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Após o mapeamento das emissoras do Sul do Maranhão, constatou-se que 79% das rádios existentes se identificam como comunitárias. Diante desse dado, é relevante discutir teoricamente as questões relacionadas às rádios comunitárias, iniciando pela noção de comunidade, em seguida, verificar-se do que se trata uma comunicação comunitária. Tais conhecimentos auxiliam na compreensão das nuances da radiodifusão comunitária.

Comunidade, este termo tem outras referências, que não só a ideia de localização, ressignifica-se ideológica e discursivamente. A comunidade está ligada a um sentimento de pertencimento, a algo com que o indivíduo consegue se identificar, sentir-se simbolicamente ligado. A identificação pode estar relacionada a alguma causa, mas não necessariamente ter uma relação com o território.

Essa é uma discussão feita por autores da Sociologia, História, Psicologia Social, entre outros das Ciências Socais e áreas afins. Isso representa, na concepção de Gohn (2005, p. 15), “um fenômeno social com ampla gama de significados”, entre eles a noção de localidade

geográfica, pertencimento, relacionando-se a aspectos da psicologia e força social com mobilização na sociedade civil, a partir de seus agentes e atores.

Compreende-se que o desenvolvimento do termo comunidade vai além da ideia de pessoas organizadas no mesmo espaço físico, com hábitos comuns, mas “Desenvolver a comunidade significava lutar pela igualdade de direitos sociais, lutar pelo acesso e implantação de serviços de creche, escolas, postos de saúde, transportes, lazer e cultura etc”(GOHN, 2005, p. 21). Os indivíduos de uma comunidade podem não se identificar uns com os outros, mas fazem parte de grupos de afinidades e interesses, a partir de vínculos de solidariedade, mobilização social, entre outros motivos.

Comunidade ética oposta à comunidade estética são termos utilizados por Bauman (2003), para se referir às relações humanas, ao perpassar por identidades e sociabilidade. Se, por um lado, a comunidade ética representa os laços fixos, afetivos e duradouros, por outro lado, a comunidade estética ou “comunidades-cabides” está relacionada a laços superficiais e transitórios. Esta comunidade pode ser formada, por exemplo, em um festival e variados momentos em que se agrupam pessoas, mas que não geram um vínculo duradouro ou com responsabilidades. O ciberespaço, em muitas circunstâncias, evidencia a existência dessas comunidades estéticas, seja durante uma campanha no Facebook, correntes de oração enviadas por e-mail, entre outras situações.

A radiodifusão comunitária, em sua essência, aproxima-se da comunidade ética pelo compromisso que deve assumir com um bairro, ou uma cidade. São laços fixos, e pretende-se que sejam duradouros, para que se efetive o direito à comunicação, tanto pela transmissão de conteúdos plurais como pela oportunidade de participação da comunidade no processo produtivo.

O projeto identitário acerca de uma comunidade se configura a partir de uma tradição que identifica seres de um mesmo grupo, e o agir está condicionado a esse grupo (LEAL, 2006). Este autor compreende o surgimento da comunidade “[...] como dimensão estratégica de diferenciação e identificação dos indivíduos reunidos coletivamente em relação a outros grupos sociais e mesmo àquilo que se tem como sociedade” (LEAL, 2006, p. 188).

Maria Gohn (2005) e Bauman (2003) compartilham do pensamento da comunidade como algo bom, carregada de significados e sentidos. Para este último:

As palavras têm significados: algumas delas, porém, guardam sensações. A palavra “comunidade” é uma dessas. Ela sugere uma coisa boa: o que quer que “comunidade” signifique, é bom "ter uma comunidade”, “estar numa comunidade”. Se alguém se afasta do caminho certo, frequentemente explicamos sua conduta reprovável dizendo que “anda em má companhia”. Se alguém se sente miserável, sofre muito e se vê

persistentemente privado de uma vida digna, logo acusamos a sociedade – o modo como está organizada e como funciona. As companhias ou a sociedade podem ser más; mas não a comunidade. Comunidade, sentimos, é sempre uma coisa boa (BAUMAN, 2003, p. 07).

Essa reflexão, que situou a compreensão do termo comunidade, é importante para sequência da temática abordada. Falar de rádios comunitárias e suas atuações para a comunidade refere-se a algumas apreensões aludidas pelos teóricos citados. Parte-se da compreensão do termo comunidade para verificar os conceitos de comunicação comunitária, com ênfase no trabalho das rádios comunitárias. Este tipo de comunicação também, em sua essência, não está ligado apenas com a questão territorial, mas pressupõe práticas comunicacionais que devem estar a serviço da comunidade em que está localizada. Peruzzo (2011) enfatiza que o estabelecimento de um meio de comunicação em um determinado local, a utilização de uma linguagem semelhante ou o noticiar os acontecimentos da localidade não implicam automaticamente que se trata de um veículo de comunicação comunitária, pois o mesmo pode seguir as lógicas comercias e políticas de um veículo tradicional:

Assim sendo, a comunicação comunitária são reservadas exigências de vínculos identitários, não possuir finalidades lucrativas, e estabelecer relações horizontais entre emissores e receptores com vistas ao empoderamento social progressivo da mídia e ampliação da cidadania (PERUZZO, 2011, p. 24).

Ainda na perspectiva dos estudos de Peruzzo (2011, p. 25), comunicação comunitária e comunidade estão ligadas pela “mística em torno da justiça social”, com a iniciativa de atores sociais que formam uma “comunidade de ideias”, a fim de que todos possam ter “dignidade e seus direitos de cidadania respeitados”.

Essas reflexões vão ao encontro dos objetivos quanto à atuação de uma emissora radiofônica comunitária, qual sejam: de colaborar no desenvolvimento social de uma comunidade, ao proporcionar o exercício de uma comunicação plural e democrática (PERUZZO, 2006). Esta autora lembra que a radiodifusão comunitária demorou a ser legalizada no Brasil e faz parte de uma conquista adquirida pelos movimentos sociais e por “comunidades”, destaque da própria autora.

Marcelo Martínez Hermida (2015), em um breve ensaio, trabalha hipóteses quanto ao propósito dos meios comunitários. Para o autor, a comunicação deve cumprir um importante papel como uma ferramenta de diálogo e interação social. A partir de uma leitura crítica quanto à atuação da grande mídia, o autor propõe, por meio da comunicação comunitária, um espaço

recíproco para a discussão dos assuntos da vida social e organização das comunidades. Na perspectiva do pesquisador, deve-se inverter a noção de comunicação vertical para a horizontal:

Assumir a opinião pública a partir de uma perspectiva crítica poderia se identificar então, e a luz do que foi dito anteriormente, com a maneira de criar o clima de diálogo, as condições de participação e a difusão do consenso como parte da instrumentalização que ajude a tratar e compreender em comum os assuntos da vida social, na organização coletiva das comunidades e os grupos sociais. Dispor, como se proporia atualmente, as necessárias estratégias de comoção e contágio em uma dinâmica horizontal e em rede (HERMIDA, 2015, p. 8-9, tradução nossa)10.

Ao tratar de controvérsias nas rádios comunitárias, Peruzzo (2006) critica as outorgas que são facilmente liberadas para o funcionamento de emissoras comunitárias ligadas a algum político, igrejas ou determinadas pessoas que se apropriam do meio, o que, por outro lado, é dificultado para associações que podem trabalhar em prol da comunidade.

A manutenção de poderes políticos perpassa a permanência dos mesmos debates na esfera pública. Pautados por interesses políticos e econômicos, busca-se persuadir os cidadãos também por intermédio dos meios comunitários. Nesse cenário, é importante pensar em mecanismos que aproximem e conscientizem a comunidade sobre a importância da sua participação em uma rádio comunitária. Para Peruzzo (2006, p. 189), não basta ser ouvinte, é necessário o envolvimento, a emissora precisa ser “[...] o canal de comunicação nas mãos do ‘povo’ para que as pessoas possam ecoar suas diferentes vozes e participar de todo o processo de fazer rádio”.

Na concepção de Nunes (2007), as rádios comunitárias podem contribuir no exercício da cidadania ao descentralizar as informações, proporcionar a liberdade de informações, além de romper com o silêncio imposto pela mídia hegemônica. Para que a cidadania se efetive, também é necessário que os cidadãos estejam conscientes da realidade que os cerca, possam exigir e atuar para uma comunicação mais democrática. Isso é possível, segundo Nunes (2007, p. 115), “[..] com a formação de uma opinião pública mais próxima da realidade, com o desenvolvimento da consciência crítica e da própria educação”.

As considerações retratam os ideais de emissoras comunitárias. Peruzzo (1998) ressalta a existência de diferentes veículos que se intitulam rádios comunitárias, porém alguns

10 “Assumir la opinión pública desde uma perspectiva crítica se podría identificar entonces, y a la luz de lo

expressado anteriormente, con la manera de crear el clima de diálogo, las condiciones de la participación y la difusión del consenso como parte dela instrumentación que ayude a tratar y compreender em común los assuntos de la vida social, en la organización colectiva de las comunidades y los grupos sociales. Disponer, como se propondría actualmente, las necessárias estrategias de conmoción y contagio em uma dinâmica horizontal y em red” (HERMIDA, 2015, p. 8-9).

atuam na contramão de princípios comunitários, ou com o mínimo de ações exigidas por lei. A autora elenca cinco tipos de rádios que recebem o nome de veículos comunitários:

1º) Emissoras que se caracterizam como eminentemente comunitárias, uma vez que as organizações comunitárias são responsáveis por todo o processo comunicativo, desde a programação até a gestão do veículo. Vivem de apoio cultural, contribuições de sócios, doações e recursos arrecadados mediante a realização de festas etc, as vezes também veiculam anúncios comerciais e prestam serviços de áudio a terceiros; 2º) Aquelas que prestam alguns serviços comunitários, mas estão sob o controle de poucas pessoas e, em última instância, servem como meio de vida para seus idealizadores, os quais em geral também são seus donos. Ou seja, são de propriedade privada de alguém. Sua finalidade maior é a venda de espaço publicitário;

3º) Há também aquelas mais estritamente comerciais, com programação similar as das emissoras convencionais, sem vínculos diretos com a comunidade local;

4º) Existem também emissoras de cunho político-eleitoral, ligadas a candidatos a cargos eletivos e seus respectivos partidos políticos. Essas se proliferam mais rapidamente em períodos pré-eleitorais. Essas estão mais preocupadas em fazer “campanhas disfarçadas” de candidatos;

5º) Há ainda emissoras religiosas, vinculadas a setores das Igrejas Católica e Evangélicas. São sustentadas por suas mantenedoras e/ou pela venda de espaço publicitário. Entre elas algumas fazem programação estritamente religiosa e outras incluem programas de caráter educativo, informativo e cultural, o que as aproxima das comunitárias (Peruzzo, 1998, p. 9).

Verifica-se que a atuação e gestão das rádios nem sempre estão voltadas para os interesses das comunidades. É necessária uma perspectiva crítica quanto às relações de interesses em torno dessas experiências radiofônicas comunitárias. A comunicação pode ser pensada como a essência da própria comunidade, a partir de conteúdos voltados para a cidadania e a melhoria da localidade em que a emissora está inserida. Assim, a comunicação pode determinar o modo de ser dessa comunidade e colaborar para uma consciência politizada dos cidadãos. Estes precisam compreender a importância do local que eles podem ocupar e os papéis que podem exercer na sociedade civil.

3 O RÁDIO E AS ABORDAGENS JORNALÍSTICAS

A apreensão de uma base teórica sobre o jornalismo e o radiojornalismo é primordial para uma pesquisa que se propõe a traçar um panorama da produção radiojornalística no Sul do Maranhão. Os conceitos contribuíram para o mapeamento e para posteriores análises do material adquirido.

Este estudo pretende colaborar com as pesquisas sobre o campo jornalístico, a partir das contribuições dos estudos de newsmaking. Conforme Gadini (2005),é necessária a tradição de estudos e estratégias metodológicas capazes de legitimar e fortalecer esse campo. Acredita- se que as pesquisas fundamentadas na verificação da produção e cultura jornalística colaboram para a qualificação desse campo, por isso é relevante verificar o que abordam os trabalhos que têm como embasamento o newsmaking.

Os aspectos históricos e conceituais de radiojornalismo também são determinantes para apreender que a narrativa jornalística, fruto de elaborações que se desenvolveram em tempos passados e que hoje se desenvolvem a partir de novas perspectivas, novos enquadramentos, ainda que dando prosseguimento a sua trajetória histórica, adequa-se às singularidades de cada meio de comunicação.

Verifica-se também que a mídia local tem relação com informação de proximidade; deste modo, é válida a averiguação quanto aos conceitos de imprensa regional e local, bem como a importância da mesma para uma localidade. Portanto, o capítulo 3 propõe reflexões teóricas a respeito do jornalismo, radiojornalismo e jornalismo de proximidade.