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SEMIÓTICO

O semiótico refere-se a uma atividade pulsional primária, indiferenciada, que, através do processo primário do funcionamento psíquico, vincula pulsões, funcionamentos psicossomáticos, o corpo

fragmentado, a significantes vazios. Implica em possibilidades

articulatórias que são a origem de um processo de significação que situaria o sujeito como um sujeito em processo. Embora ainda carente do signo, vinculações instáveis, oscilantes vão gradativamente surgindo.

Discrete quantities of energy move through the body of subject who is not yet constituted as such and, in the course of his development, they are arranged according to the various constraints imposed on this body – always already involved in a semiotic process – by family and social structures. In this way the drives, which are ‘energy’ charges as well as ‘psychical’ marks, articulate what we call a Chora: a nonexpressive totality formed by drives and their stages in a motility that is as full of movement as it is regulated.41 (KRISTEVA, 1984, p. 25, grifo no

original).

41 “Quantidades discretas de energia se movem através do corpo do sujeito que ainda não é constituído como tal, no curso do seu desenvolvimento, elas são rearranjadas de acordo com restrições impostas a este corpo – sempre já envolvidas em um processo semiótico – pela família e estruturas sociais. Neste sentido os impulsos, que são cargas de ‘energia’ assim como marcas ‘psíquicas’, articulam o que chamamos Chora: uma totalidade não expressiva formada pelos impulsos e seus estágios em uma motilidade que é tão cheia de movimento quanto regulada” (KRISTEVA, 1984, p. 25, grifo no original, tradução nossa).

Portanto, é dentro deste espaço semiótico do chora que se articula um processo de funcionamento não verbal que conecta o corpo, objetos e os protagonistas da estrutura familiar e o meio social. Nele existe já uma atividade de significação, na qual o signo linguístico não está ainda articulado, atividade esta que precede e está subjacente à linguagem. Embora não exista aqui ainda um sujeito, existe movimento, pulsões, estases e descargas, ritmos, que são vinculados ainda a objetos

semióticos puros: vozes, cores, sons, gestos:

[…] a nonexpressive totality formed by the drives and their stages in a motility that is as full of movement as it is regulated.

We borrow the term chora from Plato’s Timaeus to denote an essentially mobile and extremely provisional articulation constituted by movements and their ephemeral stages. We differentiate this incertain and indeterminate articulation from a disposition that already depends on representation […]42 (KRISTEVA, 1984, p. 25).

Portanto chora é um processo, ou um espaço, assim digamos, no qual a representação simbólica está ainda ausente, no qual não existe ainda o signo linguístico nem como representação de um objeto ausente, nem como uma distinção entre o real e o simbólico (KRISTEVA, 1984, p. 26.)

Contudo existiria, na concepção de Kristeva, uma articulação incerta e indeterminada, segundo ela, de vivências corporais e de pulsões ainda fragmentadas, mas estabelecendo processos provisórios de articulações.

Caso recorramos a Platão, de quem Kristeva ‘empresta’ a origem de seu conceito, talvez possamos ter uma ideia mais clara das características fundamentais a que ela deseja referir-se.

Na acepção de Platão o chora seria um dos três elementos que constituem a possibilidade de existência ou criação do universo, o espaço. Para Platão o espaço seria o receptáculo original de todas as

42 “[...] uma totalidade não expressiva formada por impulsos e seus estágios em uma motilidade que é tão cheia de movimento quanto regulada. Nós emprestamos o termo

chora do Timaeus de Platão para denotar uma articulação essencialmente móvel e

extremamente provisória constituída por movimentos e seus estágios efêmeros. Nós diferenciamos esta articulação incerta e indeterminada de uma disposição que já depende da representação [...]” (KRISTEVA, 1984, p. 25, tradução nossa).

coisas que virão a constituir o universo, mas antes que este universo ainda exista enquanto tal.

A seguinte passagem do Timeu de Platão pode ilustrar o processo articulatório provisório e instável deste espaço indiferenciado que vai se constituindo em universo:

La nodriza Del devenir mientras se humedece y quema y admite las formas de La tierra y el aire y sufre todas las otras afecciones relacionadas con éstas, adquiere formas múltiples y, como está llena de fuerzas disimiles que no mantienen un equilíbrio entre si, se encuentra toda ella en desequlibrio: se cimbrea de manera desigual en todas partes, es agitada por aquéllas y, en su movimiento, las agita a su vez. Los diferentes objetos, al moverse, se desplazan hacia diversos lugares y se separan distinguiéndose, como lo que es agitado y cernido por los cedazos de mimbre y los instrumentes utilizados en La limpieza del trigo donde los cuerpos densos y pesados se sedimentan en un lugar y los raros y livianos en outro. Entonces, los más disimiles de los cuatro elementos – que son agitados así por La que los admitió, que se mueve Ella misma como instrumente de agitación –, se apartan más entre si y los más semejante se concentran en un mismo punto, por lo cual, incluso antes de que el universo fuera ordenado a partir de ellos, los distintos elementos ocupaban diferentes regiones. Antes de La creación. Por cierto todo esto carecía de proporción y medida.43 (PLATÃO, 2010, p. 26)

43 “A nutriz do devenir enquanto se umedece e queima e admite as formas da Terra e o ar e sofre todas as condições relacionadas com estas, adquire formas múltiplas e, como está cheia de forças dessemelhantes que não mantêm um equilíbrio entre si, se encontra toda ela em desequilíbrio: oscila de forma desigual em todas as partes, é agitada por aquelas e, em seu movimento, as agita por sua vez. Os vários objetos, ao moverem-se, se deslocam para lugares diferentes e se separam distinguindo-se, como o que é agitado e peneirado por telas de vime e os instrumentos utilizados na limpeza do trigo onde os corpos densos e pesados se sedimentam em um lugar e os raros e leves em outro. Então, o mais diferente dos quatro elementos – que são agitados assim por Quem os admitiu, que se move Ela mesma como instrumento de agitação –, separam-se mais entre si e os mais semelhantes concentram-se em um mesmo ponto, motivo pelo qual, mesmo antes que o universo fosse ordenado a partir deles, os elementos ocupavam diferentes regiões. Antes da Criação. Por certo tudo isto carecia de proporção e medida” (PLATÃO, 2010, p. 26, tradução nossa).

Mas, para Kristeva, estes elementos primordiais que se agitam indiferenciadamente e ainda sem nome seriam as vivências corporais e as pulsões, as quais possuem ritmo, um espaço rítmico de estase e descarga, elementos primevos de emoções, os quais se articulariam primariamente em torno do corpo materno, mas também sofreriam influências de ordenação por pressões biológicas ou sócio-históricas. Espaço, pois, ainda sem lei, sem a presença do nome do pai que seria o possibilitador do simbólico e do espaço linguístico. Chora é, pois, antítese e possibilidade de discurso, mas discurso este que embora se nutra no espaço pré-linguístico do chora, do semiótico, simultaneamente depende dele e o recusa (KRISTEVA, 1984, p. 26).

4.4 O CHORA E PROCESSO DE SIGNIFICAÇÃO (SIGNIFIANCE)