A LESÃO VERTEBRO M EDULAR
3.1 Considerações neuro-anátom o-fisiológicas
A coluna vertebral, tam bém denom inada ráquis, é c onstituída m aioritariam ente
por vértebra s de form ato discóide, sobrepostas de form a regular e unidas por
ligam entos.
Esta estrutura óssea, cujo com prim ento varia entre os 70 a 75 centím etros e os 60
a 65 centím etros, respectivam ente no hom em e na m ulher de estatura m édia, encontra -se
situada na linha central da região posterior do tronc o e, para além de suste ntar os ossos
do crânio, da bacia, as costelas e a m aior parte das vísceras, serve de protecção à m edula
espina l.
O ráquis é cla ssicam ente dividido em qua tro regiões – cervical, dorsal ou torácica, lom bar e sacro-coccígea. A região cervical é form ada por sete vértebras, das quais se
evidenciam , pelas sua s características diferentes da s restantes, as duas prim eiras – atlas e áxis, por vezes referenciadas com o comp lexo a tla n toa xia l (Rie ser, M udiyam &
W aters, 1985). Na zona dorsa l encontram os doze vértebras, todas m uito sem elha ntes
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A região lom bar é constituída por cinc o vértebra s que perm item o suporte ósseo do
abdóm en. Por fim , na área sacro-coccígea, existem cinco vértebras sagradas, solda das
entre si de form a a constituírem um a peça única – o sacro, que por sua vez está consolida do com as qua tro ou c inco vértebras coccígeas que se agrupam tam bém num a
estrutura única – o cóccix.
Em bora as vértebras apresentem particularidades próprias em ca da um a das quatro
zonas da coluna, facto que perm ite identificar facilm ente a região a que pertencem , é
possível de screver as características gerais que lhe s são com uns – cor po ver teb r a l,
a pófise e spinho sa, a pófises tr a nsver sa s, a pó fises a r ticula r es, lâ mina s ver teb r a is e
pedícu los. As articulações inter-vertebrais fazem -se por interm édio do corpo verte bral e
das apófises articulares, sendo a estabilidade do sistem a secundariam ente prom ovida
pelas lâm inas vertebrais e apófises e spinhosas e transversas. Entre o corpo da vértebra e
a apófise espinhosa encontra -se o bur a co ver tebr a l, cuja sobreposição ao longo do
ráquis origina o ca n a l ver teb r a l que c ontém a e spinal m edula (Rouvière & Delm as,
1999a).
O conjunto dos corpos verte brais e dos discos inter -vertebra is suporta o peso da
cabeça, do tronco e dos m em bros superiores e distribui esta carga pelos m em bros
inferiores, perm itindo a estática da coluna vertebra l. Por sua vez, os arcos vertebrais,
form ados pelas a pófises, lâm inas e pe dículos, possibilitam a m obilid ade do ráquis. Ao
canal vertebral cabe um a função protectora da m edula espinal, das raízes dos nervos
espina is e das m eninge s.
A m ultiplicidade de funções que o organism o hum ano conse gue realizar em
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se confronta, dependem da eficácia e versatilidade dos processos reguladores assistidos
pelo sistem a nervoso.
Deste m odo, antes de nos de bruçarm os sobre a m edula espinal em particular,
im porta tecer algum as considerações sobre o com ple xo sistem a em que esta se enc ontra
inserida.
Em bora tendo presente que o sistem a nervoso actua de form a inte grada, por
conveniê ncia descritiva é unanim em ente aceite esta belecer divisõe s, distinguindo desde
logo Sistem a Nervoso Central (SNC) de Sistem a Nervoso Periférico (SNP).
Do ponto de vista anatóm ico, o SNC é genericam ente form ado pela m edula
espina l e pelo encéfalo, subdividindo-se este últim o, que por vezes é sim plesm ente
equiparado ao cérebro, em tronco cerebral, cerebelo e hem isférios cerebr ais (Brodal,
1998).
No entanto, te ndo em conta a elevada com plexidade do SNC, princ ipalm ente no
que concerne às estruturas que integram o encéfalo, outras sistem atizações optam por
dividir o SNC em três regiões – andar superior, andar médio e andar inferior (Correia, Espanha & Arm ada da Silva, 1999a).
O andar superior c orresponde ao córtex cerebral, onde se situam 75% dos
neurónios que se encontram no encéfalo, sendo responsável pelas funções m ais
evoluídas e com plexas do ser hum ano. Funcionalm ente, encontr am os nesta estrutura
áreas sensitivas, m otora s e de associação, envolvidas respectivam ente na interpretação
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O andar m édio inclui o tronco cerebral, que funciona com o via de c om unic ação
entre a m edula e o e ncéfalo, em bora tam bém apresente capacidades de processam ento
inform ativo; o cerebelo, cuja acção m ais significa tiva se verifica ao nível do controlo
m otor; o tálam o, que funciona principalm ente com o centro retransm issor de inform a ção
entre os vários segm entos do SNC; o hipotá lam o, que exerce controlo sobre a actividade
visceral; e, por fim , os núcleos cinzentos da ba se que, tal com o o c órtex cerebral,
integram o cérebro, estando m aioritariam ente associados a funçõe s m otoras, com
especial preponderância na definição da intensidade da s contracções m usculares
(Correia & Melo, 1999).
Por últim o, o andar inferior é com posto pe la espinal m edula, responsável pela
form a m ais sim ples e rápida de resposta a um estím ulo.
Sinteticam ente, podem os dizer que o SNC representa a estrutura básica do
processam ento de inform ação.
A condução inform ativa realiza -se a partir dos órgãos receptores, com destino ao
SNC, onde ocorrem , segundo Schm idt (1988), a s trê s fases do proce ssam ento da
inform ação – análise da informação sensitiva, selecção da resposta e programação da resposta, a qual é enviada para os órgãos efectores com vista à sua execução.
A com unicação entre o SNC e o resto do corpo é efectuada pelo SNP, que é
constituído por 12 pares de nervos crania nos, que estabelecem a ligação entre o encéfalo
e todas as estruturas localizadas na cabeça, pescoço e algum as do tronco; e 31 pares de
nervos e spinais, que se dirigem da m edula para o resto do corpo. Estes nervos podem
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estím ulos do m eio externo e interno; motor es ou efer en tes quando transportam as
inform ações em itidas pe lo SNC para os efectores; ou mistos quando são form ados por
fibras nervosas quer sensitivas quer m otoras.
Do ponto de vista funcional, o S NP encontra -se dividido em Sistem a Nervoso
Som ático (SNS) e Sistem a Nervoso Autónom o (SNA). O prim eiro, tam bém designado
por Sistem a Nervoso da V ida de Relação, inclui a inervação sensorial e m otora dos
órgãos cuja activida de está associa da à sensação, à percepção e ao m ovim ento, sendo
sinteticam ente apontado com o o sistem a responsável pe las acções reflexas e pelas
respostas que requerem um trabalho voluntário por parte do indivíduo. O segundo,
tam bém referenciado com o Sistem a Vegetativo, tem a seu cargo o controlo da s funções
viscerais, contribuindo para a hom eostase do m eio interno através da regulação da
tem peratura corporal, da frequência cardíaca, das pressões arterial e venosa e do
funcionam ento digestivo, entre outros.
A via m otora do SNA é estruturalm ente diferente da do SNS. Enquanto no SNS a
inervação m otora é exercida por fibras nervosas com origem m edular, que se dirigem
directam ente aos órgãos efectores, no SNA existe um a cadeia de gâ ng lio s que
estabelecem a com unicação entre o SNC e a periferia através, respectivam ente, de fibr a s
pr é-ga n glion a r es e p ós-g a ng lio na r e s (E spanha, C orreia, Pascoal, Arm ada da Silva &
Olive ira, 2001).
O SNA encontra-se ainda subdividido em Sistem a Nervoso S im pátic o e Sistem a
Nervoso Parassim pático. De um m odo geral, podem os dizer que o sistem a sim pático – cujas fibra s nervosas se originam na m edula, entre o prim eiro segm ento dorsal e o
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respiratória e m etabólica, entre outras; enquanto o sistem a parassim pático – cuja via m otora se inicia no tronco cerebral, bem com o no segundo, terceiro e quarto segm entos
m edulares da região sagrada da m edula – tem uma actividade maioritariamente antagonista do sistem a sim pá tico, repondo os e quilíbrios internos do organism o (Gertz,
1999).
Tecidas algum as considerações bá sicas sobre a organização geral do sistem a
nervoso, centram o-nos agora, m ais detalha dam ente, na m edula espinal.
Esta estrutura apresenta a form a de um cordão cilíndr ico, com 40 a 45 cm de
com prim ento e um diâm etro sem elhante a o do dedo m ínim o, estendendo -se ao longo do
canal vertebral, desde o tronco cerebral até ao lim ite superior da segunda vértebra
lom bar, term inando num a configuração cónica, designada por co ne medula r (Brodal,
1998).
A espinal m edula encontra-se revestida por três m em branas com funções
protectora e nutritiva, designada s meninges, que sã o, de fora para dentro, a dur a -má ter,
a a r a cnoideia e a pia -má ter (Rouvière & Delm as, 1999b).
M ediante um corte transversal da m edula (Figura 3), observa -se na região anterior
a fissur a med ia n a a nter ior, que divide esta face ao m eio, em ergindo de cada lado r a ízes
moto r a s, constituídas por fibras nervosas eferentes, que transportam inform ação para os
efectores. Posteriorm ente encontra-se a fissur a med ia n a p oste r io r, origina ndo-se em
cada um dos lados desta as r a ízes se nsitiva s, form adas por fibras nervosas aferentes, que
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posteriores de cada um dos lados vão unir-se, dando origem ao ner vo esp ina l que,
transportando quer inform ação m otora quer sensitiva, é do tipo m isto.
Refira-se que, enquanto os corpos celulares das fibra s das raízes anteriores se
localizam no interior do c ordão m edular, os da s fibras das raíze s posteriores residem no
exterior da m edula, agrupados nos gânglios e spinais, que se encontram nas
proxim idades do ponto de convergê ncia dos dois tipos de raízes (Fredericks, 1996a).
Retom ando o de scritivo da m edula espinal, evide n cia-se um a zona m ais interna de
substâ ncia cin zenta, em form ato de H, e um a re gião periférica de substâ nc ia br a nca
(Figura 3).
Figura 3 – Aspecto Geral da Espinal Medula
após Secção Transversal
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A substâ ncia cinzenta, qua ndo dividida no sentido ântero -posterior, apresenta de
cada lado um co r n o a nter ior e um cor no po ster ior, sendo cada m eta de unida pela
comissur a cinze nta, que exibe na sua zona central o canal do epênd imo. Os cornos
anteriores agre gam os corpos das células m otoras e os cornos posteriores contêm
extensõe s das células sensitiva s, que com o vim os têm os seus c orpos nos gânglios
espina is, dando deste m odo origem às raízes nervosas com o m esm o nom e (Fredericks,
1996a). Saliente-se ainda que nos cornos anteriores da m edula distinguem -se dois tipos
de células m otoras – as so ma to-mo tor a s, que se dirigem para os m úsc ulos esqueléticos, e as víscer o-motor a s, que inervam as vísceras, encontrando-se as prim eiras dependentes
do SNS e as segundas sob a alçada do SNA (Correia, Espa nha & Arm ada da Silva,
1999b). Na porção interm édia da substâ ncia cinzenta enc ontram -se os inte r neu r ón ios,
responsá veis pe la ligação entre os cornos posteriores e anteriores, bem com o entre as
m etades esquerda e direita do cordão m edular.
A substânc ia branca, por sua vez, apresenta três cordões de cada la do – cordão anterior, posterior e lateral, sendo a condução da inform ação ao longo da espinal m edula
a sua função princ ipal. As fibras nervosas que estabelecem a com unicação entre os
vários níveis da m edula designam -se pr ó pr io-esp ina is, as que transportam inform ação
para os centros superiores do SNC de nom inam -se a scende ntes e as que realizam o
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A disposição em derm átom os, possível de estabelecer após proceder ao bloque io
de nervos espinais individuais e observar a re dução de sensibilidade daí resultante, está
ilustrada na Figura 5. Enquanto um derm átom o representa um a área cutânea circunscrita
e contígua, a distribuição dos m iótom os é m ais irregular, na m edida em que a m aioria
dos m úsculos são inervados por m ais do que um nervo (M aynard et al., 1997). Ao longo da m edula e ncontram -se 31 pares de
nervos espinais, com iníc io por cim a da prim eira
vértebra cervical – 8 pares de nervos na região cervical (C1…C8, partindo este últim o do canal
vertebral entre a sétim a vértebra cervical e a
prim eira dorsal), 12 na região dorsal (D1…D12),
5 na região lom bar (L1…L5), 5 na região
sagrada (S1….S5) e um na região coccígea. Cada
par de nervos espinais encontra -se assoc iado a
um segm ento m edular, designado por metâ mer o
(Figura 4), sendo que o território correspondente
à inervação m otora de cada segm ento se
denom ina mióto mo e cada zona corporal
inervada sensitivam ente se cham a der má tomo
(Correia, Espanha & Arm ada da Silva, 1999b).
Figura 4 – Perspectiva Lateral dos Segmentos M edulares e Emergência
dos Nervos Espinais
(adaptada de Carola, Harley & Noback (1992)
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Figura 5 – Disposição em Dermátomos
(adaptada de ASIA, Sta nd a r d for Neur olo gica l C la ssifica tio n of Spin a l C or d Inju r y P a tients, 1990, citado por M arino & Crozier, 1992)
Com o atrás referim os, a m edula term ina ao nível da segunda vértebra lom bar, o
que faz com que o canal vertebral abaixo do cone m edular contenha apenas as raízes
nervosas, que originam os re spectivos nervos espina is, dando origem à ca uda e quina
(Figura 4), assim designada em virtude da s sem elhanças com a cauda de um cavalo.
Os reflexos m edulares constituem exem plo de resposta s a estím ulos sensitivos
processados m edularm ente – as fibras aferentes conduzem a informação sensorial até ao centro m edular, onde ocorre a program ação da ordem que irá percorrer as fibras
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eferentes até ao órgão e xecutante. Este percurso entre o receptor e o efector é conhecido
por a r co r eflexo, falando-se em r eflexos mo nossimpá tico s e polissimpá ticos, de acordo
com o núm ero de sinapses verificadas na m edula (Starling & Evans, 1978). Os reflexos
podem ainda ser classificados em segmen ta r e s, qua ndo processados num só segm ento
m edular, ou inter segmen ta r es, qua ndo a s fibra s aferentes provocam a excitação de
neurónios eferentes a o longo de vários segm entos (Correia, Espanha & Arm ada da
Silva, 1999b).
Concluindo, a m edula espinal não se reduz a um a via de retransm issão de
estím ulos entre o encéfalo e a periferia, com o era percepcionada no passado, sendo sim
um centro nervoso com plexo que, em bora contem plando esta função, revela autonom ia
ao nível do proce ssam ento inform ativo, assum indo um pape l preponderante sobre o
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