A LESÃO VERTEBRO M EDULAR
3.3 Factores etiológicos
Em bora existam autores que refiram três grandes grupos de causas de LVM – traum áticas, congénitas e de generativa s (Seidel, 1992), a m aioria abrevia esta
categorização, falando apenas em causas traum áticas e não traum ática s.
As prim eiras englobam as le sões provocadas por ac idente s de viação, quedas,
actos de violência envolvendo arm as de fogo/arm as brancas bem com o agressões
físicas, e as lesõe s desportivas/actividade s recreativas, com destaque para os acidentes
de m ergulho.
As segundas estão associada s a afecções m édicas, onde se inc luem os tum ores
m edulares, m ielites, e scoliose s, esc lerose m últipla, espondilite tuberculosa,
espondiloses, m alform ações congénitas, subluxações vertebrais secundárias a artrite
reum atóide, disfunç ões vasculares, acidente s vasculares m edulares, entre outros
(Duchesne & M usse n, 1976; Schm itz, 1988). Os tum or e s m edulares dividem -se, quanto
à sua localização, em dois grupos – intra-medulares, quando têm a sua origem no interior da espinal m edula, e extra -m edulares, quando se situam no exterior, quer nas
m eninges ou raízes nervosas (intra -durais), quer nos corpos vertebrais e tecidos
epidurais (extra-durais); se ndo a lesã o neurológica causada nos m alignos por inva são e
destruição da s células nervosas e nos benignos por com pre ssão das estruturas nervosas
(Lopes & Faria, 2001).
De acordo com W olm an (1964), as LVM sã o um a doença m oderna que se
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(1991), nos pa íses desenvolvidos os acidentes de viação justificam cerca de 50% deste
tipo de le sões.
Um interessante estudo realizado nos E UA ac erca dos acidente s com veículos
m otorizados, de que resultaram traum atism os vertebro -m edulares, revelou que a m aioria
dos acide ntes oc orre com m otociclos, a altas horas da noite ou de m adrugada, sendo os
im pactos laterais os m ais freque ntes, não existindo em inúm eros casos c um prim ento das
norm as básicas de se gurança (Cushm an, Good & States, 1991). Segundo Burke, Linden,
Zhang, M aiste e Shields (2001), tendo por base um a am ostra de 161 sujeitos LVM , de
entre aquele s cuja le são oc orreu no decurso da condução de autom óveis ou m otas,
apenas 22% usavam , respectivam ente, cinto de segurança ou capacete.
Rutter, Quine e Albery (1998) desenvolveram um a investigação prospectiva com
723 m otocic listas, tendo verificado um predom inante optim ism o irrealista, no se ntido
de considerarem que o risco pessoal de sofrer um acide nte era m enor que o dos outros.
Este optim ism o era, contudo, m enos evide nte entre os condutore s m ais jove ns e
inexperie ntes, bem com o e ntre aqueles que reconheciam praticar com portam entos
arriscados nas estradas. Curiosam ente, tratando-se de um estudo realizado em duas
fases, observou-se que quanto m ais notória era a percepção de risco no prim eiro
m om ento, m ais frequente s eram os relatos de com portam entos de risco passa dos doze
m eses.
Novam ente nos Estados Unidos, tendo em conta um a am ostra de 9,647 sujeitos
com LVM , observou-se que os principa is factores etiológic os eram os ac idente s de
viação (48%), quedas (21%), violência (15%) e os acidente s desportivos (14%). Nestes
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categoria, aparecendo o futebol, na versão am ericana, com o segundo factor causal
(dados do National S pina l Cord Injury Statistical Center, 1986, citados por Gibson,
1992). Da dos m ais recente s, baseados nos cerca de 25,000 sujeitos assistidos pe lo
Model Spina l C or d Injur y C a r e System entre 1973 e 1998, revelam um a ligeira
dim inuição no núm ero de le sões m otivadas por acidentes de viação (43%),
acom panhada por um aum ento das provocada s por ac tos violentos (19% no total do
período e cerca de 22% no espaço de tem po com preendido entre 1994 e 1998),
principalm ente entre a população afro-am ericana (Nobunaga, Go & Karunas, 1999).
Esta alta incidência de traum atism os verte bro -m edulares a ssoc iados à violência
parece estar associada à conflitualidade socia l e crim inalidade existentes na sociedade
am ericana pois, por exem plo no Reino Unido, as le sões provocada s por projécteis ou
objectos cortantes representam um a causalidade de ape nas 5% (Creek et al., 1988,
citados por Kennedy, 1991).
Noutras geografias, m enos industrializadas, observam -se diferenças significativas
no que concerne à distribuição dos factores causa is. Na Polónia, em bora reportando -se
ao período com preendido entre 1965 e1989 e contem plando ape nas as lesões cervicais,
as queda s de carroça surgem com o a prim eira causa de L VM , seguidas pelos acidentes
de m ergulho, só depois a parecendo os acidentes de viação (Kiwerski, 1993). Na
Turquia, os da dos rela tivos aos 581 casos de L VM referenciados no pa ís durante o ano
de 1992 revelaram que a causa m ais com um desta lesão foram os acidentes com
veículos m otorizados (48.8%), seguidos pelas que das (36.5%), agressões com arm as
brancas (3.3%) e com arm as de fogo (1.9%) (Karacan et al., 2002). Por fim , no
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Singapura, do total de 231 indivíduos com LVM assistidos entre 1990 e 1995, a causa
m ais frequente foi a ocorrência de que das (50.7%) e em segundo lugar os acidentes de
viação (37.2%), principalm ente com m otoc iclos.
No âm bito das quedas, os acidente s durante a prática da equitação, am adora ou
profissional, sã o responsá veis por um núm ero apreciável de lesões deste tipo (Silver,
2002).
Ainda no que respeita às lesõe s resultantes de quedas, um estudo retrospe ctivo
oriundo da Grã-Bretanha docum entou que, entre 1951 e 1992, este agente causal estava
associado a tentativas de suicídio em 116 sujeitos (N=8,347), que na sua m aioria
apresentavam perturbaçõe s psicopatológicas, com destaque para a esquizofrenia e
depressão (Kenne dy, Rogers, Speer & Frankel, 1999). Outro trabalho, baseado num a
am ostra de 366 sujeitos c om LVM , dem onstrou igualm ente que as te ntativas de suicídio
haviam sido responsáve is pela lesão de 11 de les (3%), todos com historial de distúrbio
m ental (Harris, Barraclough, Grundy, Bam ford & Inskip, 1996).
Em Portugal, um estudo epidem iológic o, realizado na região Centro atravé s do
recurso aos processos clínicos dos sujeitos diagnosticados com LVM (N=398) entre
1989 e 1992, revelou que os acidente s de viação foram o principal agente causal
(57.3%), destacando-se depois a s queda s (37.4%). Refira -se que este trabalho não
contem pla as lesões de origem não traum ática.
Tentando obter dados baseados num a am ostra m aior, solicitám os junto do Centro
de M edicina de Reabilitação do Alcoitão, que é a instituição responsá vel pe lo
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Serviço de M edicina Física e de Reabilitação do H ospital Curry Cabral, o acesso aos
processos clínicos de todos os sujeitos c om este quadro, internados ne stes serviços entre
1985 e 2000. Por im possibilidade s de vária ordem , a Directora do Serviço de Le sões
Vertebro-M edulares do Centro de M edic ina de Reabilitação do Alcoitão facultou -nos
apenas a inform ação referente ao período com preendido entre 1985 e 1994 (n= 1067), e
no Hospital Curry Cabral autorizaram -nos a consultar os processos rela tivos aos anos
decorridos entre 1990 e 2000 (n=312), um a vez que tinham ocorrido perdas de
inform ação no que concerne aos a nos transactos. Refira-se que am bas as am ostras
foram por nós reunida s num a única (N=1379).
O Quadro 1 m ostra-nos os dados obtidos:
Q uadro 1 – Factores Etiológicos
C A U SA S n %
TRA U M Á TICA S 1094 79.3
Acidentes de viação Quedas
Acidentes de mergulho
Acidentes com armas (fogo/brancas) Outros 572 415 41 37 29 41.5 30.0 3.0 2.7 2.1 N Ã O TRA UM Á TICA S 285 20.7
incluindo tumores medulares, acidentes vasculares medulares, mielites, quadros escolióticos, sequelas de intervenção cirúrgica, entre outros
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As causas traum áticas representam cerca de 80% da patologia m edular, com
especial de staque para os acidentes de viação (41.5%), o que reflecte os efeitos da
elevada sinistralidade rodoviária e xistente no nosso país. Após as quedas (30%), em
terceiro lugar surgem as causas não traum áticas (20.7%), pouc o referenciadas na
literatura, m as ainda assim apontadas com o sendo responsáveis por cerca de 30% das
LVM (Roy-Cam ille, Held, Saillant, Derlon & Picard, 1981; Young & Northrup, 1979,
citados por Schm itz, 1998).
Com parando estes dados com os da realidade norte -am ericana, verificam os que,
se por um lado os acidentes com veículos m otorizados e as que das se constituem com o
denom ina dor com um , por outro, a violê ncia, m uita s vezes potencia lizada pelo uso de
arm as, não tem a m esm a relevância no nosso país. Do m esm o m odo, tam bém as nossas
práticas desportivas não envolvem a ‘dureza’ das americanas – o futebol americano e o hóque i no gelo são inexistentes, o râguebi pouc o expressivo, o esqui raro, e os desportos
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