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Perspectiva histórica – Cenários de frustração pessoal

No documento Cardoso, Jorge Manuel Santos (páginas 54-82)

E O UTRAS DESVANTAG ENS

2.1 Perspectiva histórica – Cenários de frustração pessoal

Sendo o corpo a entida de central da existênc ia hum ana, constatam os que desde

sem pre existiram atributos, m anifestos sob a s m ais variadas form as, que rem etem para um a

dim ensão de d ifer e nte do padrão norm ativo, quer ao níve l da integrida de quer da expressão

corporais.

Apontando a deficiência como uma “constante humana” (p. 36), Albrecht (1992) diz-nos que os arqueólogos têm docum entado a descoberta, desde o período de Neanderta l,

de esquele tos revela ndo, por exem plo, am putações ou deform idade s ósseas, com patíveis

com o que designaríam os na actualidade com o um quadro de defic iência física.

Historicam ente, no m undo ocidenta l, as pessoa s c om deficiê ncia têm sido

desvalorizadas, ignoradas, alvo de desconfiança e tratadas de form as que as privam dos

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atitude discrim inatória, vários autores (Barnes, 1996; S tiker, 1999) são unânim es ao

destacarem as influênc ias alicerçadas na A ntiguidade C lássica e nas tradiçõe s religiosas

judaic o-cristã s.

A cultura ocidental, nascida na Grécia, foi edificada em grande parte a partir da

m itologia clássica. Apesar do crivo do racionalism o exercer a sua acção, distancia ndo -nos

das referências de então, na verdade m uitas das atitudes e com portam entos actua is têm -nas

subjacentes.

A obsessão grega com a perfeição corporal fundam enta -se em grande parte no facto

de os de uses serem sem pre entida des poderosas, fortes e bela s, com a excepção do deus

ferreiro Hefesto, porta dor de um a deficiênc ia m otora, que o levava a coxear (Barnes, 1996;

Stone, 1995).

Hefesto era filho de dua s divindades soberanas, Hera, a deusa grega da terra, e Zeus,

poder suprem o do Olim po. Sendo provavelm ente o deus m ais apaixonado da m itologia

(Cotterell, 1998), Zeus am ou m últiplas m ulheres, socorrendo -se de vários disfarces para as

seduzir – touro, sátiro, homem mortal, cuco, cisne e até sob a forma de chuva de our o. Hera, descrita com o extrem am ente cium enta e irascível, tinha conflitos freque ntes com

Zeus, vingando-se perse guindo sem pieda de as am antes e os filhos do m arido. Por esta

razão encontram os um a segunda perspectiva que nos diz que, por cólera e desafio ao

m arido, Hera terá gerado sozinha o filho Hefesto (Brandão, 2000; W illis, 2000).

Na procura da causa lida de da deficiênc ia de Hefesto, deparam o -nos igua lm ente com

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pais, gerando a ira de Zeus que o la nçou do alto do M onte Olim po, tendo sido projectado

para a ilha vulcânica de Lem nos, ficando ale ijado e a claudicar de am bas a s pernas. A outra

versão considera que a deficiê ncia do de us ferreiro seria c ongé nita, sugerindo q ue Hera,

hum ilhada, teria tentado afogá -lo, m as Hefesto acabaria por ser sa lvo por ninfa s m arinha s,

vivendo durante nove anos num a gruta onde aprendeu a trabalhar o ferro, o bronze e os

m etais preciosos. Na sequência deste episódio terá procurado vingar -se da m ãe,

forjando-lhe um trono em ouro, m agnificam ente cinzela do, que era na realidade um a

arm adilha destinada a aprisioná -la.

M ais tarde, Hefesto ve io a casar com a deusa do am or Afrodite, num a relação que

segundo Brandão (2000) represe nta um a busca de c om ple tude – coxo e deformado, Hefesto tentaria com ple tar-se na beleza de Afrodite, e esta, vazia por dentro, procuraria a

genialidade do artista. Contudo, o casam ento destes seria m arcado por um a conflitualidade

idêntica à existente e ntre Zeus e Hera. Afro dite não se resignou aos desígnios da fidelidade

e teve filhos de m uitos outros deuses. Quando Hefesto descobriu o envolvim ento entre

Afrodite e Ares, o deus da guerra, atribuiu o facto à sua condição de aleijado, por oposição

à perfeição e beleza de Ares. Pretendendo vingar o adultério, forjou um a rede de ouro e

conseguiu apanhar os am antes na cam a. De seguida, convoc ou os outros deuses, com o

intuito de provocar a condenação do par. No entanto, os deuses lim itaram -se a rir da

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Ainda na cultura grega, encontram os no conto de Sófocles, Éd ipo Re i, as raízes

daquela que se tornaria um a interpretação recorrente – a deficiência como castigo resultante de um pecado com etido (Barnes, 1996).

Édipo era o desafortunado filho do rei Laio e da rainha Jocasta de Tebas. Em virtude

de, sendo hóspede na corte de Penélope, Laio ter abusado sexualm ente do filho desta, um

oráculo avisou-o que seria m orto por qualquer descende nte que resulta sse da sua relação

conjugal. Durante m uito tem po Laio não partilhou o leito com a rainha, até que um a noite,

alcoolizado, fecundou Jocasta. A tem orizados, qua ndo Édipo na sceu, furaram -lhe os pés e

abandonaram -no num a m ontanha distante, assum indo um a prática frequente perante os

filhos indese jados na Grécia antiga. Salvo por um pa stor e adoptado pe lo Re i Pólibo de

Corinto, Édipo viria m ais tarde a questionar o oráculo de Delfos sobre a sua paternida de, o

qual lhe afirm ou estar destinado a m atar o pai e a casar -se com a m ãe. Com o Édipo

continuava a de sconhecer a identidade dos progenitores, quis o acaso que a profecia se

viesse a concretizar. Laio é m orto e, logo, Édipo assum e o estatuto de herói ao resolver o

enigm a da Esfinge, um m onstro que de vastava a região, recebendo com o recom pensa o

trono e a m ão de Jocasta. Só m uito posteriorm ente É dipo viria a saber do crim e hediondo

que com etera, sendo sim ultaneam ente conotado com a terrível praga que entretanto assolara

Tebas. Culpabilizando-se, Édipo auto-m utilou-se, furando os olhos, e dirigi u-se para um

bosque sagrado, onde acabaria por m orrer.

A história de É dipo, ilustra tiva da tra gédia grega, rem ete -nos para um percurso que se

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eleito, protagonizando um triunfo que lhe abre a s portas do poder, acabando no entanto por

ser novam ente excluído, ao ser expulso de Tebas.

Afastando-nos agora da m itologia, para nos centrarm os nas práticas sociais vige ntes

na Antiguidade Oc idental, constatam os a existência de a titudes diferente s perante a

deform idade, associada à aberração, e a doença, conotada com a fraqueza ou debilida de.

O nascim ento com m alform ações represe ntava um sinal da ira dos deuses, pelo que

os bebé s portadores de deficiênc ias físicas visíveis eram le vados para fora da urbe, se ndo

depositados em buracos ou em cursos de água. A pesar da consequênc ia ser inevitavelm ente

a m orte, os gregos e os rom anos nã o lhe atribuíam este significado – tratava-se de os expor aos deuse s, sacrificando-os perante estes, ou seja, não eram m ortos m as sim devolvidos ao

divino.

A deform ida de, sendo ente ndida com o um a form a de com unicação dos deuse s,

suscitava m edos relacionados com a esterilidade colectiva, a extinção da espécie ou o seu

desvio da norm a, fazendo com que a alter ação corporal fosse percebida com o um a

condenação social que, deste m odo, jam ais poderia ser do dom ínio individua l ou m esm o do

dom ínio m édico.

As crianças cujas deficiê ncias não eram visíveis à nascença tornavam -se, em adultos,

alvos de forte discrim inação e m esm o de chacota social – por exemplo, nos jogos romanos obrigavam os anões a lutar com m ulheres para divertim ento do povo (Readers D igest,

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Enquanto a s m alform ações conduz iam ao infantic ídio, a debilidade m enta l e as

alterações se nsoriais, c om o a cegueira ou a surdez, não eram percepciona das c om o um

desvio dos padrões norm ativos da espéc ie, m as sim com o um a anom alia que acarretava

um a dim inuição. No entanto, continuava a im perar um a tonalidade trágica, que assoc iav a a

este tipo de perturbações, assim com o às doe nças em geral, um sinal da m á vonta de dos

deuses.

Com a em ergência do pensam ento racional, e m esm o do pe nsam ento clínico

hipocrático, esta dim ensã o trágica cede algum terreno. Em bora a m atriz básica seja a da

‘ordem natural das coisas’, onde as deformidades e as doenças se inscrevem, abre -se cam inho para a investigação e tratam ento das se gundas, continuando as prim eiras sob a

alçada divina – Aristóteles preocupou-se com o estudo da surdez e Hipócrates e Galeno procuraram tratar a epilepsia, que entendiam com o um problem a fisiológico e não

m etafísico (Thom as, 1982).

Saliente-se que as deform idade s adquirida s tinham um estatuto sem elhante às

doenças, existindo m esm o um a atitude proteccionista perante os seus port adores – cerca de 400 a.c., encontram os um pedido de L ysia s, P elos Aleija d os, tentando que estes recebessem

um a pensão a determ inar anualm ente pelo Conselho de Atena s (Stiker, 1999).

Curiosam ente, ao contrário do que acontece nos dias de hoje, os greco -rom anos

tinham uma relação mais problemática com o ‘defeito físico’ do que com a perturbação psíquica. Podem os argum entar que provave lm ente o facto da debilidade m ental não ser tão

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precocem ente detectada quanto a m alform ação física, im plicaria a sua aceitação a

posteriori.

Em bora na Antiguida de encontrássem os a lgum as m anifestações de escárnio perante o

louco, im perava principalm ente o respeito pois, tal com o a aberração física, tam bém a

loucura se pensava pertencer ao registo do divino. Contudo, enquanto o suj eito com

deform idades era exposto aos elem entos até m orrer, os loucos eram sim plesm ente evitados,

não chegando se quer a ser excluídos da socie dade.

Na cultura judaica a deficiência encontrava -se claram ente associada à im pureza,

existindo um a desqua lificação dos seus portadore s, que tinham um estatuto sem elhante ao

das prostitutas e das m ulheres m enstrua das (Stiker, 1999). Esta condição era susceptível de

profanar o sa ntuário, pelo que os deficientes estavam autorizados a assistir ao culto m as

jam ais a celebrá-lo ou a participar nele de form a activa.

Explorar as crenças e atitudes perante a deficiê ncia no Judaísm o e, posteriorm ente, no

Cristianism o, im plica inevitavelm ente centrarm o -nos nos textos bíblicos que, de resto, são

extrem am ente ilustrativos em relaç ão a esta tem ática.

Desde logo, encontram os em Levítico (21:16 -24), num a passa gem sobre as leis

associada s ao sacerdócio, um a categorização dos excluídos e a respectiva dem arcação dos

espaços a utorizados – “Falou mais o Senhor a Moisés dizendo: Fala a Aarão, dizendo: Ninguém da tua sem ente, nas suas gerações, em quem houver algum a falta, se chegará a

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chegará: com o hom em cego, ou coxo, ou de nariz chato, ou de m em bros dem asia do

com pridos, Ou hom em que tiver o pé quebrado, ou quebrada a m ão, Ou corcova do, ou

anão, ou que tiver belida no olho, ou sarna, ou im pigens, ou que tiver te stíc ulo quebrado.

Nenhum hom em da sem ente de Aarão, o sacerdote, em quem houver algum a deform idade,

se chegará para oferecer as ofertas que im adas do Senhor: falta nele há; não se chegará para

oferecer o pão do seu Deus. O pão do seu Deus, das santidades de santidade s e da s coisas

santas poderá com er. Porém , até ao véu não entrará, nem se chegará ao alta r, porquanto

falta há nele, para que não profane os m eus santuários; porque Eu sou o Senhor que os

santifico. E Moisés falou isto a Aarão e a seus filhos, e a todos os filhos de Israel.”

Este texto, que para alguns constitui um verdadeiro “catálogo de impe rfeições humanas” (Barnes, 1996, p. 53), é revelador da sempre om nipresente oposição entre o sagrado e o profano, rem etendo a deficiênc ia, sem qualquer am biguidade, para esta segunda

dim ensão. Na verda de, o m esm o aconteceria com determ inadas doenças, de sig nadam ente a

lepra (Levítico 13), cujos portadores jam ais deixariam de ser vistos com o sujeitos

abom ináveis, m ortos para um a socieda de que tem ia ser profanada pelo esta do de im pureza

por estes veiculado – “E o sacerdote examinará a praga na pele da carne; se o pêlo na praga se tornou branc o, e a praga parecer m ais profunda do que a pele da sua carne, praga de

lepra é; o sacerdote, vendo-o, o declarará por imundo” (Levítico 13:3).

O defeito, a falha, a im perfeição, estando associados à im pureza e ao pecado,

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integralm ente sobre o hom em . Contudo, o hom em é a fonte do m al m as, sim ulta neam ente,

deve procurar a sua reparação.

Os prim órdios da noção de reabilitação, aqui com pletam ente afastada do significado

que viria a ter no século XX, são visíve is em Levítico (14) quando, a pós um a extensa

passagem sobre a lepra, apresenta a cura desta enferm idade com o estando dependente de

um ritual de purificação, com vista à reintegração socia l do s exc luídos.

A este propósito, Stiker (1999) questiona se não será devido a esta concepção – em que o par im pureza/pecado é entendido com o intrínseco ao hom em , estranho ao divino e,

por outro lado, passível de reparação – que é aplicada uma moralidade social sobre a deficiência.

Aparentem ente, o Antigo Testam ento reve la um a tonalidade hostil perante a

deficiência e a doença. O sujeito disfunciona l transporta consigo o peso do pecado que,

conseque ntem ente, lhe acarreta a exclusão. No entanto, em bora im pere u m a lógica sacral

que prom ove o afastam ento dos deficientes, sob risco de profanação do divino,

encontram os tam bém um a lógica ética de responsabilidade socia l, que a ssum e o dever de

situar os ‘infortunados’ no seio da sociedade. Deste modo, a par da rejeiçã o para a prática religiosa, coexiste um sentim ento de pie dade que tende a percepcionar os deficientes, tal

como os pobres, enquanto ‘inocentes’ que não devem ser encarados como os bodes expiatórios da m atriz social.

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Estes dois m ovim entos parecem atravessar a tradição juda ica, levando Stiker (1999) a

referir dois níveis de pensam ento dom inante s e inter -cruzados – um nível biológico e um nível religioso. A dim ensão biológica classificaria o corpo em valê ncias de

saudável/doe nte, bem -form ado/deform ado, natural/aberrante, ou se ja, sinteticam ente,

separaria o norm al do anorm al. A dim ensão religiosa teria com o função prim ária distinguir

o sagrado do profano, fornecendo os princípios da exclusão para aquilo que fosse

considerado anorm al a nível biológico, sem contu do descurar um a lógica ética, tendente a

im pedir que a proibição religiosa significasse proibição social.

O facto da sociedade judaica não ser particularm ente rica, estando de pendente de um a

econom ia de pastorícia, poderá ter contribuído para a proibição d o infantic ídio, com um em

povos viz inhos, bem com o para que as pessoas com deficiênc ia pude ssem desem penhar

actividades laborais, ajudando na subsistência da com unidade (Albrecht, 1992; Barnes,

1996).

Com Cristo e a sua doutrina ocorre um a reviravolta na fo rm a de encarar a pessoa com

deficiência. Um texto do teólogo S. Gregório de Naziance (cita do por Lopes, Roque,

Carneiro & Bento, 1995, p. 17) é bastante explíc ito sobre esta m uda nça – “Aceita-se viver com um assa ssino, recebe-se um adúltero em casa, adm ite m -no m esm o à sua m esa, fazem

sociedade c om um sacríle go, ligam -se de am izade com a queles que lhe fizeram m al; m as

afastam -se de alguém que não vos fez nenhum m al, som ente por causa da sua doença com o

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Ao deixar vir a si, este ndendo-lhe s os braços, aque les que até então estavam sujeitos a

um a interdição religiosa, referindo ainda explic itam ente que os doentes, deficie ntes e

m arginalizados são os prim eiros no Reino de Deus, Jesus quebra um a proibição ancestra l,

alterando a s m entalidade s até então vigentes. Jesus despena liza tam bém a ideia de c ulpa

individual c onotada com a diferença ou a disfunção sem , no e ntanto, negar a associação

existe nte entre a deficiência/infortúnio e o pecado (S. M ateus 9:2 -8) – “E Jesus, vendo a fé deles, disse ao paralítico: Filho, tem bom ânimo, perdoados te são os teus pecados … Ora, para que saibais que o Filho do hom em tem na terra autoridade para perdoar pecados (disse

então ao paralítico): Levanta-te; tom a a tua cam a, e vai para tua casa. E, levantando -se, foi

para sua casa. E a m ultidão, vendo isto, m aravilhou -se, e glorificou a Deus, que dera tal

poder aos homens.”

O Novo Testam ento reve la-nos um Deus que é sobretudo um “Deus-relação: relação em si própria (Pai, Filho, Espírito Santo), relação com a hum a nida de (na pessoa de Jesus).

O Deus-relação já não vincula proibições religiosas; e xclui apenas o coração m aldoso,

apenas o mal que vem do interior” (Stiker, 1999, p. 36).

Ainda de acordo c om Stiker, com os E vange lhos, o sa grado confina -se à s relações

estabelecidas entre os hom ens, desligando-se dos espaços, tem pos, coisas ou funções.

No entanto, este trajecto encontra -se reple to de oposições que, inúm eras vezes,

expressam o seu sentir. Após m ais um a das suas inúm eras curas, esta realizada num sábado,

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Jesus foi alvo da ira dos judeus – “E aquele homem foi, e anunciou aos judeus que Jesus era o que curara. E, por esta causa, os judeus perseguiram a Jesus, e procuravam m atá -lo,

porque fazia estas coisa s no sábado. E Jesus lhes respondeu: M eu Pai trabalha até agora e

eu trabalho tam bém . Por isso, vós, os judeus ainda m ais procuravam m atá -lo, porque não só

quebranta va o sábado, m as tam bém diz ia que Deus era seu próprio Pai, fazen do-se igual a

Deus” (S. João 5:15-18).

Num a outra passagem (S. João 9:13-34), após c urar um hom em cego, novam ente

durante o sábado, os fariseus duvidam da sua anterior condição de cegueira e apelidam

Jesus de pecador. Esta subversão do tem po torna -se m ais difícil de concretizar no espaço,

persistindo os ditam es im postos pelo Antigo Testam ento que, em determ inadas oca siõe s,

chegaram inclusivé a proibir a e ntrada de de term inados deficiente s no Tem plo – “… Nem cego nem coxo entrará nesta casa” (segundo livro de Samuel 5:8).

O Cristianism o vem , pois, im por um a nova ética perante a deficiência. Afasta -a do

registo da im pureza geradora de restrições, levando a que as atitudes perante o corpo

alterado se construam individualm ente e não a partir de convençõe s pré -estabelec idas. Ao

Deus do Antigo Testam ento, m arginalizador dos fracos, sucede, no Novo Testam ento, o

Deus que os protege.

Não esqueçam os, contudo, que os m ecanism os de exclusã o religiosa em vigor na

sociedade judaica pre ssupunham um a dim ensão de algum a form a com pensa tória, ao nível

da integração soc ial que, com o Cristianism o, aparece algo à deriva, antecipando a

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A tonalidade de fraternidade que percorre os Evangelhos substitu i o sentim ento de

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