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Conceito de lesão vertebro m edular

No documento Cardoso, Jorge Manuel Santos (páginas 113-120)

A LESÃO VERTEBRO M EDULAR

3.2 Conceito de lesão vertebro m edular

Num erosos autores são unânim es em definir lesã o ver tebr o-medu la r (LVM )

com o sendo um quadro c línico que, segundo a nat ureza e especificidades dos factores

etiológic os a ssoc iados, produz alterações m otoras, se nsitivas e neuro -ve getativas

(Desert, 1980; Krause, 2001; Staas et al., 1992).

A história da avaliação e tratam ento deste tipo de lesões, que é longa no tem po e

extensa nas dificuldades, percorreu um a série de etapa s que tornaram possíve l um

aum ento progressivo e qualitativam ente valorizável da sobrevida (Fine, 1980; Ke nnedy,

1991; Laskiwski & M orse, 1993).

A m ais a ntiga docum entação disponível sobre LVM foi encontrada no papiro

cirúrgico de Edwin Sm ith, que se julga ter sido escrito entre 3000 e 2500 a.C. (Kakulas,

1999). O seu autor parece ter sido o m édico do Faraó, que descreve um sujeito com

“fractura do pescoço que estava paralisado em todas as suas extremidades, cuja função excretória era caracterizada pelo gotejamento constante, e cujos músculos definhavam” (Freed, 1984, p. 667). A prescrição terapêutica era sim ple s e concisa - “doença que não deve ser tratada” (Elsberg, 1931, citado por Freed, 1984, p. 667). Ate ndendo a que o mecanismo e sintomatologia da lesão eram mal compreendidos, esta ‘forma de tratamento’ foi adoptada durante séculos. Histórico é também o episódio ocorrido com o alm irante inglês Lord Nelson, que, após ter sido atingido na m edula por um a bal a

disparada a partir de um navio francês, durante a Batalha de Trafalgar, terá dito ao

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desapareceu” (citado por Vikhanski, 2001, p. 7). Este respondeu – “Meu Senhor, infelizm ente para o país, não se pode fazer nada por si” (p. 7), tendo Lord Nelson sobrevivido apenas m ais três horas.

Em bora progre ssivam ente tenham acontecido alguns avanços na abordagem das

lesões m edulares, designadam ente no que concerne aos procedim entos cirúrgicos , só o

aparecim ento de um elevado núm ero de sujeitos com LVM , consequente às bata lhas

travadas durante a I Guerra M undial, despertou um ine vitá vel interesse m édico perante

este tipo de lesõe s. Segundo Kuhn (1947, citado por Freed, 1984), 80% dos soldados

am ericanos que foram afectados por este quadro traum ático durante a prim eira Grande

Guerra m orreram antes de terem sido evacuados e, dos que o foram , apenas 10%

continuavam vivos decorrido um ano após a le são. A m aioria dos óbitos entre os

pacientes com LVM que sobreviviam à fase inicial eram provocados por patologia das

vias urinárias e por úlceras de decúbito, com plicações e stas que hoje são facilm ente

prevenida s ou controladas.

Com a II Guerra M undia l, tendo a tecnologia belic ista atingido um desa stroso

nível de destruição, verificou-se um ainda m aior acréscim o de LVM , levando ao

aparecim ento dum a consciência social crítica, defensora dos valores da condição

hum ana, que exigia um a m elhoria im ediata das condições assistencia is (Pinhe iro, 1994;

Seidel, 1982).

Desde entã o, a esperança m édia de vida dos sujeitos traum atizados vertebro -

-m edulares aum entou significa tivam ente (G ibson, 1992), facto para o qual m uito

contribuíram os trabalhos pioneiros de D. M unro nos Estados U nidos e de L. Guttm an

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Alem anha Nazi, deixou claro que os m ecanism os lesionais produzem um a destruição do

tecido nervoso m edular, bem com o alterações vasculares na área afectada, tendo ainda

defendido que a evolução clínica deste quadro atravessa várias fases, com m anifestações

sintom atológicas diferenciada s, que exigem procedim entos terapê utic os específicos

(Guttm an, 1976). Os ensinam entos transm itidos por M unro e Guttm an aos profissiona is

de saúde contribuíram em larga escala para a elim inação de atitude s derrotista s, dando

lugar ao aparecim ento de program as de reabilitação activos e dinâm ic os.

Ao debruçarm o-nos sobre o conceito de L VM , im porta referir que este pode

assum ir diferentes especific idades, consoante o nível e a extensão da lesã o.

Genericam ente, um a lesão m edular ao nível cervical, originará um a tetr a ple gia,

ou seja, um a paralisia dos m em bros superiores, inferiores e tronco, enquanto um a lesão

nos segm entos dorsa is, lom bares ou sa grados será responsá v el por um quadro de

pa r a pleg ia, m anifesta atra vés da paralisia dos m em bros inferiores e de todo ou um a

parte do tronco (Freed, 1984).

Quanto à extensão da lesão, pode ocorrer um a secção m edular completa, havendo

um a paralisia e anestesia totais abaixo do n ível lesiona l, ou inc omp leta, provocando

um a parésia m ais ou m enos acentuada e problem as de se nsibilidade m ais ou m enos

evidentes.

Tendo em conta o nível da lesão, fala -se entã o em pa r a ple gia /tetr a p legia aquando

de lesõe s com ple tas, e de p a r a pa r é sia /tetr a p a r ésia a quando de lesões incom pletas.

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desencorajada, um a vez que descrevem as lesõe s incom pletas de um a form a im precisa

(M aynard et al., 1997).

Preocupada em hom ogeneizar a term inologia usada na avaliação das LVM , a

Amer ica n Sp ina l Injur y Associa tion (ASIA) dese nvolveu em 1982 a prim eira edição dos

Inter n a tiona l Sta nda r ds fo r Neur ologica l a nd F u nctiona l C la ssifica tion of Sp ina l C o r d Injur y, a qual tem sido alvo de sucessiva s actualizações, tendo a m ais recente ocorrido

em 1996.

De acordo com os responsáveis pela publicação desta últim a revisã o (M aynard et

al., 1997), as L VM continuam a ser divididas, de acordo com as suas características, em

tetraplegia/paraplegia e com pleta /inc om pleta, respectivam ente no que concerne ao nível

e extensão le sionais, acrescentando, no entanto, um a m aior precisão nos critérios

classificativos.

Deste m odo, a te traplegia é definida com o a perda ou dim inuição da função

m otora e/ou sensorial nos segm entos cervicais da espinal m edula, causada pela

destruição de elem entos neura is de ntro do canal m edular, resulta ndo num a alteração da

função nos m em bros superiores e inferiores, bem com o no tronco e órgãos pélvicos.

Segundo Freed (1984), é raro que um sujeito sobreviva a um a le são situada acim a do

quarto segm ento cervical, pois ocorrem dificuldades respiratórias significativas.

Por sua vez, a paraplegia é definida com o a perda ou dim inuição da função m otora

e/ou sensorial nos segm entos torácicos, lom bares ou sagrados da m edula espinal, em

virtude da destruição de elem entos neurais no interior do canal m edular. Na paraplegia a

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o tronco, os m em bros inferiores e os órgãos pé lvic os podem e star funcionalm ente

com prom etidos.

O exam e neurológico constitui o procedim ento indispensáve l à avaliação da

LVM , possibilitando determ inar o n ível neu r o lóg ico – segmento mais caudal da medula

espina l em que a função sensorial e m otora se encontram m antidas de am bos os lados.

No entanto, tendo em conta a possibilidade da não c oinc idência entre o nível

sensorial e o níve l m otor, bem com o a de eventuais diferenças entre a m etade dire ita e

esquerda do corpo, im põe-se ainda a necessidade de realizar um teste de sensibilidade s e

um teste m uscular. O exam e sensorial é realizado em cada um dos 28 derm átom os

existe ntes em cada la do do c orpo, a través da sensibilidade ao toque ligeiro e à

com pressão com um alfinete, varia ndo num a escala de três pontos – ausência, alteração, ou sensibilidade norm al. Do m esm o m odo, o exam e m otor é efectuado num ponto chave

de cada um dos 10 m iótom os de cada m etade corporal, sendo a força m uscular

classificada num a escala de se is pontos, que varia entre a paralisia total e o m o vim ento

activo norm al (M aynard et al., 1997).

Para além da correcta determ inação do nível da le são, este conjunto de testes

perm ite ainda classificar a LVM com o com ple ta ou inc om pleta. Um a lesão m edular é

definida com o com ple ta, quando existe ausência de f unção m otora e sensorial no

segm ento m edular sa grado m ais baixo, se ndo incom pleta quando existe preservação de

funções m otoras e /ou sensoriais aba ixo do nível ne urológico lesiona l, inc luindo o

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A avaliação da com pletude ou incom ple tude da lesão reve la-se por vezes difíc il de

objectivar, existindo m esm o relatos sobre sujeitos cujo exam e neurológic o indicou um a

total perda da sensibilida de e das funções m otoras voluntárias aba ixo do nível da lesão,

nas quais, no entanto, ocorria transm issão electrofisiológica através do foc o da lesão

(Dim itrijevic, 1988). Segundo Kakulas (1999), a descoberta de que um grande núm ero

de doente s revela algum a continuidade da substância branca da espinal m edula reforça a

necessida de de proteger a m edula perante um a nova lesã o e aum enta a expectativa de se

conseguir pote ncializar as respostas das fibras nervosa s residua is, através de técnicas

interventivas que se encontram a ser investiga das actualm ente.

No âm bito da s lesões incom pletas, são referenciados c in co sín dr o mes clín icos

(M aynard et a l., 1997) – sínd r ome do centr o medula r, quando a lesão ocorre quase exclusivam ente na região cervical, provocando um déficit sensoria l e um a dim inuição

da força m uscular, que é m ais evidente nos m em bros superiores; sín dr o me de

Br own-Sé qua r d, resultante de um a hem isecção da m edula, responsável por um a perda

m otora e proprioceptiva hom olateral bem com o da se nsibilidade à dor e à tem peratura,

contralateral; sín dr o me medula r a n ter ior, quando a lesão afecta a área anterior da

m edula, acarretando um a perda variável da func ionalidade m otora e da sensibilida de à

dor e à tem peratura, m ante ndo-se preservada a propriocepção; síndr ome d o cone

medula r, característic o das lesões da regiã o sagrada e das raízes nervosas lom bares que

se encontram no interior do canal m edular, resulta ndo habitua lm ente em perda dos

reflexos nos m em bros inferiores, bexiga e intestinos; e sínd r ome da ca u da equ ina,

quando envolve um a lesão nas raíze s nervosas lom bo -sagradas, de ntro do cana l neural,

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sínd r ome med ula r poster ior, que é raro, caracterizando-se por um envolvim ento

lesional da área posterior, havendo preservação sensorial e m otora m as alterações na

propriocepção (Hayes, Hsieh, W olfe, Potter & Delaney, 2000).

Em bora a term inologia proposta pe la ASIA seja aquela que é m ais utilizada

internacionalm ente (Kirshblum , Groah, M cKinley, G ittler & Stiens, 2002), quer na

avaliação clínica quer em trabalhos de inve stigação, im porta referir que no longínquo

ano de 1969, Frankel e os seus colaboradores propuseram precisam ente a F r a nkel Sca le,

distinguindo os critérios de dia gnóstico de le são com ple ta e incom pleta e descrevendo

qualitativam ente os graus de funcionalidade pa ssíveis de se m anifestarem nesta últim a

condição.

Posteriorm ente, a própria ASIA, reconhecendo a validade do sistem a

classificativo proposto por Frankel, e atendendo a que este continuou a constituir um

instrum ento de trabalho em m últiplas unida des de reabilitação de sujeitos com L VM ,

introduziu-lhe m odificaçõe s, de form a a torná -lo m ais objectivo, passa ndo a designar-se

por Asia Impa ir men t Sca le (M aynard et al., 1997).

A term inar, saliente-se ainda que, de acordo com Duche sne e M ussen (1976), as

LVM podem a inda ser classificadas em flá c ida s e espá stica s. Geralm ente, na fase

inicia l da lesão, quer as tetraple gias quer as paraplegias sã o caracterizadas por um a

flacidez m uscular, acom panhada por abolição dos reflexos. Após várias sem anas,

algum as destas lesõe s tornam -se espásticas, ocorrendo contracções m usculares

involuntárias de grupos m usculares, em consequência do restabe lecim ento da actividade

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