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1. INTRODUÇÃO

2.2. DESENVOLVIMENTO LOCAL

2.2.4. Conceito de desenvolvimento sustentável

A discussão sobre o conceito de turismo sustentável é relativamente recente, tendo surgido com maior intensidade no final da década de 80. No entanto, para conhecer as origens e compreender a evolução do conceito, é preciso observar um conceito mais amplo de desenvolvimento sustentável, do qual decorre noção de sustentabilidade do turismo. Das várias abordagens ao conceito de desenvolvimento sustentável que podemos encontrar na literatura, importa referir algumas das mais significativas, com o propósito de estabelecer as bases para a compreensão da noção de sustentabilidade, no âmbito do turismo.

Um dos primeiros relatórios a falar abertamente sobre o conceito de desenvolvimento sustentável foi a “Estratégia Mundial de Conservação: Conservação dos Recursos Vivos para o Desenvolvimento Sustentável” (IUCN, UNEP, & WWF, 1980).

Foi, contudo, com a publicação do relatório “O Nosso Futuro Comum”10, preparado pela Comissão Mundial para o Ambiente e Desenvolvimento (WCED, 1987), que o conceito de “desenvolvimento sustentável” se tornou proeminente, exercendo influência sobre numerosas organizações, governamentais e não governamentais. O Relatório ao sugerir uma forma de

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Stakeholder (em português, parte interessada ou interveniente) é uma palavra inglesa usada em diversas áreas (turismo, gestão, etc.) e refere-se às partes interessadas (aos diversos “actores”) num determinado/a processo, objectivo, missão, organização, etc.

9 Entende-se como territórios de «baixa densidade virtuosa» territórios que apesar da sua baixa densidade populacional possuem

potencialidades e virtualidades que podem representar vantagens no processo de desenvolvimento desse território.

10 Conhecido por Relatório Brundtland em homenagem à então primeira-ministra norueguesa e presidente da comissão Gro Harlem

40 conciliar a protecção do ambiente com o desenvolvimento económico, foi o responsável pela definição de desenvolvimento sustentável até agora mais difundida em todo o mundo e que tem servido de ponto de partida para a discussão nas mais diversas disciplinas: O desenvolvimento sustentável é o desenvolvimento que satisfaz as necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras satisfazerem as suas próprias necessidades (WCED, 1987). De acordo com esta perspectiva, o desenvolvimento sustentável é um processo de satisfação das necessidades do presente que não compromete a capacidade das gerações futuras satisfazerem as suas próprias necessidades. Tal como o próprio relatório avança, esta definição assenta em dois conceitos fundamentais (WCED, 1987):

ƒ O conceito de “necessidades” humanas, em particular as dos mais pobres, às quais deve ser dada prioridade de resolução;

ƒ A ideia da existência de limitações, impostas pelo estado da tecnologia e pela organização social à capacidade do ambiente (do ecossistema global) satisfazer as necessidades do presente e do futuro.

O desenvolvimento sustentável passou a ser entendido como um desígnio global a longo prazo. Isto pode ser depreendido da leitura das metas e dos princípios legais estabelecidos pela Comissão Mundial para o Ambiente e Desenvolvimento (CMAD) no seu relatório de 1980 (Tabela 3):

41 Tabela 3 - Metas e princípios legais do desenvolvimento sustentável (CMAD)

Metas Princípios Legais

Um sistema político que assegure uma efectiva participação na tomada de decisão

Todos os seres humanos têm o direito fundamental de usufruir de um ambiente adequado à sua saúde

e bem-estar Um sistema económico que seja capaz de gerar

excedentes e conhecimentos técnicos numa base auto-sustentada

As nações devem conservar e usar o ambiente e os recursos naturais para benefício das gerações

presentes e futuras Um sistema social que forneça soluções para as

tensões provocadas por um desenvolvimento não harmonioso

As nações devem manter os ecossistemas e os processos ecológicos essenciais para o funcionamento da biosfera, preservar a diversidade

biológica e observar o princípio do rendimento sustentável óptimo na utilização dos recursos

naturais vivos e dos ecossistemas Um sistema de produção que obedeça à

obrigação de preservar a base ecológica para o desenvolvimento

As nações devem estabelecer padrões adequados de protecção do ambiente e monitorizar as alterações nele ocorridas e publicar os dados relevantes sobre a qualidade do ambiente e a

utilização dos recursos Um sistema tecnológico que procure

continuamente novas soluções

As nações devem exigir a avaliação prévia do impacto ambiental de projectos que possam afectar

significativamente o ambiente ou a utilização de recursos naturais

Um sistema internacional que busque padrões sustentáveis para as trocas comerciais e as

finanças

As nações devem informar atempadamente todas as pessoas que possam vir a ser afectadas por uma

actividade prevista e garantir igual acesso e conveniente tratamento em processos

administrativos e judiciais Um sistema administrativo que seja flexível e que

tenha a capacidade de se autocorrigir

As nações devem assegurar que a conservação seja tratada como parte integral do planeamento e implementação de actividades de desenvolvimento

e fornecer assistência a outras nações, em especial a Países em Desenvolvimento, no suporte da

protecção ambiental e desenvolvimento sustentável

As nações devem cooperar de boa fé com outras nações na implementação dos direitos e obrigações

precedentes Fonte: Adaptado de Hunter & Green (1995)

Desde a publicação do Relatório Brundtland (WCED, 1987) tem havido inúmeras reflexões em torno do conceito de desenvolvimento sustentável. A partir deste relatório, Bramwell & Lane (1993) apontam quatro princípios básicos para a sustentabilidade:

ƒ A existência de um processo holístico de planeamento e de formulação de estratégias; ƒ A importância da preservação dos processos ecológicos essenciais;

ƒ A necessidade de protecção do património humano e da biodiversidade;

ƒ O requisito chave: um desenvolvimento que permita que a produtividade seja sustentável no longo prazo, para as gerações futuras.

Estes autores avançam, ainda, que este relatório acrescentou um móbil poderoso à discussão sobre sustentabilidade: além de se procurar compatibilizar o crescimento económico

42 com a protecção dos recursos naturais, apela-se à equidade social e à igualdade de oportunidades entre as nações. Ora, isto pressupõe um esforço de convergência entre os Países Pobres e os Países Ricos, para que o sistema global consiga ter estabilidade, a par da sustentabilidade.

De acordo com Murphy (1994), o Relatório Brundtland atribui um lugar de destaque ao conceito de desenvolvimento sustentável, promovendo-o como um automóvel para entrega, embora este não seja um conceito novo. Ao basear-se na antiga filosofia de que nós não herdamos a Terra dos nossos antepassados, mas antes a obtemos de empréstimo aos nossos filhos, pelo que se deve deixar algo para as gerações futuras, o Relatório oferece, contudo, uma perspectiva mais proactiva, fazendo apelo para que o crescimento económico seja mais compatível com o ambiente e promova maior equidade social. Atendendo à interpretação efectuada ao conteúdo do referido relatório, o autor identifica as principais componentes do desenvolvimento sustentável, que constam da tabela seguinte:

Tabela 4 - Principais componentes do desenvolvimento sustentável

Componentes

Estabelecimento de limites ecológicos e de padrões mais equitativos Redistribuição da actividade económica e reafectação de recursos

Controlo demográfico Conservação dos recursos básicos

Acesso mais equitativo aos recursos e maior esforço tecnológico para uma utilização mais eficaz Estabelecimento de capacidades de carga e de níveis de rendimento sustentáveis

Retenção dos recursos (não esgotamento dos recursos não renováveis) Manutenção da biodiversidade

Minimização de impactes adversos Participação/controlo da comunidade local

Adopção de políticas ao nível global Viabilidade económica

Qualidade ambiental Auditorias ambientais Fonte: Adaptado de Murphy (1994)

A interpretação do conceito de desenvolvimento sustentável começou por estar centrada em aspectos ligados essencialmente ao ambiente e aos recursos naturais, só mais tarde é que se alargou às preocupações socioeconómicas e culturais. Por esta razão, a dimensão ambiental tem sido frequentemente posta em relevo na discussão sobre a sustentabilidade, mesmo no domínio do turismo, cabendo aos aspectos económicos e sociais um papel secundário.

Garrod & Fyall (1998) sublinham que a visão assumida pelo Relatório Brundtland foi a de que o desenvolvimento não estava simplesmente orientado para a eficiência económica, mas essencialmente relacionado com questões de justiça entre os indivíduos e grupos que formam a sociedade actual e de justiça entre a geração presente e as gerações futuras. Na opinião destes autores, desde que o conceito de sustentabilidade se popularizou, no final da década de 80, tem-

43 se utilizado indiscriminadamente o termo “desenvolvimento sustentável”, sendo frequente os responsáveis políticos falarem em desenvolvimento sustentável para se referirem à continuidade do crescimento económico a taxas iguais ou superiores às que se têm verificado nos últimos anos, o que pouco tem a ver com as implicações ambientais do crescimento ou com as equidades implícitas na noção Relatório Brundtland.

Mais recentemente, Dresner (2002) afirma que o emprego exacerbado da expressão nos meios políticos tem encorajado a suspeita, por parte de alguns ambientalistas, de que o desenvolvimento sustentável é um conceito sem qualquer significado ou conteúdo. A palavra sustentabilidade é utilizada nas mais variadas ocasiões, por diversos responsáveis, umas vezes enfatizando o desenvolvimento através do crescimento económico, outras, enfatizando a sustentabilidade através da protecção do ambiente. Certos ambientalistas chegam ao ponto de argumentar que o desenvolvimento sustentável é uma contradição de conceitos, meramente utilizados como uma capa para encobrir a destruição da natureza. De opinião contrária são alguns economistas, que estão convictos de que o desenvolvimento sustentável é demasiado cauteloso em relação ao futuro, conduzindo a potenciais sacrifícios ao crescimento económico devido à preocupação excessiva com a degradação dos recursos naturais. Os defensores do conceito, por seu turno, asseguram que a discórdia em relação ao conceito não implica desprovimento de conteúdo. Pelo contrário, trata-se de uma noção que pode ser sempre contestada, à semelhança dos ideais de liberdade ou de justiça, que são aceites pela maioria, mas em que se persiste na discussão sobre a sua definição.

Croall (1995) chama a atenção para o facto de o Relatório Brundtland não ter feito qualquer referência específica ao turismo, o relatório teve, antes, um impacte fulcral na discussão sobre o modo como se utilizam os recursos do planeta e sobre o papel que o turismo pode desempenhar neste processo, estabelecendo um elo entre o desenvolvimento e o turismo.

Foi, no entanto, com a realização da Conferência das Nações Unidas sobre Ambiente e Desenvolvimento11, em Junho de 1992, que o conceito de desenvolvimento sustentável ganhou maior fama e projecção mundial. O princípio do desenvolvimento sustentável foi definitivamente reconhecido e aprofundado, passando a integrar a Agenda 21 (UNCED, 1992), um extenso programa de acção, que visa assegurar a sustentabilidade futura do nosso planeta. Este documento, que compreende 40 capítulos e foi subscrito por um total de 179 países, entre eles a Comunidade Europeia, onde se inclui Portugal, contém um vasto elenco de recomendações a adoptar, à escala mundial, no domínio do ambiente e desenvolvimento. Desde então, as autoridades nacionais de vários países têm procurado nortear a sua política de desenvolvimento de acordo com os princípios do desenvolvimento sustentável.

11 Também conhecida por Cimeira da Terra, Conferência do Planeta ou Cimeira do Rio, por ter decorrido na cidade brasileira do Rio

44 A Organização Mundial de Turismo (OMT), reconhecendo igualmente a pertinência deste conceito, assume um compromisso no sentido de contribuir para a sua difusão, ao nível global, aplicando estes princípios em todos os seus estudos sobre planeamento e desenvolvimento do turismo.