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Fundamentação teórico-empírica

1.4 Aprendizagem no ambiente de trabalho

1.4.3 Comunidades de Prática

Embora haja indícios da existência de comunidades de prática, desde a antiguidade (WENGER; SNYDER, 2001, p. 12), o seu estudo como prática organizacional é muito

recente e alguns pontos ainda precisam ser melhor definidos. Um dos pontos mais polêmicos diz respeito à formalidade ou à informalidade desse tipo de comunidade. Ao cunhar o termo em 1991, Lave e Wenger (1991, p. 98) o definiram como um “conjunto de relacionamentos entre pessoas, atividades e o mundo, ao longo do tempo, e também em relação a outras comunidades sobrepostas e tangenciais”. Já em 2001, Wenger e Snyder (2001, p. 09) inserem a questão da informalidade na definição e a apresenta como “um grupo de pessoas informalmente ligadas pelo conhecimento especializado compartilhado e pela paixão por um empreendimento conjunto”. Aparentemente, a questão da informalidade não é amplamente esclarecida e, em outros textos, alguns autores parecem mais flexíveis (BOUD; MIDDLETON, 2003, p.200; GONGLA; RIZZUTO, 2001, p. 842). O próprio Wenger (1996, p. 24), ao afirmar a existência de diversos tipos de comunidades de prática das quais uma pessoa pode fazer parte ao longo de sua vida, enuncia que algumas podem, inclusive, ter um

status formal.

O assunto da informalidade das comunidades de prática parece ser de caráter secundário e, embora não tenha ficado claro, não compromete o seu estudo. Por ser um tema de grande interesse por parte das organizações, dado que estas podem se beneficiar com a sua existência (GONGLA; RIZZUTO, 2001; WENGER, 1996; MORENO, 2001; BOUD E MIDDLETON, 2003; LAVE; WENGER, 1991; WENGER; SNYDER, 2001), dificilmente as comunidades de prática estariam isentas de sua influência. Wenger e Snyder (2001, p. 10-19), por exemplo, indicam que as organizações são grandes favorecidas com sua existência e, portanto, devem buscar identificar potenciais comunidades e incentivar a sua criação e/ou manutenção, inclusive, oferecendo infra-estrutura e utilizando-se de mecanismos não tradicionais para avaliar seu valor. Para os autores, uma das principais recompensas para as organizações estaria por conta de uma facilitação da aprendizagem e da disseminação de idéias e know how. A comunidade de prática serviria como um complemento para estimular

radicalmente a mudança, a aprendizagem e a partilha de conhecimentos (WENGER; SNYDER, 2001, p. 10). A esse respeito, Boud e Middleton (2003, p. 196) mostraram – em um estudo na Universidade de Tecnologia de Sydney e em um órgão provedor de educação vocacional e treinamento do Governo australiano – que as comunidades de prática auxiliaram os profissionais a se integrarem e a discutirem sobre diversos assuntos de interesse mútuo, compartilhando idéias e ajudando a resolver problemas.

Exemplos desse tipo de comunidade, embora com outros nomes, podem ser encontrados em grandes empresas mundiais. Comunidades de aprendizagem na HP, grupos familiares na Xerox, grupos temáticos no Banco Mundial, grupos de pares na British

Petroleum, redes de conhecimento na IBM, podem ser concebidos, dentro de certas

considerações, como comunidades de prática que tiveram sua formação e/ou sua manutenção apoiadas pelas organizações das quais fazem parte (GONGLA; RIZZUTO, 2001, p. 842).

Neste estudo, as comunidades de prática serão definidas como “grupos de pessoas que compartilham uma preocupação ou uma paixão por algo que fazem e que interagem regularmente para aprender como fazê-lo melhor” (WENGER, 2004).

Nessas comunidades, as relações são criadas ao redor das atividades e estas tomam forma mediante as relações sociais e experiências daqueles que as executam (GHERARDI; NICOLINI, 2000, p. 10). Dessa forma, o conhecimento e as habilidades se tornam parte da identidade do indivíduo. Ao mesmo tempo, a dimensão da comunidade é condição essencial para a existência do conhecimento prático, dado que este só pode ser perpetuado pela transmissão para os entrantes no momento em que estes passam a fazer parte da comunidade (GHERARDI; NICOLINI, 2000, p. 10).

Os conceitos de comunidade de prática e de legítima participação periférica andam constantemente em paralelo. Lave e Wenger (1991, p. 29) chamam atenção para o fato de que os aprendizes, inevitavelmente, participam de comunidades de prática e que o domínio do

conhecimento e das habilidades requeridas exige um movimento do principiante rumo a uma participação completa nas práticas socioculturais de uma comunidade.

Brown e Duguid (1991, p. 48) corroboram esta visão e afirmam que a aprendizagem envolve estar dentro de uma comunidade de prática. Envolve tornar-se um participante e tem mais a ver com o desempenho de um papel dentro desta comunidade do que com a aquisição de um conhecimento individual.

Entretanto, a existência de uma comunidade de prática não implica, necessariamente, presença física ou um grupo identificável e bem definido, ou, ainda, a existência de fronteiras visíveis. Um exemplo disso são as comunidades de prática virtuais da Caterpilar, estudadas por Ardichvili, Page e Wentling (2003). A empresa contava, na época do estudo, com mais de 600 dessas comunidades, formadas por, aproximadamente, 15.000 profissionais espalhados pelo mundo. Dessa forma, menos que presença física, a existência de comunidades de prática implica, sim, a participação em um sistema de atividades sobre o qual os participantes compartilham entendimentos (LAVE; WENGER, 1991, p. 98).

Wenger (2004), por sua vez, enuncia a existência de três características básicas que, em conjunto, constituem uma comunidade de prática:

1. O domínio: uma comunidade de prática não é meramente um clube de amigos ou uma rede de trabalho com conexões entre pessoas. É necessário que haja uma identidade definida por um domínio de interesses compartilhados. Fazer parte dessa comunidade implica comprometimento com esse domínio e, portanto, compartilhar competências que o diferenciem de outras pessoas. É importante que se destaque que o domínio não é, necessariamente, reconhecido como competência por alguém externo a essa comunidade de prática. Uma gangue de jovens pode desenvolver diversas formas de lidar com os seus domínios de interesse, por exemplo, uma necessidade de aprender a sobreviver nas ruas e de manter algum tipo de identidade com a qual possam viver.

Seus componentes valorizam essa habilidade coletiva e aprendem uns com os outros, mesmo que poucas pessoas fora daquele seu ambiente possam dar o mesmo valor e reconhecimento a essa competência.

2. A comunidade: em busca de seus interesses, os membros se engajam em atividades e discussões, ajudando-se mutuamente e compartilhando informações. Eles constroem relacionamentos que lhes possibilitam aprender com os outros. Ter a mesma titulação ou o mesmo trabalho não cria uma comunidade de prática, a menos que as pessoas interajam e aprendam em conjunto. No entanto, como já foi dito, os seus membros não precisam, obrigatoriamente, trabalhar juntos no dia-a-dia.

3. A prática: uma comunidade de prática não é apenas uma comunidade de interesses. Os seus participantes são profissionais. Eles desenvolvem um repertório compartilhado de recursos (experiências, histórias, ferramentas, etc.), ou seja, uma prática compartilhada. Isto requer tempo e exige interação. Uma conversa com um estranho em um avião pode, sem dúvida, proporcionar uma diversidade de idéias, entretanto, isto não representa, por si só, uma comunidade de prática.

Embora todas as comunidades de prática apresentem esses três elementos, elas podem se configurar de diversas formas. Algumas são pequenos grupos; outras muito grandes. Podem aparecer com um grupo nuclear e alguns participantes periféricos. Umas são locais, enquanto outras cobrem todo o globo. Os encontros podem ser tanto face-a-face, quanto

online. Elas podem se restringir aos limites da organização ou incluir membros de várias

outras. Podem ser formalmente reconhecidas, inclusive, com orçamento próprio ou continuar na mais completa invisibilidade do mundo informal (WENGER, 2004).

Esta seção abordou o tema das comunidades de prática e mostrou que estas podem exercer um importante papel para a aprendizagem dos indivíduos que, relacionando-se em grupos, interagem em prol do desenvolvimento e da busca por melhores práticas. A seguir,

ganharão destaque os relacionamentos interpessoais. Como já foi apontado anteriormente, Gherardi, Nicolini e Odella (1998, p. 274) defendem que a aprendizagem se dá entre outras pessoas e por meio delas. Da mesma forma, Merriam (1983, p.161) afirma que algumas pessoas relataram ter aprendido informalmente com outros adultos com quem tinham um relacionamento próximo. O tema que esta próxima subseção traz para a discussão é referente à importância dos relacionamentos interpessoais para a aprendizagem de um profissional. Nela destacam-se as questões que estão relacionadas à influência dos mentores para a aprendizagem.