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1. INTRODUÇÃO

2.3. TURISMO

2.3.4. Turismo sustentável: evolução do conceito

2.3.4.1. Conceito de turismo sustentável

Alguns autores defendem que a evolução do conceito de turismo sustentável se evidenciou na literatura mesmo antes do termo desenvolvimento sustentável ter sido oficialmente reconhecido. Hardy, Beeton, & Pearson (2002) destacam, a este propósito, a expressão new tourism, utilizada por Rosenow & Pulsipher (1979), como sinónimo de um tipo de turismo que, em simultâneo, contribui para a preservação das cidades, não excede as capacidades de carga, promove os valores ambientais e patrimoniais e educa os turistas, reflectindo indirectamente o conceito de desenvolvimento sustentável.

No entanto, a discussão sobre a sustentabilidade do turismo foi claramente influenciado pela evolução do conceito mais vasto de desenvolvimento sustentável. Pode-se dizer que decorreu, em paralelo, um processo similar, que levou à aceitação do conceito de turismo sustentável (Hunter & Green, 1995; Goodall & Stabler, 1994; Murphy, 1994; Bramwell & Lane, 1993; Inskeep, 1991).

De acordo com Bramwell & Lane (1993), a abordagem à sustentabilidade foi transposta para o turismo tendo em vista reduzir as tensões criadas pela complexidade da interacção existente entre os agentes do sector do turismo, os visitantes, o ambiente e a comunidade local. Nesta perspectiva, a meta a alcançar com a sustentabilidade do turismo é a manutenção da viabilidade e da qualidade dos recursos naturais e humanos, no longo prazo. Esta noção não se opõe ao crescimento, mas implica o reconhecimento da existência de limites, que variam de local para local e consoante as práticas de gestão. Segundo os autores, deve-se assegurar que o desenvolvimento turístico seja sustentável, no longo prazo, e que contribua para sustentar as áreas onde ocorre, uma vez que o turismo foi, é e será, ainda, um sector de grande importância económica para muitas regiões. Acrescentam que a sustentabilidade do turismo deve ter em conta a satisfação dos visitantes, pois um visitante satisfeito preocupa-se com os lugares por onde passa e repete a visita, contribuindo para a continuidade do fenómeno, ao longo do tempo. Os autores identificam uma evolução na interpretação do conceito de sustentabilidade do turismo, pois afirmam que, à medida que a discussão em torno da sustentabilidade do turismo evoluiu, se passou da análise de impactes para a definição de orientações e códigos de conduta, a serem adoptados quer por parte das empresas, da população local e dos responsáveis pelo

78 planeamento (ou seja, pelo lado da oferta turística), quer por parte dos próprios turistas (ou seja, pelo lado da procura turística).

Hunter & Green (1995) afirmam que, a partir dos anos 80, se registou um interesse crescente por formas de turismo alternativas ao turismo de massas tradicional e ao turismo urbano. Entre os factores responsáveis pelo êxito deste novo tipo de turismo os autores apontam os seguintes:

ƒ Uma maior consciência dos impactos ambientais do turismo;

ƒ Uma crescente procura de novas experiências turísticas por parte dos turistas;

ƒ Uma maior ênfase na integração de políticas de protecção ambiental e de desenvolvimento económico;

ƒ Uma preocupação acrescida da indústria turística com as tendências futuras do mercado. O termo “turismo alternativo” surge frequentemente na literatura como sinónimo de outros conceitos: “turismo suave”, “ecoturismo”, “turismo verde”, “turismo de baixo impacto”, “turismo alternativo”, “turismo de natureza”, “turismo suave”, “turismo responsável”, “turismo apropriado” ou “turismo sustentável”. (Hunter & Green, Tourism and the Environment: A Sustainable Relationship?, 1995).

A profusão de termos que surgiu recentemente na literatura para aludir às novas formas de turismo tem levado a contrapor a noção de “turismo de massas” à de “turismo alternativo”:

Tabela 22 - Turismo sustentável versus turismo não-sustentável

Turismo Sustentável Turismo Não-sustentável

Conceitos gerais Desenvolvimento lento Desenvolvimento controlado Escala apropriada De longo prazo Qualitativo De controlo local Desenvolvimento rápido Desenvolvimento descontrolado

Escala não apropriada De curto prazo

Quantitativo De controlo remoto

Estratégias de desenvolvimento

Planear antes de desenvolver Orientadas por conceitos

Preocupação com a integração na paisagem Pressão e benefícios diluídos Agentes de desenvolvimento locais

Emprego de residentes locais Arquitectura vernacular

Desenvolver sem planear Orientadas por projectos Concentração em pontos-chave

Aumento da capacidade Agentes de desenvolvimento externos

Importação de mão-de-obra Arquitectura não vernacular

Comportamento dos turistas

De baixo valor

Alguma preparação psicológica Aprende a língua local

Cuidadoso e sensível Silencioso Repete a visita

De alto valor

Pouca ou nenhuma preparação psicológica Não aprende a língua local

Intensivo e insensível Barulhento Não repete a visita Fonte: Adaptado de Swarbrooke (1999)

79 De acordo com o autor (Tabela 22), esta abordagem inclui o turista na equação, algo que falha em muitas definições e abordagens à sustentabilidade do turismo. Por outro lado, Swarbrooke (1999) polariza a discussão, dando a entender que só existem formas de turismo sustentável (bom) e não-sustentável (mau), o que não acontece propriamente na realidade. Todavia a tabela é útil porque resume as principais linhas de pensamento sobre a temática.

Swarbrooke (1999) ilustra as origens do conceito de turismo sustentável recorrendo à seguinte representação esquemática.

Figura 9 - A evolução cronológica do conceito de sustentabilidade do turismo

Fonte: Adaptado de Swarbrooke (1999)

O autor começa por aponta um conjunto de obras que, na sua opinião, contribuíram para o aparecimento do conceito de turismo sustentável, ao denunciarem, pela primeira vez, os impactes da explosão da actividade turística à escala mundial.

Tabela 23 - Obras precursoras do conceito de turismo sustentável

Obras

O relatório de Michael Dower, Fourth Wave – The Challenge of Leisure, publicado em 1968, que alertou a sociedade para o impacte potencial do crescimento massivo e eminente dos tempos livres e

das actividades de lazer;

O livro de Young, Tourism: Blessing or Blight? publicado em 1973, que também chamou a atenção para os potenciais impactes negativos do turismo;

A obra Tourism: Passport to Development? publicada em 1979, por De Kadt, que discutiu o papel do turismo na economia dos Países em Desenvolvimento;

A influente obra de Mathieson e Wall, Tourism: Economic, Physical and Social Impacts, que surgiu em 1982 e que se debruçou sobre os impactes do turismo ao nível económico, social e ambiental, em várias

áreas geográficas;

O livro de Peter Murphy, Tourism: A Community Approach, publicado em 1985, que fez a primeira abordagem ao estudo da relação entre o turismo e a comunidade local;

O trabalho do investigador suíço Jost Krippendorf, The Holiday Makers, publicado em 1987, que abordou o turismo e os seus impactes, mas, neste caso, na perspectiva dos turistas

The Good Tourist, de Wood e House, publicada em 1991, que pretendeu influenciar o comportamento dos turistas, tornando-os mais conscientes dos impactes provocados por algumas formas de turismo

Holidays that Don’t Cost the Earth, de Elkington e Hailes, publicada em 1992, que também teve a intenção de persuadir os turistas para a adopção de um comportamento mais responsável.

Fonte: Adaptado de Swarbrooke (1999)

1960 1970 1980 1990

Reconhecimento dos impa ctes potencia is do turismo de ma ssa s

Introduçã o do conceito de gestã o

dos visita ntes

Apa recimento do conceito de turismo verde (green tourism) Crescente a dopçã o do conceito de turismo sustentá vel (sustainable tourism)

80 Os termos “turismo sustentável” e “desenvolvimento sustentável do turismo” aparecem pela primeira vez no final da década de 80, na sequência da rápida adopção no vocabulário da expressão “desenvolvimento sustentável”, após a publicação do Relatório Brundtland (WCED, 1987). No entanto, nessa altura, estavam mais vulgarizadas expressões como green issues e

green tourism, ao ponto de se ter escolhido para tema de uma importante conferência que se

realizou em Leeds (Reino Unido), em 1990, Shades of Green, dando a entender que poderia haver várias tonalidades de verde, ou seja, vários tipos de turismo, mais ou menos sustentáveis (Swarbrooke, 1999). A utilização do termo green tourism reflecte o aumento da consciencialização ambiental, que também se revelou através da ascensão das green politics em países como o Reino Unido, a Alemanha e a França. O conceito de green tourism passa a estar associado à ideia da redução de custos e maximização de benefícios ambientais do turismo, exercendo grande influência junto dos círculos de poder político. A partir do início dos anos 90, o termo “turismo sustentável” passa a ser utilizado com maior frequência. O conceito começa, então, a consolidar-se, procurando transpor-se as implicações do Relatório Brundtland (WCED, 1987) para o sector do turismo. A discussão centra-se na adopção de uma abordagem holística ao desenvolvimento, atendendo à manutenção da produtividade no longo prazo e à preservação dos ecossistemas, da biodiversidade e dos sistemas de suporte à vida, em benefício das gerações actuais e futuras e respeitando os princípios de equidade e igualdade de oportunidades entre nações.

Em resposta a estes reptos, a OMT patrocina estudos, prepara publicações e realiza seminários e conferências, em várias regiões do mundo, para aumentar a consciencialização e encorajar a implementação deste conceito:

81 Figura 10 - Princípios básicos do desenvolvimento sustentável, de acordo com a OMT

Fonte: Adaptado de WTO (1993)

A abordagem ao turismo passa a ter em conta a comunidade receptora, quer em termos da distribuição dos benefícios económicos, quer da participação no processo de desenvolvimento local. O turismo sustentável define-se como um modelo de desenvolvimento económico que permite melhorar a qualidade de vida da população local, oferecer uma experiência de qualidade ao visitante e manter a qualidade do ambiente, do qual depende a comunidade local e o turismo (WTO, 1993).

O turismo sustentável distingue-se do turismo tradicional, pondo em relevo a interdependência que deve existir entre todos os grupos presentes no sistema de turismo: os turistas e os agentes privados do sector (fornecedores de equipamentos e serviços turísticos), as entidades que se ocupam da protecção do ambiente e os residentes e seus representantes, que pretendem a melhoria da qualidade de vida para a sua comunidade.

A sustentabilidade ecológica, que assegura que

o desenvolvimento seja compatível com a manutenção dos processos

ecológicos essenciais, a diversidade biológica e os

recursos biológicos

A sustentabilidade social e cultural, que assegura que o desenvolvimento permita aumentar o controlo da população sobre a sua própria vida, que seja compatível com

a cultura e os valores locais e que mantenha e reforce a identidade cultural A sustentabilidade

económica, que assegura que o desenvolvimento seja economicamente eficiente e que a gestão dos recursos

permita a sua utilização pelas gerações futuras

82 Figura 11 - Parceiros para o desenvolvimento turístico sustentável

Fonte: Adaptado de WTO (1993)

O compromisso com a sustentabilidade e com o turismo sustentável cresce à escala internacional. Os princípios da Agenda 21 (UNCED, 1992) são aplicados ao turismo (WTO, 1995). O Conselho Mundial de Viagens e de Turismo estabelece um conjunto de orientações ambientais para empresas e departamentos governamentais (WTTC, 1991) com base nos princípios da “Carta Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável” (ICC, 1991). Surgem recomendações, à escala nacional e regional, da parte de organizações governamentais e associações empresariais (UNEP-IE, 1995). A ênfase coloca-se na protecção do ambiente e nos impactes ambientais do turismo. Aparecem orientações para as empresas do sector, visando a implementação de práticas ambientais adequadas, embora ainda circunscritas a determinados subsectores ou baseadas em estudos de casos isolados (Goodall, 1994; Wight, 1994).

Com a aprovação, em 1995, do relatório intitulado “O Papel da União em Matéria de Turismo - Livro Verde da Comissão”, assinala-se um novo marco histórico neste processo. A União Europeia reconhece definitivamente o turismo como um domínio importante para a concretização do desenvolvimento sustentável (Comissão das Comunidades Europeias, 1995), assumindo responsabilidades nesse sentido: o papel da Comunidade poderia exercer-se através da realização de acções experimentais para estimular o desenvolvimento sustentável do turismo, na tripla perspectiva de melhoria do bem-estar do turista, de protecção e valorização do património e de promoção do crescimento e da competitividade das empresas (Comissão das Comunidades Europeias, 1995).

A Comunidade compromete-se, ainda, neste Livro Verde a: contribuir com um valor acrescentado, disponibilizando factores úteis ao desenvolvimento do turismo, como sejam a criação ou adaptação de infra-estruturas, a valorização dos recursos humanos empregues, a protecção e valorização do ambiente, assim como a experimentação e a divulgação de produtos turísticos novos ou diversificados (Comissão das Comunidades Europeias, 1995).

Os princípios básicos do desenvolvimento sustentável são explicitamente transpostos para o domínio do turismo (Tabela 24).

Indústria de turismo

Comunida de Defesa do

a mbiente

Turismo Old Style

Indústria de turismo Comunidade Defesa do a mbiente Turismo Sustentável

83 Tabela 24 - Metas e características do turismo sustentável

Metas e características do turismo sustentável Metas

È

Melhorar a qualidade de vida das comunidades receptoras Preservar a equidade inter e intra-gerações

Proteger a qualidade do ambiente preservando a biodiversidade e os ecossistemas Assegurar a integridade cultural e a coesão social das comunidades

Oferecer uma experiência de qualidade aos visitantes Características

È

Preocupação com a qualidade da experiência de visita

Preocupação com a equidade social e o envolvimento da comunidade, atendendo às necessidades dos residentes

Preocupação com o emprego da população local e a participação pública no processo de planeamento e de tomada de decisão

Preocupação com os limites de capacidade de utilização dos recursos – o que inclui a minimização de impactes e a utilização de sistemas de racionalização energética e de gestão de resíduos e reciclagem

Preocupação com a manutenção das oportunidades recreativas, educativas e culturais inter e intra- gerações

Preocupação em desenvolver actividades e projectos que reflictam e respeitem as características e os traços distintivos de cada região;

Preocupação em dar a conhecer o valor da região aos seus visitantes, encorajando-os para a protecção do ambiente e o respeito pela comunidade receptora

Preocupação em não comprometer a sustentabilidade de outras indústrias ou actividades económicas existentes

Preocupação com a integração do turismo nos planos ao nível local, regional e nacional Fonte: Adaptado de WTO (1999)

Sugere-se um “triângulo mágico” de conceitos, que integram a eficácia económica, a equidade social e a sustentabilidade ambiental (OMT, 1998a).

Figura 12 - Os três pilares da sustentabilidade do turismo, propostos pela OMT

Fonte: Adaptado de OMT (1998)

A sustentabilidade ambiental implica a

conservação e o respeito pelos recursos e valores naturais, que são a base do

turismo e cuja existência futura deve ser garantida, para a própria sustentação da actividade e para assegurar o desfrute do ambiente por parte das gerações vindouras

A equidade social

pressupõe que o turismo deve gerar uma distribuição equitativa de custos e de benefícios. O

processo de desenvolvimento turístico

não é equilibrado se provocar o aumento das

assimetrias sociais e económicas dentro da comunidade ou se produzir

benefícios excessivos para determinados grupos sociais ou territórios, à custa da marginalização ou empobrecimento de outros

A eficácia económica

implica que o turismo deve ser, antes de mais, uma actividade geradora de rendimento económico para a sociedade e criadora

de emprego digno e, se possível, qualificado. A eficácia económica, em termos sociais, não só pressupõe a rentabilidade empresarial e a obtenção de benefícios pelos privados, mas também a reactivação económica e o

aumento dos níveis de bem-estar da comunidade

84 A sustentabilidade passa a ser encarada como um conceito complexo e abrangente, que agrega diversas pretensões e perspectivas de análise.

Figura 13 - Os três pilares da sustentabilidade

Fonte: Adaptado de OMT (1998)

Para além da dimensão ambiental, consideram-se também as vertentes económica e sociocultural. No que toca à sustentabilidade económica dos destinos e produtos turísticos, sublinha-se que a meta a atingir não deve ser a rentabilidade imediata das operações, mas a consolidação produtiva e social, de modo que possam dar um contributo para o desenvolvimento duradouro. Quanto à sustentabilidade social e cultural, entende-se que a preservação da autenticidade das tradições e dos valores sociais e culturais constitui a garantia de sucesso da actividade turística (OMT, 1998a).

Evidencia-se, na literatura mais recente, um certo consenso em torno destas três dimensões da sustentabilidade do turismo (Swarbrooke, 1999; Mowforth & Munt, 1998).

Na Cimeira Mundial de Joanesburgo, realizada em 2002, reaprecia-se o progresso em direcção ao desenvolvimento sustentável e reafirma-se o compromisso global para com a sustentabilidade. O desenvolvimento económico, o desenvolvimento social e a protecção ambiental são reconhecidos como os três pilares fundamentais do desenvolvimento sustentável. Fazendo referência às recomendações constantes da Agenda 21 (UNCED, 1992), que resultou da primeira conferência, adopta-se um novo Plano de Acção, onde se apontam as formas de conciliar o crescimento económico, a luta contra a pobreza e o desenvolvimento do terceiro mundo com a preservação ambiental do planeta. Neste documento fazem-se várias alusões ao desenvolvimento do turismo sustentável e do ecoturismo, quer como uma forma de proteger os recursos naturais, que se consideram basilares para o desenvolvimento económico e social, quer

O OBJECTIVO DA SUSTENTABILIDADE Sustenta bilida de económica Sustenta bilida de a mbiental Sustenta bilidade socia l e cultural

Entrada de receita s Protecçã o da na tureza Respeito pelos valores e tradições Cria çã o de emprego Preservaçã o dos recursos Ma nutenção do equilíbrio socia l

85 para promover o desenvolvimento sustentável em pequenos estados insulares e em vários Países do Continente Africano.

O conceito de turismo sustentável encontra-se, assim, consolidado no início de um Novo Milénio.