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1. INTRODUÇÃO

2.3. TURISMO

2.3.5. Turismo sustentável: operacionalização do conceito

2.3.5.4. Abordagens de operacionalização do turismo sustentável nos destinos

2.3.5.4.1. Planeamento estratégico e capacidade de carga

Diversos autores referem que qualquer destino turístico comporta um conjunto de características comuns, embora assuma contornos distintos de acordo com os diferentes contextos económicos, sociais e ambientais em que se insere: é uma amálgama ou fusão de

101 atracções; é uma proposta cultural; é inseparável, ou seja, o produto é produzido no local onde é consumido; é utilizado não exclusivamente por turistas, mas também por muitos outros grupos (Cooper, Fletcher, Wanhill, Gilbert, & Shepherd, 1998). O destino turístico é assim entendido como uma proposta cultural, perecível, porque o produto é consumido no local da produção, envolvendo uma utilização múltipla pelo turismo e por outras actividades económicas. Para que um destino tenha sucesso, é fundamental que as várias componentes dessa amálgama possuam uma qualidade equivalente.

A oferta de um produto turístico sustentável depende largamente do planeamento e da gestão, para que nenhuma das componentes do destino turístico se sobreponha às outras:

Autores como OMT (1998), Cater (1995), Coccossis (1996), Hunter (1997) e Cooper, Fletcher, Wanhill, Gilbert, & Shepherd (1998) apontam um conjunto de forças que promovem a sustentabilidade do turismo:

ƒ A pressão exercida pelos consumidores, na medida em que têm em consideração os aspectos ambientais no processo de selecção de um destino turístico; As orientações de planeamento do sector público, não só através da regulamentação associada a projectos de desenvolvimento turístico, como também do encorajamento da adopção de práticas de sustentabilidade, através da atribuição de prémios ou de outros distintivos ou benefícios, que demonstrem o seu reconhecimento;

ƒ A implementação de instrumentos de avaliação como a avaliação de impacte ambiental (AIA) e as auditorias ambientais essencialmente a acções de desenvolvimento e a projectos de grande dimensão.

Há também outras forças, principalmente económicas, que fazem resistência à adopção do turismo sustentável:

ƒ Por parte do sector do turismo e dos agentes de desenvolvimento, os imperativos económicos de rentabilidade e de lucro, que se sobrepõem a considerações de longo prazo;

ƒ Por parte das regiões e países em desenvolvimento, as necessidades de entrada de divisas e de emprego, que se sobrepõem a considerações ambientais.

Quanto aos stakeholders de um destino turístico, estes são definidos como sendo todos os indivíduos ou grupos que possuem um interesse declarado na actividade turística de um determinado destino (Tabela 32).

102 Tabela 32 - Os stakeholders de um destino turístico

Os residentes (a população autóctone) são os stakeholders mais importantes, uma vez que vivem e trabalham no destino e fornecem os recursos locais aos visitantes. É por isso importante avaliar as questões da capacidade de carga social, envolver a comunidade local no processo de tomada de decisão e assegurar que o turismo não provoca impactes inaceitáveis aos habitantes e ao local onde vivem. Os turistas procuram obter uma experiência de visita satisfatória através de produtos adequadamente desenvolvidos e segmentados. Procuram uma elevada qualidade de serviço e um destino organizado e bem gerido.

O sector do turismo é em grande medida responsável pelo desenvolvimento já existente do turismo e procura obter uma rentabilidade adequada para os seus investimentos. O sector está polarizado entre os agentes que operam à escala global e os que investem em nichos de mercado. Os investidores globais tendem a ser multinacionais, bem dotados de capital, tecnologia e poder. Geralmente os seus interesses e compromissos para com o destino são limitados. Os que investem em nichos de mercado são tradicionalmente empresas de pequena dimensão, de base familiar, com pouco capital, tecnologia e recursos humanos qualificados e com pouca influência no destino.

O sector público encara o turismo como uma forma de aumentar o rendimento, estimular o desenvolvimento regional e gerar emprego. O sector público é um stakeholder importante, muitas vezes assumindo um papel de liderança ou coordenação.

Há também uma série de outros interessados, que incluem grupos de pressão, câmaras de comércio e outros intermediários do poder dentro da comunidade local, regional ou nacional.

Fonte: Adaptado de Cooper, Fletcher, Wanhill, Gilbert, & Shepherd (1998).

De forma a operacionalizar o conceito de sustentabilidade do turismo ao nível dos destinos turísticos, é necessário atender a dois conceitos fundamentais: o planeamento estratégico e a capacidade de carga (Cooper, Fletcher, Wanhill, Gilbert, & Shepherd, 1998).

103 Tabela 33 – Planeamento estratégico e visão estratégica

Fases do planeamento estratégico para os destinos turísticos

Benefícios da adopção de uma visão estratégica nos destinos turísticos

Dificuldades implícitas na adopção de uma visão estratégica pelos destinos

turísticos

Análise da situação/auditoria ambiental, recorrendo à análise SWOT30

Os destinos turísticos compreendem um mosaico de stakeholders e de sistemas de valores em constante mutação. Cada

um destes grupos tem uma visão diferente do papel e do futuro do turismo

no destino, pelo que a adopção de estratégias se torna num processo político de resolução de conflitos e de

consenso, inserido num contexto legislativo local e no qual os intermediários do poder têm uma

influência substancial.

O processo de definição dos objectivos, por um lado, possibilita a participação

de todas as partes interessadas (stakeholders), que podem, assim, sentir

que têm influência no processo, enquanto, por outro, permite afinar as directrizes que o destino deve seguir.

Estabelecimento de objectivos e metas

A influência deste processo político não deve ser subestimada. A política influencia todos aqueles que são responsáveis pelo processo de planeamento e a falta de apoio político,

por vezes, leva ao fracasso ou à não implementação dos planos.

A coerência que esta abordagem permite facilita a definição de um quadro de iniciativas comuns a realizar entre o sector público e privado e obriga a uma

identificação clara de papéis e de responsabilidades.

Formulação da estratégia / identificação do portfólio de negócios para o destino,

em termos de mercados a atrair e produtos a oferecer

O sector turístico na maioria dos destinos é caracterizado pela fragmentação e pelo predomínio de

pequenas empresas, as quais frequentemente têm uma exploração sazonal. Isto tem contribuído para a falta

de especialização na gestão, para a divergência de objectivos entre o sector público e o privado e para a adopção de um horizonte de planeamento de curto

prazo, o qual se deve, em parte, aos ciclos de orçamentação pública, que têm

uma duração de 12 meses, mas também à táctica operacional das pequenas

empresas.

Por fim, esta abordagem permite estabelecer uma série de indicadores de

desempenho, muito úteis para a avaliação do desempenho do destino.

Identificação de mercados-alvo, posicionamento e definição das políticas

de marketing-mix para cada segmento e produto

A fase do ciclo de vida em que o destino se encontra influência, por sua vez, a

aceitabilidade do exercício de marketing. Nas primeiras fases do ciclo

de vida, o sucesso frequentemente obscurece a visão de longo prazo, enquanto nas fases posteriores, em particular quando o destino entra em declínio, a oposição aos exercícios de

planeamento a longo prazo já é ponderada na base do custo.

Implementação e monitorização

Por fim, os indicadores de desempenho adoptados nestes exercícios podem ser controversos, uma vez que o volume de turistas tem sido, em muitos destinos, a medida mais usual e politicamente aceite

do sucesso. Ora, do ponto de vista da sustentabilidade, as medidas com maiores probabilidades de se adoptar são

as menos tangíveis, nomeadamente em termos de impactes ambientais e sociais.

Fonte: Adaptado de Cooper, Fletcher, Wanhill, Gilbert, & Shepherd (1998)

A OMT tem reconhecido, igualmente, a importância do planeamento da actividade turística (OMT, 1998b), se bem que o centro das atenções tenha variado ao longo do tempo: de uma focalização exclusiva no planeamento físico de instalações turísticas e sua posterior

30 A análise SWOT [expressão oriunda do idioma inglês é um acrónimo de Forças (Strengths), Fraquezas (Weaknesses),

Oportunidades (Opportunities) e Ameaças (Threats)] é uma ferramenta utilizada para fazer análise de cenário, sendo usado como base para gestão e planeamento estratégico em diversas áreas.

104 promoção, passou-se para uma abordagem mais ampla, que toma em consideração as necessidades tanto das empresas, como dos próprios turistas e da comunidade receptora, havendo cada vez uma maior preocupação em criar sinergias entre o turismo e o ambiente social, económico e natural.

Figura 22 - Hierarquia de necessidades para a elaboração de um plano de turismo

Fonte: Adaptado de OMT (1998)

O planeamento turístico traduz-se num plano estratégico que integra todos os aspectos do desenvolvimento do turismo, incluindo os recursos humanos, ambientais e socioculturais.

No que se refere à capacidade de carga, existem várias definições. Na tabela seguinte encontram-se algumas propostas de definição, que estão obviamente inter-relacionadas. Por exemplo, a satisfação dos turistas pode diminuir drasticamente (capacidade de carga psicológica) por causa da deterioração da qualidade do ambiente natural (capacidade de carga física) ou pela atitude negativa dos residentes em relação ao turismo (capacidade de carga social). Necessidades das pessoas População residente Turistas R ecu rs o s eco n ó m ico s R ecu rs o s so c ia is Recursos naturais Recursos culturais Serviços auxiliares

105 Tabela 34 - Tipos de capacidade de carga

Física: a capacidade de carga física tem a ver com a área disponível para instalações, incluindo também a capacidade finita dessas mesmas instalações (tal como espaços para estacionamento, lugares em restaurantes ou camas em hotéis). É a mais directa das medidas de capacidade de carga e pode ser utilizada como instrumento de planeamento e controlo de gestão (por exemplo, limitando o número de lugares de estacionamento em locais sensíveis);

Psicológica: a capacidade de carga psicológica (ou de percepção) de um local é excedida quando a experiência de um visitante é significativamente prejudicada pelo congestionamento. Certas pessoas toleram multidões e lugares muito movimentados, enquanto outras não os suportam. Por isso, este conceito é muito subjectivo e difícil de influenciar através de medidas de planeamento e gestão, embora se possam utilizar medidas de paisagismo para reduzir a impressão de sobrelotação;

Biológica: a capacidade de carga biológica de um local é excedida quando ocorrem danos ou perturbações ambientais inaceitáveis. Estes podem estar relacionados com a fauna e a flora, por exemplo, em zonas de piqueniques, ao longo de trilhos turísticos ou em ecossistemas de dunas.

Até ao momento, tem havido mais estudos sobre os limites de capacidade da vegetação do que sobre níveis de tolerância de certos animais ou de aves ao turismo (por exemplo, em locais de observação de baleias). É importante ter em conta o ecossistema total e não apenas alguns dos seus elementos.

Social: o conceito de capacidade de carga social decorre das noções de planeamento e de sustentabilidade do turismo com base em comunidades. Este conceito procura definir os níveis de desenvolvimento que seriam aceitáveis para os residentes e as empresas da comunidade receptora, recorrendo a técnicas para medir os limites máximos de mudança aceitáveis pelos residentes (LAC -

Limits to Acceptable Change).

Fonte: Adaptado de Cooper, Fletcher, Wanhill, Gilbert, & Shepherd (1998)

A OMT reconhece igualmente que a capacidade de carga é um conceito fundamental para a implementação do turismo sustentável.

Tabela 35 - Conceitos de capacidade de carga

Capacidade de carga ecológica, que se define como o número máximo de visitantes que um destino pode receber e acima do qual não se pode assegurar um desenvolvimento compatível com os recursos

naturais

Capacidade de carga social, que se refere ao nível de actividade turística acima do qual se produzem mudanças negativas (perturbações) na população local

Capacidade de carga do turista, entendida como o nível acima do qual a satisfação do visitante diminui desfavoravelmente

Capacidade de carga económica, que se refere ao nível de actividade económica compatível com o equilíbrio entre os benefícios económicos que o turismo proporciona e os impactos negativos que a actividade turística gera sobre a economia local (inflação, manutenção de infra-estruturas, etc.)

Fonte: Adaptado de OMT (1998).

Apesar dos conceitos de desenvolvimento sustentável e de capacidade de carga carecerem de critérios objectivos para ser postos em prática, têm, no entanto, fomentado uma maior consideração, por parte dos promotores da actividade turística, pelas interrelações existentes entre o ambiente social, natural e económico e um maior reconhecimento da importância dos recursos socioculturais e ambientais no desenvolvimento turístico. Na Figura 23 estão reflectidos alguns dos factores que limitam a capacidade de carga de um destino turístico e na Figura 24 referem-se factores que podem restringir a aplicação do conceito de capacidade de carga turística.

106 Figura 23 - Factores que limitam a capacidade de carga

Fonte: Adaptado de Williams e Gill (1994), citada por OMT (1998)

Figura 24 - Factores restritivos à utilização do conceito de capacidade de carga turística

O turismo depende de numerosos atributos do ambiente: atributos estáticos, de fauna, de acesso às praias e da capacidade de suportar utilizações tão activas como a prática de desportos. Cada atributo

tem a sua resposta própria perante os diversos responsáveis pela sua utilização.

O impacto da actividade humana num sistema pode ser gradual e afectar diferentes partes do sistema em diversos graus.

Todos os ambientes turísticos são de uso múltiplo, por conseguinte, existem outros usos que devem ser considerados quando se determina o nível correcto de utilização turística. A alteração do curso de um

rio, por exemplo, pode não ter importância num determinado lugar, mas pode ter impactes críticos sobre as populações que habitam mais a jusante e dele dependem para abastecimento de água ou de

alimentos.

Diferentes tipos de utilização exercem impactos diferentes. O impacto de cem pessoas caminhando é diferente do impacto de cem bicicletas de montanha, da mesma maneira que dez fotógrafos exercem

um impacto diferente de dez caçadores.

Diferentes culturas têm distintos níveis de sensibilidade aos impactos do turismo. Fonte: Adaptado de OMT (1998)

A forma mais eficaz de se limitarem os impactos negativos do turismo é optando por uma abordagem preventiva, ou seja, através do planeamento e ordenamento do território e da selecção da tipologia da oferta e da procura que melhor se adapta ao lugar (Perret & Teyssandier, 2000).

A par destas técnicas e instrumentos, ainda há outros mecanismos que também podem contribuir para a melhoria da qualidade total do ambiente turístico, entendido como factor de competitividade. São exemplo os chamados instrumentos de mercado. Trata-se da aplicação de taxas turísticas, impostos ou tarifas, com o objectivo de arrecadar receitas, que vão permitir o

Factores limitativos da capacidade de carga Experiência do visitante: - Volume - Comporta mento - Nível de serviço - Gra u de a colhimento - Expecta tiva s Sistemas ecológicos: - Fa una - Vegeta çã o - Água - Ar - Solo Físicos: - Aloja mento - Terreno disponível - Água (a ba stecimento) - Ca pa cida de de recolha de resíduos

- Acesso (tra nsportes)

Administrativos /Políticos: - Ca pa cida de - Competência s - Priorida des - Objectivos Económicos: - Investimento - Tecnologia - Despesa turística - Custo da mã o-de-obra - Custo de vida Experiência dos residentes: - Priva cida de/a cesso - Gra u de implica çã o

- Beneficiá rios - Comporta mento dos turista s

107 financiamento de acções já realizadas ou a realizar pelas autoridades, no sentido de melhorar a qualidade e proteger o ambiente, tais como investimentos em infra-estruturas, limpeza de praias, ordenamento e arranjo de espaços verdes, conservação de monumentos, etc.