No entanto, não há existência de uma essência da palavra, um significado original, inquestionável, não se podendo encontrar uma pureza de sentido. Esse processo de compreensão e entendimento impõe desafios à gestão organizacional.

A multiplicidade de sentido é inerente à linguagem. O discurso mostra a relação exis- tente entre a produção do conhecimento que naturaliza o sentido com o poder, que estabelece os procedimentos às regras do referido conhecimento. Nas organizações há o conhecimento inerente aos administradores, empresários, gestores, etc., e onde a posição do gerente de pro- jetos, por exemplo, influencia a forma do discurso a ser proferido. Assim, o gerente de proje- tos seria uma construção no discurso, mas, ao mesmo tempo, trava com o outro a mesma construção de discurso, onde o controle pelo poder é quem administra os saberes e pode con- duzir um perfil ideal como uma tática para melhor controlá-los. É necessário que o gerente de projetos, como responsável por um projeto organizacional, tenha liderança e poder para con- duzi-lo, assim como gerenciar as expectativas dos demais stakeholders para alcançar os obje- tivos estratégicos da organização.