INSTITUTO DE CIÊ NCIAS BIOM ÉDICA S DE ABEL SALAZA R
UNIVERSIDA DE DO PORTO
S
S
E
E
X
X
U
U
A
A
L
L
I
I
D
D
A
A
D
D
E
E
M
M
A
A
S
S
C
C
U
U
L
L
I
I
N
N
A
A
P
P
Ó
Ó
S
S
-
-
L
L
E
E
S
S
Ã
Ã
O
O
V
V
E
E
R
R
T
T
E
E
B
B
R
R
O
O
-
-
M
M
E
E
D
D
U
U
L
L
A
A
R
R
JO RG E M ANUEL SANTO S CARDO SO
Dissertação de Doutoram ento
Dissertação de Doutoram ento subm etida ao
INSTITUTO DE CIÊ NCIAS BIOM ÉDICA S DE ABEL SALAZA R
UNIVERSIDA DE DO PORTO
S
S
E
E
X
X
U
U
A
A
L
L
I
I
D
D
A
A
D
D
E
E
M
M
A
A
S
S
C
C
U
U
L
L
I
I
N
N
A
A
P
P
Ó
Ó
S
S
-
-
L
L
E
E
S
S
Ã
Ã
O
O
V
V
E
E
R
R
T
T
E
E
B
B
R
R
O
O
-
-
M
M
E
E
D
D
U
U
L
L
A
A
R
R
JO RG E M ANUEL SANTO S CARDO SO
jorgecardoso.psi@ gmail.com
Orientador: Prof. Doutor JÚ LIO MACHADO VAZ
Co-Orientadora: Prof. Doutora CATARINA SOARES
Agradecim entos
Ao Professor Doutor Júlio M achado Vaz, orie ntador deste trabalho, expresso a
m inha profunda gratidão, desde logo por ter aceite a ssum ir esta função, bem com o por
todo o apoio c ientífico, incentivo e disponibilidade que sem pre dem onstrou ao longo
desta cam inhada. Tanto no registo da s conversas inform ais com o na s ocasiões de
form ação m ais estruturada, fui benefic iário da sua sólida experiência e form ação
científicas, que m e perm itiram consolidar conhecim entos nos territórios da Sexologia e
alargar horizontes pelos oceanos da Sexualidade. À Pessoa por detrá s do Professor, é
um privilégio privar consigo.
À Professora Doutora Catarina Soares, co -orientadora deste estudo, que
generosam ente m e tem apoiado e encorajado no percurso clínico e académ ic o,
m anifesto um agradecim ento m uito especial. No decurso deste duplo trajecto, foi da sua
inicia tiva o desafio para a elaboração de sta te se, num m om ento em que dúvida s de vária
ordem m e assaltavam . Chegado o últim o ponto final, espero ter correspondido às
expectativas.
À Professora D outora Constança Paúl, que desde o prim eiro e ncontro se
disponibilizou para com igo partilhar o seu saber e rigor m etodológic o, expresso tam bém
vi
À M estre Patrícia Ferreira, am iga com quem partilhei as cadeira s dos auditórios há
já alguns anos, agradeço a disponibilidade e o precioso contributo para o tratam ento
estatístic o dos da dos, bem com o para a revisão de parte deste trabalho.
À Drª Fernanda Vie gas, Directora do Serviço de Lesões Vertebro -M edulares do
Centro de M edicina de Reabilitação do Alcoitão, ao Dr. José Capitã o, Director do
Serviço de M edicina Física e de Reabilitação do H ospital de Curry Cabral, e à Drª Luísa
Ventura, do Serviço de M edicina Física e de Reabilitação do Hospital Garcia de Orta,
agradeço as facilidades conce didas na concretização do trabalho de cam po.
Ao Dr. Pedro Grilo, da Associação Portuguesa de Deficientes, à Drª M argarida
Ourô do Lar M ilitar da Cruz Verm elha Portuguesa, e à Drª Teresa Infante, da
Assoc iação dos Deficie ntes das Forças Arm adas, exprim o o m eu agradecim ento pela
am ável receptividade e frutuosa colaboração.
Não posso tam bém deixar de agradecer ao Dr. Afonso de Albuquerque o quanto
contribuiu para a m inha form ação na vertente cognitivo -com portam ental, recordando
com saudade as m anhãs de segunda-feira em que, sob a batuta do M estre, decorriam as
reuniões clínicas sem anais, para m im um verdadeiro m om ento de culto.
À Drª Teresa Burguette, com panhe ira de viagens ao Porto e c om quem
com partilhei actividades de docência, um bem -haja pelo apoio sem pre dem onstrado.
Aos m eus cole gas na actividade docente, princ ipalm ente à M estre Teresa
vii
Aos m eus alunos do Instituto Superior de Ciênc ias da Saúde – Sul, alguns já com
o estatuto de ex-a lunos e actuais colega s, apenas quero recordar que o processo de
ensino-aprendiza gem é bidireccional. Obrigado pelo que m e ensinaram .
A todos os partic ipante s que aceitaram colaborar nesta investigação, torna ndo -a
exequíve l, m ais do que agra decer-lhes, quero-lhes transm itir o quanto os adm iro pela
coragem e pela persistência, tanta s vezes traduzida s num renascim ento para a vida.
Aos m eus am igos, sem pre próxim os, m esm o quando o tem po foge e as
oportunidades não surgem , expresso o m eu apreço pela intensida de dos m om entos de
partilha.
Aos m eus pa is, pelo encorajam ento, pe lo apoio na retaguarda e por m e terem
periodicam ente relem brado que todos os traba lhos têm de cam inhar na direcção do fim ,
m anifesto a m inha gratidão.
É, contudo, à m inha M ulher que devo o m ais sentido agradecim ento. Prestou -m e
um auxílio inestim ável na s vária s fases deste trabalho, de u -m e ânim o nos períodos de
m aior angústia e, acim a de tudo, suportou as m inha s frequente s oscilações de hum or.
Resumos
RESUM O
As lesões vertebro-medulares (LVM ) provocam um grau variável de perturbação das funções motoras e sensoriais, acompanhado por um conjunto de alterações psicológicas associadas à perda ocorrida. Influenciada quer pelas especificidades da le são, quer pela readaptação psicológica, a sexualidade dos indivíduos LVM constitui uma dimensão que não pode ser ignorada pelos elementos da equipa de reabilitação.
Pretendeu-se, com este estudo, descrever e analisar as percepções retrospectivas e actuais dos homens LVM acerca das várias dimensões da sua sexualidade, investigando, em simultâneo, os efeitos do nível e extensão lesionais, idade e tempo de lesão, sobre a esfera sexual. Concomitantemente, foi também objectivo testar se existem associações entre o grau de satisfação sexual, a intensidade depressiva e o auto-conceito, averiguando -se ainda se estas variáveis sofrem efeitos das especificidades da lesão (nível e extensão) e/ou dos factores temporais (idade e tempo de lesão).
A amostra é constituída por 150 homens LVM – 24 com quadros de tetraplegia completa, 34 tetraplegia incom pleta, 53 paraplegia com pleta e 39 parap legia incomp leta –, todos eles com parceira sexual, fixa e/ou ocasional, durante algum período anterior e posterior à ocorrência da lesã o.
Com o intuito de acedermos aos vários aspectos da sexualidade dos homens LVM , foi desenvolvida uma entrev ista estruturada, orientada para a avaliação das percepções sociais, cognições sexuais, actividade sexual, comunicação sexual, satisfação sexual e reabilitação sexual, conte mplando ainda a recolha de in formação referente aos dados socio -de mográ ficos e clínicos. Paralelamente, para avaliar o grau de satisfação sexual recorremos ao Índ ice de Satisfação Sexual, para avaliar a intensidade depressiva utilizámos o Inventário Depressivo de Beck e para avalia r o auto -conceito soco rremo -nos do Inventário Clínico de Auto-Conceito.
Os resultados obtidos indiciam que após a lesão ocorreram inúmeras alterações na esfera sexual, verificando -se, em regra, diferenças significativas entre o período anterior à lesão e a actualidade. De entre as mod ificações percepcionadas pelos sujeitos, destacamos a diminuição na importância atrib uída à vida sexual, no desejo sexual, na frequência e satisfação com a prática do coito, n a capacidade de proporcio nar satisfação sexual à parceira e na satisfação sexual pessoal. Constatámos que as capacidades eréctil, ejaculatória e orgásmica são particularmente afectadas, tendo -se verificado que a incompletude lesional é mais favorável do qu e a completude. O nível da lesão parece não exercer um efeito significativo na variabilidade das alterações com que nos deparámos. Em relação aos factores temporais, verificámos que o avançar da idade acarreta um efeito negativo sobre várias dimensões da s exualidade, enquanto o aumento do te mpo decorrido desde que sucedeu a LVM produz um efeito positivo em relação a alguns aspectos – aumento da comunicação sexual e da capacidade de proporcionar satisfação sexual à parceira – e negativo em relação a outros – dim inuição no grau de satisfação sexual. A capacidade de proporcio nar satisfação sexual à parceira, a satisfação associada aos comportamentos de coito e o desejo sexual percepcionado na parceira são predito res de satisfação sexual. Por outro lado, encontr ámos uma associação entre o auto-conceito e o grau de satisfação sexual – quanto mais elevado é o auto-conceito maior é a insatisfação sexual –, o que não acontece entre a intensidade depressiva e o grau de satisfação sexual.
x
ABSTRACT
Spinal cord inju ries (SCI) cause a v ariable degree of disorder as regards motor and sensory functions, along with a set of psychological changes associated with the loss that has occurred. SCI individuals’ sexuality, which is influenced both by the injury’s specificities and by the psychological readjustment that takes place, is a dimension that must not be ignored by the rehabilitation team.
This study intended to describe and analyse SCI men’s retrospective and current perceptions concerning different dimensions of their sexuality, while al so investigating the effects the level and extent of inju ry, age and time since injury has on them. At the same time, it aimed to test whether the re are associations between the degree of sexual satisfaction, depressive intensity and self -concept, and verify whether these variables are affected by the injury’s specificities (level and extent) and/or by time factors (age and time since injury).
The sample consists of 150 SCI men – 24 with complete tetraplegia, 34 with incomplete tetraplegia, 53 with complete pa raplegia and 39 with incomplete paraplegia –, all with a steady and /or casual sexual partner during some time before and after the injury occurred.
In order to understand the different aspects of SCI men’s sexuality, a structured interview was designed in orde r to evaluate social perceptio ns, sexual cognition, sexual activity, sexual co mmunicatio n, sexual satisfaction and sexual rehabilitation, and gather socio -demographic and clinical data. Besides this, the level of sexual satisfaction was also measure d thro ugh the Index of Sexual Satisfaction, depressive intensity was assessed with Beck’s Depressive Inventory and self-concept was evaluated by using the Clinical Inventory of Self-Concept.
The results suggest that following the injury these subjects’ sexuality changed in countless ways. In general terms, significant differences were fou nd between the period prior to the injury and the present time. Among the changes subjects perceived are reductions in the importance attributed to one’s sex life, sex drive, frequency and satisfaction with the practice of coitus, capacity to provide one’s partner with sexual satisfaction and personal sexual satisfaction. The erectile, ejaculatory and orgasmic capacities were found to be particularly a ffected. Injury incompleteness showed to be more favourable than injury completeness. Injury level seems not to have a significant e ffect on the variability o f the changes that were encountered. As for the time factors, becoming olde r seems to imply a negative effect rega rding several dimensions of sexuality, while more time since injury produced a positive effect on certain aspects – more sexual communication and greater capacity to provide one’s partner with sexual satisfaction. The capacity to provide one’s partner with sexual satisfaction, the satisfactio n associated with coitus practices and perceived sexual drive in one’s partner are predictors of sexual satisfaction. On the other hand, an association between self -concept and the deg ree of sexual satisfaction was found – the greater the self-concept, the greater the sexual dissatisfaction –, but none was found between dep ressive intensity and the degree of sexual satisfaction.
xi
RÉSUM É
Les lésions vertébro-médulla ires (LVM ) produisent un degré variable de pertu rbation des fonctions motrices et sensorielles, suivi par toute une panoplie d’alterations psychologiques associées à la perte rassentie par le sujet. Influencée par les spécificités de la lésion, ou bien par la réadaptation psychologique, la sexualité des individus LVM représente une dimension qui ne peut p as être igno rée par les membres de l’équipe de réhabilitation.
Avec cette étude, on a essayé de décrire et analyser les perceptions rétrospectives et actuelles des hommes LVM sur les différentes dimensio ns de leur sexualité, en recherchant, au même temps, les effets du niveau et de l’extension lésionnelles, de l’âge et de la durée de la lésion sur le vécu sexuel. De pair, on a aussi essayé de tester éventuelles associations entre le degré de satisfaction sexuelle, l’intensité dépressive et l’image de soi-même, et vérifier si cettes va riables subissent les effets des spécificités de la lésion (niveau et extension) et/ou des aspects temporaux (âge et durée de la lésion).
Le groupe étudié est composé par 1 50 hom mes LVM – 24 présentant tétrap légie complète, 34 tétraplégie incomplète, 53 paraplégie complète et 39 paraplégie inco mplète, tous avec une partenaire sexuelle, fixe et/ou ocasionnelle, pendant quelque période antérieure et postérieure à l’occurrence de la lésion.
Avec l’objectif d’accéder aux divers aspects de la séxualité des hommes LVM , on a développé une entrevue structurée, orientée vers l’avaliation des perceptions sociales, cognitions sexuelles, activité sexuelle, communication sexuelle, satisfaction sexuelle et réhabilitation sexuelle, laquelle vis ait aussi l’obtention d’information sur les données socio-démograph iques et cliniques. Au même te mps, pour avalier le degré de satisfaction sexuelle, on a utilisé l’Indice de Satisfaction Sexuelle, pour avalier l’intensité depressive l’Inventaire Dépressif de Beck et pour avalier l’image de soi-même l’Inventaire Clinique de l’Image de Soi-M ême.
Les résultats obtenus suggèrent qu’après la lésion de nombreuses altérations sont apparues au niveau sexuel, montrant des différences significatives entre la pé riode antérieure à la lésion et l’actualité. Parmi les modifications perçues par les sujets, on souligne la diminuition de l’importance attribuée à la vie sexuelle et au désir sexuel, la dim inuitio n de la fréquence e t satisfaction o btenue pendant le coït et de la capacité de satisfaire sexuellement la partenaire et de jouir sexuellement eux -mêmes. On a vérifié que les capacités érectile, éjaculatoire et orgasmiq ue sont particulièrement affectées, surtout q uand on est en présence de lésions complètes. Le niveau d e la lésion ne semble pas avoir un effet sign ificatif sur la variabilité des altérations qu’on a retrouvées. Dans ce qui concerne les aspects temporaux, on a verifié que le vieillissement apporte un effet negative sur les diverses dimensions de la séxualit é. Par contre, l’augmentation du temps passé après la LVM produit un effet positif à quelques niveaux – augmentation de la communicatio n sexuelle et de la capacité de faire jouir sexuellement la partenaire – et négatifs à d’autres – diminuitio n de la satisfaction sexuelle. La capacité de faire jouir sexuellement la partenaire, la satisfaction associée aux comportements de coït et le désir sexuel perçu dans la partenaire sont prédicatifs de satisfaction sexuelle. D’autre côté, on a trouvé une association entre l’image de soi-même et la satisfaction sexuelle – une meilleure image de soi-même est liée à une insatisfaction sexuelle p lus grande -, ce qui n’arrive pas entre l’intensité depressive et la satisfaction sexuelle.
ÍNDICE
Agradecim entos v
Resum os ix
Índice xiii
Introdução 1
I
I
–
–
R
R
E
E
V
V
I
I
S
S
Ã
Ã
O
O
D
D
A
A
L
L
I
I
T
T
E
E
R
R
A
A
T
T
U
U
R
R
A
A
1 DISCURSO S SO BRE O CO RPO 7
2 DEFICIÊN CIA(S), INCA PAC IDADE(S) E O UTRAS DESVANTAG ENS
2.1 PERSPECTIV A H ISTÓ RICA – CEN Á RIO S D E FRU STRA ÇÃO PESSO AL 37
2.2 M O D ELO M ÉD ICO VE RSU S M OD ELO SO CIA L 64
2.3 TERM IN O LO G IA S E CLA SSIFICA ÇÕ ES INTERN A CIO NA IS 74
3 A LESÃO VERTEBRO -M EDULAR
3.1 CO N SID ERA ÇÕ ES N EU RO -AN Á TO M O -FISIO LÓG ICA S 85
3.2 CO N CEITO D E LESÃO V ERTEBRO -M EDU LA R 96
3.3 FA CTO RES ETIO LÓ G ICO S 103
3.4 IN CID ÊN CIA E PREV A LÊN CIA 109
3.5 FA CTO RES EPID EM IO LÓ G ICO S 111
3.6 A BO RD A G EM CLÍN ICA DA LESÃ O V ERTEBRO -M EDU LA R 118
3.6.1 CO M PLICA ÇÕ ES SECU N DÁ RIA S 126
3.7 PRO G N ÓSTICO 141
3.8 A D A PTA ÇÃ O PSICO LÓG ICA À LESÃO V ERTEBRO -M EDU LA R 145
3.8.1 D O EN ÇA CRÓ N ICA 145
3.8.2 D O FO CO N A DO EN ÇA À CEN TRA LID A D E D O SU JEITO 151
3.8.3 STRESS E CO PIN G 167
3.8.4 D EPRESSÃ O 185
3.8.5 Q U A LIDA D E D E V ID A 195
xiv
4 G ÉNERO , SEXUALIDADE E DEFICIÊNCIA 211
5 SEXUALIDADE E LESÃO VERTEBRO -M EDULAR
5.1 A RESPOSTA SEX U A L M A S CU LIN A 239
5.2 SEX U ALID A DE E LESÃO V ERTEBRO -M ED U LA R 257
5.2.1 CO G N IÇÕ ES, D ESEJO E A CTIV ID AD ES SEX U A IS 262
5.2.2 CA PA CID A D E ERÉCTIL 268
5.2.3 CA PA CID A D E EJA CU LA TÓ RIA 280
5.2.4 CA PA CID A D E O RG Á SM ICA 285
5.2.5 SA TISFA ÇÃ O SEX UA L 290
5.2.6 FERTILID A D E/IN F ERTILID AD E 296
5.2.7 REA BILITA ÇÃ O SEX UA L 301
I
I
I
I
–
–
M
M
E
E
T
T
O
O
D
D
O
O
L
L
O
O
G
G
I
I
A
A
1 TIPO DE ESTUDO 315
2 O BJECTIVO S E Q UESTÕ ES DE INVESTIG AÇÃO 317
3 PARTIC IPANTES 323
4 VARIÁ VEIS EM ESTUDO
4.1 V A RIÁ V EIS IND EPEN D EN TES 325
4.2 V A RIÁ V EIS DEPEND EN TES 328
5 INSTRUM ENTO S
5.1 EN TREV ISTA SO BRE SEX UA LID AD E PÓS -LESÃ O
V ERTEBRO M ED U LA R 333
5.2 ÍN D ICE D E SA TISFA ÇÃO SEXU A L 354
5.3 IN V EN TÁ RIO DEPRESSIV O D E BECK 357
5.4 IN V EN TÁ RIO CLÍN ICO D E A U TO -CON CEITO 359
6 PRO CEDIM ENTO 361
7 TRATAM ENTO ESTATÍSTICO 365
I
I
I
I
I
I
-
-
A
A
N
N
Á
Á
L
L
I
I
S
S
E
E
E
E
D
D
I
I
S
S
C
C
U
U
S
S
S
S
Ã
Ã
O
O
D
D
E
E
R
R
E
E
S
S
U
U
L
L
T
T
A
A
D
D
O
O
S
S
1 CARACTER IZAÇÃO DA AM O STRA1.1 CA RA CTERIZA ÇÃ O SÓ CIO -D EMO G RÁ FICA D A A MO STRA 371
1.2 CA RA CTERIZA ÇÃ O CLÍN ICA D A A M OSTRA 373
xv
3 CO G NIÇÕ ES SEXUAIS 389
4 ACTIVIDADE SEXUAL 397
5 CO M UNIC AÇÃO SEXUAL 431
6 SATISFAÇÃO SEXUAL 435
7 REABILITAÇÃO SEXUAL 457
8 G RAU DE SATISFAÇÃO SEXUAL 463
9 INTENSIDADE DEP RESSIVA 469
10 AUTO -CO NCEITO 473
11 RELAÇÃO ENTRE VARIÁVEIS – INSATISFA ÇÃO SEXUAL,
INTENSIDADE DEP RESSIVA E AUTO -CO NCEITO 477
12 SÚM ULA 479
I
I
V
V
-
-
C
C
O
O
N
N
C
C
L
L
U
U
S
S
Õ
Õ
E
E
S
S
481V
V
–
–
R
R
E
E
F
F
E
E
R
R
Ê
Ê
N
N
C
C
I
I
A
A
S
S
B
B
I
I
B
B
L
L
I
I
O
O
G
G
R
R
Á
Á
F
F
I
I
C
C
A
A
S
S
493V
V
I
I
-
-
A
A
N
N
E
E
X
X
O
O
S
S
555ENTREVISTA SO BRE SEXUALIDADE PÓ S -LESÃO VERTEBRO -M EDULAR
ÍNDICE DE SATISFAÇÃO SEXUAL INVENTÁR IO DEPRESSIVO DE BECK
xvi
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1 CO N CEITO S VS N ÍV EIS D E O BSTÁ CU LO S 75
FIGURA 2 IN TERA CÇÕ ES EN TRE A S COM PON EN TES D A ICF 82
FIGURA 3 A SPECTO G ERA L D A ESPINA L M EDU LA APÓ S SECÇÃ O TRA N SV ERSA L
91
FIGURA 4 PERSPECTIV A LA TERA L D OS SEG M EN TO S
M ED U LA RES E EM ERG ÊN CIA DO S N ERVO S ESPINA IS
93
FIGURA 5 D ISPOSIÇÃ O EM DERM Á TO MO S 94
FIGURA 6 M O D ELO D E STRESS E CO PIN G D E M OO S E SCHA EFER 174
FIGURA 7 CICLO D E RESPO STA SEXU A L, A DA PTA D O A PA RTIR D O M OD ELO CO GN ITIV O D E WA LEN E RO TH
243
FIGURA 8 CÍRCU LO PSICO SSOM Á TICO DA RESPOSTA SEX UA L 244
FIGURA 9 CICLO D E RESPO STA SEXU A L A LTERNA TIV O 248
FIGURA 10 RESPO STA ERÉCTIL, D E A CO RD O CO M O CÍRCU LO PSICO SSO M ÁTICO D A RESPO STA SEXU A L
252
xvii
LISTA DE QUADROS
QUADRO 1 FA CTO RES ETIO LÓ G ICO S 107
QUADRO 2 FA CTO RES EPID EM IO LÓ G ICO S – SEX O 111
QUADRO 3 FA CTO RES EPID EM IO LÓ G ICO S – ID AD E 113
QUADRO 4 FA CTO RES EPID EM IO LÓ G ICO S – N ÍV EL D A LVM 115
QUADRO 5 FA CTO RES EPID EM IO LÓ G ICO S – EX TEN SÃO D A LV M 116
QUADRO 6 CA PA CID A D E ERÉCTIL EM HO M ENS LV M 272
QUADRO 7 CA PA CID A D E EJA CU LA TÓ RIA EM HO M ENS LV M 282
QUADRO 8 CA PA CID A D E O RG Á SM ICA EM H OM EN S LV M 287
QUADRO 9 ID A D E E N ÍV EL D E ESCO LA RID A D E 371
QUADRO 10 ESTA DO CIV IL 372
QUADRO 11 TEM PO D ECO RRID O D ESDE A LV M 373
QUADRO 12 CA U SA DA LV M 374
QUADRO 13 N ÍV EL E EX TENSÃ O D A LVM 374
QUADRO 14 CO M PLICA ÇÕ ES SECU N DÁ RIA S 377
QUADRO 15 CO RRELA ÇÕ ES EN TRE A CO M UN ICA ÇÃ O SEX U A L E O U TRA S VA RIÁ V EIS
432
QUADRO 16 CO RRELA ÇÕ ES EN TRE A SA TISFA ÇÃO SEX U A L E O U TRA S VA RIÁ V EIS
453
QUADRO 17 V A RIÁ V EIS PRED ITO RA S D A SA TISFA ÇÃ O SEX U A L 454
QUADRO 18 CO RRELA ÇÕ ES EN TRE A IN SA TISFA ÇÃ O SEX U A L, A IN TEN SIDA D E D EPRESSIVA E O AU TO -CO N CEITO
477
xviii
L
L
I
I
S
S
T
T
A
A
D
D
E
E
G
G
R
R
Á
Á
F
F
I
I
C
C
O
O
S
S
GRÁFICO 1 CO N V ÍV IO SO CIA L - FREQ U ÊN CIA 380
GRÁFICO 2 CO N V ÍV IO SO CIA L N O PÓ S -LESÃ O EM FUN ÇÃ O DO N ÍV EL E EX TENSÃ O
381
GRÁFICO 3 V ID A SO CIA L - SA TISFA ÇÃ O 383
GRÁFICO 4 SA TISFA ÇÃ O CO M A V ID A SO CIA L NO PÓS -LESÃO EM FU N ÇÃ O D A ID AD E
384
GRÁFICO 5 A TRA CÇÃ O FÍSICA 385
GRÁFICO 6 A TRA CÇÃ O FÍSICA PÓ S -LESÃ O EM FU N ÇÃO D O N ÍV EL E EX TEN SÃ O
387
GRÁFICO 7 IM PO RTÂ N CIA ATRIBU ÍD A À V IDA SEXU A L 389
GRÁFICO 8 IM PO RTÂ N CIA ATRIBU ÍD A À V IDA SEXU A L NO PÓS - -LESÃ O EM FU N ÇÃO D A IDA D E E TEMPO D E LESÃ O
392
GRÁFICO 9 FA N TASIAS SEXU A IS - FREQU ÊN CIA 393
GRÁFICO 10 SO N HO S ERÓ TICOS - FREQ U ÊN CIA 395
GRÁFIC O 11 TIPO D E PA RCEIRA SEX U A L 398
GRÁFICO 12 D ESEJO SEXU A L 399
GRÁFICO 13 D ESEJO SEXU A L NO PÓS -LESÃ O EM FU N ÇÃ O D A ID A D E
401
GRÁFICO 14 D ESEJO SEXU A L PERCEPCIO N A DO N A PA RCEIRA 402
GRÁFICO 15 SEN SIBILID AD E G EN ITA L 403
GRÁFICO 16 CA PA CID A D E ERÉ CTIL 406
GRÁFICO 17 ERECÇÃ O - O BTEN ÇÃ O 408
GRÁFICO 18 ERECÇÃ O - M A N U TEN ÇÃO 408
GRÁFICO 19 ERECÇÃ O – CO ITO 409
xix
GRÁFICO 21 CA PA CID A D E O RG Á SM ICA 415
GRÁFICO 22 IN ICIA TIV A SEXU A L 419
GRÁFICO 23 CO N TA CTO S D E A FECTO – FREQU ÊN CIA 420
GRÁFICO 24 M A STU RBA ÇÃO – FREQ U ÊN CIA 422
GRÁFICO 25 M A STU RBA ÇÃO N O PÓ S -LESÃ O EM FU N ÇÃO D A ID A D E
424
GRÁFICO 26 SEX O O RA L – FREQ U ÊN CIA 425
GRÁFICO 27 CO ITO – FREQ U ÊN CIA 426
GRÁFICO 28 CO ITO N O PÓ S -LESÃ O EM FU N ÇÃO D A EXT EN SÃ O 428
GRÁFICO 29 CO ITO N O PÓ S -LESÃ O EM FU N ÇÃO D A IDA D E 429
GRÁFICO 30 CO M U N ICA ÇÃ O SEX UA L 431
GRÁFICO 31 CO N TA CTO S D E A FECTO - SA TISFA ÇÃ O 435
GRÁFICO 32 M A STU RBA ÇÃO – SA TISFA ÇÃ O 437
GRÁFICO 33 SEX O O RA L – SA TISFA ÇÃ O 439
GRÁFICO 34 CO ITO – SA TISFA ÇÃ O 440
GRÁFICO 35 O RG A SMO – SA TISFA ÇÃ O 442
GRÁFICO 36 O RG A SMO D A PA RCEIRA – SA TISFA ÇÃ O 444
GRÁFICO 37 SA TISFA ÇÃ O CO M O O RG ASM O DA PA RCEIRA N O PÓ S-LESÃ O EM FU N ÇÃO D A IDA D E
446
GRÁFICO 38 SA TISFA ÇÃ O CO M O O RG ASM O DA PA RCEIRA N O PÓ S-LESÃ O EM FU N ÇÃO D O TEM PO D E LESÃO
447
GRÁFICO 39 CA PA CID A D E D E PRO PO RCIO N A R SA TISFA ÇÃ O SEX U AL À PA RCEIRA
448
GRÁFICO 40 CA PA CID A D E D E PRO PO RCIO N A R SA TISFA ÇÃ O SEX U AL À PA RCEIRA N O PÓ S -LESÃ O EM FUN ÇÃ O D A ID A DE
xx
GRÁFICO 41 CA PA CID A D E D E PRO PO RCIO N A R SA TISFA ÇÃ O SEX U AL À PA RCEIRA N O PÓ S -LESÃ O EM FUN ÇÃ O
D O TEM PO D E LESÃ O 450
GRÁFICO 42 SA TISFA ÇÃ O SEX UA L 451
GRÁFICO 43 IN TERV EN ÇÃ O TERAPÊU TICA 457
GRÁFICO 44 PREO CU PA ÇÃO CO M A V ID A SEX U A L D U RA N TE A
REA BILITA ÇÃ O 459
GRÁFICO 45 PREO CU PA ÇÃO CO M A V ID A SEX U A L D U RA N TE A
REA BILITA ÇÃ O EM FUN ÇÃ O DA ID A D E 460
GRÁFICO 46 IN FO RM A ÇÃO SEXU A L DU RA N TE A REA BILITA ÇÃO 461
GRÁFICO 47 IN FO RM A ÇÃO SEXU A L - N ECESSID AD ES A CTUA IS 461
GRÁFICO 48 IN SA TISFA ÇÃ O SEX UA L EM FU N ÇÃ O D A EX TEN SÃ O
D A LESÃO 464
GRÁFICO 49 IN SA TISFA ÇÃ O SEX UA L EM FU N ÇÃ O D A ID AD E 466
GRÁFICO 50 IN SA TISFA ÇÃ O SEX UA L EM FU N ÇÃ O D O TEMPO D E
LESÃ O 467
GRÁFICO 51 IN TEN SIDA D E D EPRESSIVA EM FU N ÇÃ O D A ID AD E 470
GRÁFICO 52 A U TO -CO N CEITO EM FUN ÇÃ O DA ID A D E E D O TEMPO
INTRODUÇÃO
As lesões vertebro-m edulares (LVM ) produzem um quadro de doença crónica,
fisiologicam ente caracterizada por alterações m otoras, sensitivas e neuro -vegetativas. Tão
precocemente quanto as circunstâncias clínicas o perm itam, os indivíduos com es te tipo
de lesão iniciam program as de reabilitação, fundamentalm ente direccionados para a
potencialização global das capacidades funcionais residuais.
A m atriz existencial que vigora após a ocorrência de uma LVM é inevitavelmente
vivenciada sob um registo de perda. Esta, podendo ser mais ou m enos evidente, estrutura -
-se em torno de um m isto de doença crónica e deficiência física, que apresenta com o
denom inadores com uns o confronto com m odificações irreversíveis e um a necessidade
im periosa de readaptações a vários níveis. Do ponto de vista psicológico este quadro
clínico, quer pela am plitude das suas consequências quer pelas frequentes com plicações
m édicas acessórias que acarreta, tem um significado perturbador sobre a relação, até então
supostam ente harm oniosa, entre o sujeito e o seu corpo, bem com o sobre todas as
dim ensões em que a corporalidade é exercida. Em estreita associação com os aspectos
orgânicos e com os factores psicológicos encontram os a esfera sexual.
Recuando na mem ória recordam os que, com o avançar do tem po, a
m ultidisciplinariedade e a convergência de saberes em que opera a Sexologia
conduziram-nos ao interesse pela investigação das consequências da doença crónica sobre
2 Sexua lida de Ma sculina P ós -Lesã o Ver tebr o-Medula r
Gosta va de ser infor ma da sobr e tudo. Na a ltur a a pena s me disser a m –
Isso a gor a foi-se embor a de todo.
Qua ndo per guntei de que for ma a minha condiçã o poder ia a fecta r a
minha vida sexua l, r esponder a m-me – P a r ece impossível que você, com
um pr oblema tã o gr a ve, esteja pr eocupa do com essa s coisa s.
P or que nã o fa la m eles sobr e isso? Ser á por que nã o sa bem, ou ter ã o medo
de a lguma coisa ? É a minha vida sexua l.
O confronto com estes com entários, todos eles provenientes de jovens adultos com
tetraplegia ou paraplegia, sinalizaram, desde logo, a nossa ignorância sobre as
especificidades do aconselhamento/terapia sexual face a esta população. Num segundo
m om ento, constatám os estar perante um a área que, em Portugal, configura um vazio
apreciável, quer ao nível da avaliação quer da intervenção sexológicas.
Os territórios da psicologia associados à saúde física rem etem -nos para o cam po da
Psicologia da Saúde que, genericam ente, agrega todas as contribuições da psicologia para
a prom oção e manutenção da saúde, bem com o para a prevenção e tratam ento da doença.
Porque a saúde tam bém é saúde sexual, podem os dizer que a presente investigação se
inscreve na interface da Psicologia da Saúde com a Sexologia, perspectivando um a
abordagem holística da doença, aqui focalizada sobre a dim ensão sexual que, de resto,
representa um a área paradigm ática daquilo que se entende por biopsicossocial.
Em bora os quadros de LVM afectem predom inantem ente os indivíduos do sexo
m asculino, numa proporção de aproxim adam ente 80:20, ainda assim existe um número
Intr oduçã o 3
lim itações sexuais. Contudo, este trabalho é exclusivamente sobre a sexualidade
m asculina. Im porta salientar que quando planeám os esta investigação tencionávam os
contrariar aquilo que constitui um a evidência – m uito raramente a sexualidade fem inina
pós-LVM tem sido estudada. Quando, após oito m eses de trabalho de cam po, verificám os
que apenas tínham os oito participantes do sexo fem inino, concluím os que a inclusão das
m ulheres iria tornar o trabalho inexequível no espaço de tem po q ue nos propúnham os
cum prir. Não tem os, no entanto, qualquer dúvida de que esta opção em pobrece
significativam ente este estudo.
Apesar da literatura em pírica no âm bito da sexualidade pós -LVM ser relativamente
extensa, constata-se que frequentem ente são encontrados resultados inconclusivos e até
contraditórios, registando-se igualm ente lacunas consideráveis no conhecim ento dos
factores psicológicos susceptíveis de influenciarem a readaptação sexual.
Sendo o corpo, designadamente o corpo alterado, o núcleo ce ntral deste trabalho,
socorrem o-nos, na revisão bibliográfica efectuada, de diferentes patam ares discursivos –
biom édico, construcionism o social e narrativa pessoal. A visão biom édica do corpo, da
sexualidade e das alterações a estes dois níveis, preocupa -se em delim itar as fronteiras
entre o funcional e o disfuncional, procurando restabelecer ou potencializar a
funcionalidade. Por sua vez, o construcionism o social ergue -se em torno das
representações sociais, as quais constituem sistemas de interpretação d o real, totalidades
significantes que articulam instâncias psicológicas e sociais dos indivíduos e grupos
(Vala, 1983). Enquanto para a perspectiva construcionista não existe uma realidade
4 Sexua lida de Ma sculina P ós -Lesã o Ver tebr o-Medula r
m odelo da narrativa pessoal o foco é a m ultiplicidade dos auto -relatos e a diversidade dos
significados (Polkinghorne, 1995).
No que concerne à organização deste trabalho, com eçám os por realizar um a revisão
da literatura, a qual é desenvolvida ao longo de cinco capítulos. Assim , no Capítulo 1
aborda-se o corpo enquanto realidade m ultidim ensional, procurando -se com preender de
que forma é que este tem sido agente e alvo de sucessivas transformações. No Capítulo 2,
assum e protagonism o o corpo alterado, discutindo-se o passado e o presente das
percepções sociais da deficiência, a progressiva valorização da ideia de reabilitação e a
crescente visibilidade dos m ovim entos de identificação colectiva. Concom itantemente, é
tam bém documentada a evolução das term inologias e conceptualizações definidas pela
Organização M undial de Saúde. O Capítulo 3 contem pla um a caracterização m édica da
LVM , discutindo-se, depois, o ajustam ento psicológico a este quadro clínico. O Capítulo
4 assenta sobre o triângulo género-sexualidade-deficiência, assum indo relevo as relações
entre estes três vectores. Por fim , no Capítulo 5 começam os por abordar o ciclo de
resposta sexual m asculina para, posteriormente, nos determ os nas im plicações que este
tipo de lesão acarreta ao nível das várias dim ensões da sexualidade dos hom ens.
A segunda parte deste trabalho destina -se à exposição dos aspectos m etodológicos,
descrevendo-se, sucessivamente, o tipo de estudo, os objectivos e questões de
investigação, os participantes, as variáveis em estudo, os instrum entos utilizados, o
procedim ento e o tratamento estatístico efectuado.
A terceira parte com preende a análise e discussão dos resultados.
Finalm ente, na quarta parte do trabalho, são sistem atizadas as conclusões, fazendo -
I
I
R
Capítulo 1
DISCURSO S SO BRE O CORPO
Na m atriz da existênc ia hum ana, perm anentem ente m ultiplicada em ciclos de vida
e m orte, o corpo revela-se enquanto realida de m ultidim ensional, onde se inscrevem e
articulam m ecanism os b iológic os, psic ológicos e socio-cultura is.
Reflectir sobre o corpo é desde logo reflectir sobre a dificuldade em
conceptua lizar algo que, na opinião de Le Breton (1990), se alicerça num a dim ensão
im possíve l de apreender. Segundo Guibentif (1991), o corpo é um a realidade de
“carácter indiscutível” (p. 79), de tal forma que a palavra cor p o não enc ontra
concorrência com outras, que teriam deixado na língua as m arcas de debate s ocorridos.
Ainda de acordo com este autor, o corpo é um a realidade que concebem os
necessariam ente em concreto, isto é, relacionada com alguém . Quando ocorre um
afastam ento desta entida de objectiva – pessoa titular da vida de um corpo – em erge um
discurso, enraizado na m edicina, construído para falar do corpo em abstracto,
substituindo-se o term o cor p o, por or ga n ismo. A palavra or g a n ismo possibilitaria
abstrair o corpo da pessoa.
A constatação da intangibilidade do significado do corpo no seu todo orientou -se
8 Sexua lida de M a sculina P ós -Lesã o Ver tebr o-M edula r
construção/reconstrução pelos discursos provenientes da s várias a bordage ns (Shilling,
1993).
Desde m uito cedo, o corpo, através de linguagens progressivam ente m ais
com plexas, m anifesta-se enquanto núcleo central de toda a c om unicação, persistindo
com o form a privilegiada de inter-relação.
Concom itantem ente com a socialização do corpo, que atravessa toda a existênc ia,
o sujeito vai escrevendo a história do seu corpo sobre o tecido social.
Na actualidade, de e ntre os m últiplos pa tam ares discursivos sobre o corpo,
destacam -se a perspectiva biom édica e a perspectiva construcionista, a últim a das qua is
vai progressivam ente desafiando o dom ínio da prim eira (Seym our, 1998; Turner, 1991;
Yardley, 1997), “trazendo a sociedade para dentro do corpo” (Shilling, 1993, p. 71).
As aborda gens construcionistas de stacam o papel das forças sociais sobre o corpo,
criticando um a focalização exagerada sobre o corpo vivido, exercida pela s aborda gens
biom édicas. N o enta nto, este dua lism o conceptual, que distorce o c orpo de acordo com
as bases epistem ológicas em que cada posição se funda, tem gerado um a espécie de
terceira via inte gradora, que apela à necessidade de construir pontes (Shilling, 1993) e
de estabelecer sínte ses (Turner, 1992).
De acordo com Seym our (1998), am bas as perspec tiva s carecem de um
com prom isso com a encor p or a çã o1 - na m edida em que o indivíduo não só tem um
cor po, com o tam bém é um cor p o que está activam ente e nvolvido no seu
desenvolvim ento ao longo da vida. Apena s o conceito de encorporação perm ite
1
D iscur sos sobr e o C or po 9
reconciliar am bas as posições, concebendo a corporalidade com o um a realidade
fenom enológica interactuante com os factores de ordem soc ial e cultural.
Para perceberm os este ponto de chegada tem os, contudo, de socorrer -nos do
passado, tentando c om preender de que form a o corpo te m sido agente e alvo de
sucessivas transform ações.
Perseguindo os contextos socio-cultura is encontram os desde logo um a concepção
pagã em que o corpo é venerado na sua dim ensão de objecto de procriação, assum indo o
nu um registo sagrado. O c orpo fem inino ap resenta-se encarcerado em tabus, em grande
m edida associados a cerim ónias pa gãs em que o de snudar do corpo exa ltava a
fecundidade das terras. Consequentem ente, tocar num a m ulher era atentar contra o
processo da vida, sendo os delitos corporais se veram ente punidos. Dura nte o período
greco-rom ano, o únic o m om ento em que o hom em podia aspirar a entrever um pouco da
nudez, nunca integral, da sua am ada, era quando a lua ilum inava a obscuridade
requerida.
Restringido à esfera priva da, o prazer era em grande parte sublim ado no dom ínio
público, sob a form a de espectáculos diversos – corrida s de carros no Circo, com bates
de gladiadores na arena e teatro, todos geravam um a autêntica paixão colectiva,
m odelada pelo suspe nse, pela crueldade e pela lascívia.
O corpo grego era radicalm ente idealizado, devendo ser constantem ente tre inado,
produzido em função do seu a prim oram ento, o que significa que constituía um artifíc io
construído numa civilização, por vezes chamada “ ‘civilização da vergonha’ por
10 Sexua lida de M a sculina P ós -Lesã o Ver tebr o-M edula r
Tucherm an, 1999, p. 36). Para além da com pone nte puram ente esté tica, o corpo
m odelado pelo exercício e pela m editação traduzia igua lm ente a m oral vigente,
fortem ente associada ao conceito de cidadão. O Cristianism o, por sua vez, proporá um a
m oral m ediada por um Deus perfeito, que criou o hom em à sua im agem . No entanto,
apesar da ‘irmandade em Cristo’, o homem, porque é humano, é vulnerável ao pecado,
tornando-se, deste m odo, im perfeito. O corpo pecam inoso necessita de ser guiado pelo
pastor (responsáve l pelo conjunto do rebanho e por cada um a das ovelhas), sobressaindo
da concepção dualista corpo/alm a um corpo -para-a-m orte e um corpo que ressuscitará,
devendo os cristã os, guia dos pe los seus pastores, inve stir no aperfeiçoam ento da alm a,
uma vez que o corpo representa a sede dos pecados ‘da carne’ (Tucherman, 1999). Por
outras palavras, durante a existê ncia terrena, o hom em deve tentar superar a
im perfeição, para que possa regressar à perfeição quando m orre (Stone, 1995).
A própria noção de sofrim ento físico será alvo de um a grande transform ação – na
‘civilização da vergonha’, os homens e as mulheres podiam aprender a viver com ele,
mas não o procuravam; na ‘civilização da culpa’, os princípios do Cristianism o
conferiram à dor corpora l um significado e spiritua l, tendo por paradigm a o sofrim ento e
a m orte de Cristo.
Enquanto na época pagã o corpo pertencia à cidade onde residia a sua identida de,
na época cristã o corpo – concebido à sem elhança do Senhor, tornando-se cristão
através de um processo que se inicia com o baptism o e devendo estar sem pre apto a ser
posto à prova – é vivido individua lm ente, aprese ntando-se “indissociavelmente ligado a
D iscur sos sobr e o C or po 11
cuja vinculação com a primeira exigia a renúncia ao próprio de cada corpo”
(Tucherm an, 1999, p. 58).
Relativam ente ao nu, ao passo que no m undo pagão este se reduzia ao leito
conjugal, o nu cristão revela va um sentido com ple tam ente diferente. Até ao início do
século VIII, hom ens e m ulheres eram baptizados nus, nas pisc inas anexas às catedrais,
durante a noite de sába do santo. Tal com o A dão e Eva no m om ento da Criação, eles
abandona vam a água libertos do pecado e ressuscitados para a vida eterna, sendo a
nudez a afirm ação da sua condição de criaturas boas m as depe ndente s de Deus (Rouc he,
1989). Por c onse guinte, a representação cristã do nu rem etia para um ser criado,
enquanto a representação pagã rem etia para um ser procriador.
Posteriorm ente, o desa parecim ento do baptism o por im ersão isolou o sim bolism o
pagão, conferindo à nudez um significado crescentem ente libidinoso, que era urgente
controlar, ou seja, vestir. Assim , o objec to de adoração pa ssava a ser o c orpo vestido,
m as tam bém cuidado, saudável e esbelto.
De resto, já na Antiguidade encontrávamos um código moral dos “bem nascidos”
(Brown, 1989, p. 232), herdado da filosofia grega e do saber m edicinal, segundo o qual
o corpo era considerado c om o o indicador m ais visível e m ais sensível do
com portam ento correcto. E ste, claro, seria alcançado através do controlo harm onizado
do corpo, m ediante os m étodos tradicionais gregos de exercício físico, regim e alim entar
12 Sexua lida de M a sculina P ós -Lesã o Ver tebr o-M edula r
Regressando à adoração pagã do corpo, observam os um a coex istência do bem e
do m al, estando este últim o associa do ao m edo, designadam ente sob a form a do corpo
doente.
Em bora a luta com a doença se enc ontre durante vários séculos de m ãos dadas
com o poder da força divina, a ciência m édica im põe progressivam ente o seu saber,
contribuindo para um crescente processo de cisão entre o Suje ito e o Corpo. Segundo Le
Breton (1990), nas raízes de sta distinção encontram os o nascim ento do vocabulário
anatom o-fisiológico, assistindo-se progressivam ente a um gradual controlo m é dico
sobre a condição hum ana, exercido através de um a racionalização do corpo, que é
fracturante com a condição sagrada em que o corpo se alicerçava.
O final da Idade Média iria marcar o momento em que “as causas milagrosas
cedem face às causalidade s físic as num m undo onde tudo passa a ser percebido sob o
modelo do mecanismo” (Le Breton, 1990). Obviamente que este processo de confronto
entre as concepções religiosa s e as concepções científicas não é linear, m as sim povoado
por guerras de poder(es), traduzidas em avanços e recuos.
A estruturação, neste período histórico já perfeitam ente enraizada, de um a
concepção dualista em que a alm a transparece através do habitáculo corporal que a
contém , potencia liza a perigosidade do corpo. Este é o lugar das tentaçõe s e a fonte das
pulsões incontroláve is; neste se m anifesta a m alignidade, seja pela corrupção seja pela
doença; sobre este se exercem os castigos expiadore s do pecado.
Pouchelle (1983, citado por Duby, 1990), ao debruçar -se sobre um trata do de
D iscur sos sobr e o C or po 13
do corpo, num a dim ensã o interior e noutra exterior, que rem etem para os dois pólos da
intriga rom anesca – a corte e a floresta. Deste m odo, o corpo/corte dos séculos XI -XII
reenviaria para um a casa com plexa nas suas m últiplas divisões e hierarquizada num
espaço nobre e num espaço de serviço, ilustrando sim bolicam ente a separação social
entre a classe trabalha dora e as dem ais. Em term os anatóm icos e sta barreira
corresponderia ao diafragm a . Este órgão isolaria a parte inferior do corpo,
estruturalm ente ple beia, rude, lugar das evacuações que repelem tudo o que é supérfluo
e nocivo, da parte superior onde residiriam as funções m ais eleva das – saber e força.
Nesta m etáfora habitacional, M ondeville identifica a existência de um ‘forno’ em cada
um a das partes, destinando-se o inferior à digestão dos hum ores nutritivos, representado
pelo gra nde e lento fogo de cozinha onde se c onfeccionam os alim entos cam pesinos,
enquanto o superior se relacionava com a libertação do espírito através da destilação dos
hum ores, associando-se, por sua vez, aos braseiros que ilum inavam as z onas nobre s da
casa (Duby, 1990).
O corpo/floresta seria tudo aquilo que estaria no exterior e de onde provinham
todos os perigos. Todas as portas de entrada na forta leza corporal tinham de ser
rigorosam ente vigiadas na m edida em que, se por um lado constituíam o acesso à
descoberta do m undo, por outro tam bém eram as vias de penetração do pecado.
Esta m oral corporal era ainda m ais e xacerbada qua ndo do corpo fem inino se
tratava. Encontram os m esm o aquilo a que poderíam os c ham ar um a dupla clausura. Para
além das m uralhas que encerram a sua corporalidade, a m ulher deve confinar -se, tanto
quanto possível, ao espaço dom éstico. O seu corpo, m ais perm eável a ser corrom pido
14 Sexua lida de M a sculina P ós -Lesã o Ver tebr o-M edula r
pela própria parecem ser insuficientes. A o hom em cabe exercer o seu poder sobre a
m ulher, garantindo o seu retiro e controla ndo -lhe as form as de pudor, designadam ente
através do vestuário. M as ao m esm o tem po deve salvaguardar a sua honra, inibindo
qualquer resquício de desejo orie ntado para a sua m ulher ou filha – o hom em tem de
conseguir evitar as suas próprias tentaçõe s. Pelo corpo fem inino a rrisca-se a perder a
sua dignidade e por ele se arrisca tam bém a ser desviado. Acerca da form a com o a
mulher é percepcionada, Solé (1976, citado por Bechtel, 1998) fala do “mito clerical da
lascívia feminina” (p. 53). A mulher representa um perigo, quer material quer espiritual,
constantem ente pronta para enganar, corrom per, tentar – num a palavra, am eaçar o
hom em . Perante este quadro, só há um a solução - “fugir dela, afastarmo-nos dela a
qualquer preço. No m áxim o ela é suportáve l enquanto virgem , ou freira, ou entã o m uito
casta, com o m ulher subm issa, silenciosa, consa grando -se aos filhos e sa indo pouco de
casa. Esta discrição é a única porta de solução. Nos outros casos todos: perigo”
(Bechtel, 1998, p. 54). Alicerçado num a ideologia eclesiástica que fom enta o tem or ao
corpo, não estranhem os, pois, que todo este cenário tenha resultado num ideal de
ascetism o corporal.
Segundo Bernos, Lécriva in, Roncière e Guynon (1985), esta onda ascética atingia
tal extrem ism o que o próprio casam ento era depreciado, quer pel a Igreja quer m esm o à
m argem desta. Os autores ilustram esta concepção c itando Santo A gostinho - “Na nossa
época é m elhor, de todos os pontos de vista, e m ais sa nto, nã o se proc urar a
descendência carnal, perm anecer livre a título perpétuo de toda a ligaçã o c onjugal e
D iscur sos sobr e o C or po 15
O monasticismo, a que Bernos et al. (1985) se referem como “o triunfo dos
homens de negro” (p. 73), representará durante m uito tempo o ideal da espiritualidade.
O jejum diurno total, apenas quebra do por um a parca ração à noite, a análise pessoal,
sem pre em suspeita de si m esm o, e a troca de im pressõe s com um m estre espiritual,
cujo papel é facilitar a auto-revelação, constituíam os três m eios que os m onges
colocaram ao serviço da sua espiritua lida de. A tradição m onástica, form atada no de serto
do Egipto, rapidam ente conquistou um público m ais va sto, fazendo com que os
celibatários e m esm o os casados opta ssem pela ca stidade, em substituição da
continência até então vigente. Em algum as gerações, o exem plo m onástico invade
abertam ente o espírito cristão, facto que seria potencializado pela pene tração e tom ada
de poderes, por parte dos m onges, no aparelho da Igreja. Com o aum ento da rede de
influê ncias do m ona stic ism o, entre os século s IV e IX, o m odelo torna-se norm a, e as
proibições sexuais convivem de m ãos dadas com a s am eaças e as penitência s – os
tem pos eram , pois, de subm issão, e o prazer circunscrevia -se à função genita l.
No entanto, em bora o afastam ento corporal se ja a tonalida de dom inante,
encontram os dois aspectos que conferem algum protagonism o ao corpo – preoc upações
higié nicas e, em bora de form a m uito ténue, o em belezam ento corporal.
O espaço que os palácios da Alta Idade M édia reservavam aos banhos m antém -se
nos séculos XI e XII, fazendo com que, princ ipalm ente entre as classes altas, os
cuidados com a lim peza corpora l constituíssem um hábito, susceptível de conter as
seduções do corpo e, consequentem ente, alvo de suspeitas por parte dos m oralistas.
Não confundam os, contudo, o banho com as práticas higiénicas tal com o hoje as
16 Sexua lida de M a sculina P ós -Lesã o Ver tebr o-M edula r
visíveis do corpo – o rosto e as mãos. “Ser asseado, é cuidar de uma zona limitada da
pele, a que em erge do vestuário, a única que se oferece ao olhar” (Vigarello, 1988,
p. 177).
No banho ou na sauna, os prazeres da água acabam por se vulgarizar quer na
cidade quer no cam po – o ba nho quente com o sinal de hospita lidade, o banho
pré-nupcial do noivo com os seus com pa nheiros de juventude e o da noiva com as suas
am igas, o banho do final do dia dos vindim adores, o banho term al, o banho do cava leiro
errante e até o banho em pétalas de rosa do herói cortês.
À sem elhança do período Rom ano, os ba nhos públicos e as estufas exi ste ntes na
Idade M édia, não sendo locais de higiene, sã o espaços de se nsações difusas onde o
erotism o parece prevalecer sobre a lavagem . Progressivam ente, o corpo no banho
desperta ressonâncias a que o Renascim ento haveria de dar guarida.
Esta associação corpo-água, que revela um corpo m ais disponível para o prazer
dos sentidos, inspira tam bém um a te ntativa de reform a espiritual, m agnificam ente
ilustrada pelo poeta Thom as M urner em 1514, cita do por Braunstein (1990, p. 598):
“Então Deus, tendo piedade de nós / C omeço u a en sin a r -n os / C omo
devemos ba n ha r -n os / La va r -n os, p ur ifica r -no s, per der tod a a ver go nha /
Na for ça e pode r do Seu sa nto n ome / F ê - lo tã o p ub lica me nte / Q ue o
mund o in teir o o viu: / N ing uém p odia d izer , em ver d a de / Nem dizer , nem
queixa r se / D e o nã o ter sa b ido / C omo ca da um deve ba nha r se, pur ifica r
D iscur sos sobr e o C or po 17
ba ptismo r essusc ita . / P o r que D eu s dá - nos a Su a gr a ça / Q ue nen hum
peca do or ig ina l volte a esma g a r -no s / Isto fo i r ea liza do po r D eus tã o
a ber ta mente / que o mu ndo in teir o o viu: / F oi o pr ó pr io D e us que n os chamou para o banho, ao som da sua trombeta.”
No que c oncerne ao em belezam ento, em bora a regra fosse a re núncia a os va lores
da estética corporal, a beleza física em erg ia crescentem ente c om o atributo da identidade
pessoa l, passível de ser usada com o form a de afirm ação social. Enquanto a virilidade
m asculina lim itava os c uida dos do hom em à utilização do pente e da tesoura para os
cabelos e a barba, às abluções e, no m áxim o, à m assagem seguida de um a loção, já o
corpo fem inino possibilitava um cam po de acção bastante m ais a largado. Pintura s,
depila tórios, unguentos m am ilares, colorantes para o cabelo e a té pom ada s à base de
vidro em pó (que, aparentem ente, perm itiam sim ular a virginda de) (Braunstein, 1990),
perfilavam -se, desde logo, num a panóplia de produtos que viriam a constituir as raízes
de toda um a indústria da corporalida de que prospera nos dia s de hoje.
O vestuário, últim a fronte ira antes dos m istérios do corpo, continuava a
salvaguardar séculos de interditos m oralizados, sendo a nudez o últim o reduto da
vigilância cristã, que toda via tam bém se apresta a ser ultrapassado. Em 1493, D ürer
realiza aquele que é provavelm ente o prim eiro estudo do nu posando para a te la de um
pintor. Esta nova form a de com unicação entre o sujeito e a sua im agem , m ediada pelos
traços dos artistas, foi outro factor concorrente para a construção de um a nova
representação social da corporalidade dos finais da Idade M édia, represe ntando um a
18 Sexua lida de M a sculina P ós -Lesã o Ver tebr o-M edula r
Na opinião de Bernos et al. (1985, p. 122), “sob o impulso da grande ofensiva
reform adora que se abriu em m eados do século XI, graças tam bém às reflexões e
trabalhos canónicos e teológicos na scidos no pulular intelectual do século XII, e,
finalm ente, graças a um a m aior preocupação pastoral, a percepção da m oral em geral, e
a apresentação das faltas em particular, tornam -se m ais claras, mais racionais e m ais
adequadas à situação”. Progressivamente, o rum o a um a nova pastoral, m enos im ersa
por forças repressiva s e m ais adequada à vida privada, possibilita um a sexualidade m ais
saudável, em que os rem orsos deixam de ser um a constante. O rigor que m arcara a
Idade M édia, em bora não desaparecendo, torna -se m ais flexível, associando-se às
noções de pecado pessoal, de c ontrição e de perdão. Convenham os, no entanto, que
“não existe solução de continuidade entre a Idade Média agonizante e os princípios da
era m oderna. Os factos e a s m entalidade s brincam com as no ssas ca tegoria s. Do
Renascim ento à Idade das Luzes, encontrarem os, portanto, em prim eiro lugar, no
dom ínio daquilo a que cham am os sexualidade, as m esm as realidades que na Idade
M édia e talvez ainda m ais as m esm as ideias, esc oradas em São Paulo e nos padres da
Igreja, com Santo Agostinho em primeiro plano” (p. 161). Contudo, no decurso do
século XVI, com a Reforma e com o Concílio de Trento, “as Igrejas vão estabelecer por
um período de qua tro anos as grandes regras disciplinares, procedendo a partir do sécu lo
XVI e sobretudo do século XVII, a um rigoroso reordenamento” (p. 162).
Num a perspectiva globalizante, Ariè s (1990) enum era três factores decisivos na
construção de um a nova m entalidade – um Estado cada vez m ais interventivo e capaz de
im por ideais de justiça, o aparecim ento de novas form as de religião que se im plantam
D iscur sos sobr e o C or po 19
Lentam ente, im põe-se um a nova atitude perante o corpo. É um corpo m enos
m arcado pela subserviência, que cada vez m ais projecta o suje ito para fora de si próprio.
No entanto, esta exposição soc ial do corpo acarreta um a crescente necessidade de
controlo dos com portam entos, subm ete ndo-os às norm as da civilidade.
De acordo com Revel (1990), a história da c ivilida de encontra o se u tro nco
fundador na obra C ivilid a de P uer il de Erasm o, publicada pela prim eira vez em Basileia
em 1530. Este tratado didáctico, de inspiração hum anista, constituirá por longos anos o
m anual de referência para o inculcar de um código geral de soc iabilida de nas c rianças
que se pretendiam form adas de acordo com a norm atividade socia l vige nte.
Em bora nasc ido num berço hum anista, o m ode lo de civilidade rapidam ente
atravessa fronte iras, entrando na esfera das reform as protestantes, no seio das qua is o
problem a da educação das crianças revelava grande im portância.
Nos locais em que as ideias reform istas assum iram protagonism o, a aprendizagem
da civilidade desem penhou um pa pel preponderante, na m edida em que perm itiu atingir
um duplo objec tivo – disciplinar a s alm as a través dos constrangim entos exercidos sobre
as m anifestações do c orpo e enquadrar a colectivida de das crianças sob o m esm o
referencial norm ativo. Paralelam ente, não obstante a m atriz fam iliar constituir o núcleo
central de m odelação, à escola caberia disc iplinar os e nsinam entos dom ésticos,
padronizando-os. O sucesso deste prolongam ento atinge tais dim ensões que a partir do
últim o terço do século XVI deixa de estar circunscrito ao m undo da Reform a.
A aprendizagem do corpo fica inextricavelm ente associada a um a relação
20 Sexua lida de M a sculina P ós -Lesã o Ver tebr o-M edula r
exercerão com m aior rigidez os constrangim entos da civilidade (Foucault, 1975, citado
por Revel, 1990).
A própria sexualidade reflecte estas transform ações. Enquanto na I dade M édia a
confissão cristã que stionava o sexo nas suas práticas, o período reform ista direcciona o
discurso dos padres para o cam po das inte nções (Shilling, 1993). Com o argum enta
Foucault (1988, p. 34) - “Desde o século XVIII o sexo não cessou de provocar um a
espécie de erotismo discursivo generalizado… Desenfurnam-no e obrigam -no a um a
existência discursiva”. Numa linha de pensamento semelhante, também Pacheco (1998)
acrescenta que, desde esta época, o corpo foi investido de redobrada s atenções – “pelo
m enos o corpo fem inino tornou-se, na esfera sexual, um cam po onde proliferavam
discursos, eiva dos de am biguidade, onde se oscilava entre o erotism o e a sensualidade
extrem a e a im agem da m ulher desse xualizada, se exceptuarm os a função m aternal e
fam iliar que lhe é atribuída” (p. 268). Contudo, o autor defende que muitos destes
discursos apoiam -se em pressupostos parcial ou totalm ente falsos - “por um lado
aceitam acriticam ente que o corpo social fem inino se institui com o um indicador sério
do potencial sexual da m ulher quando, frequentem ente, os há bitos e a m oda obscurecem
essa correlação; por outro, aceitam pacificam ente a hipóte se de que quanto m aior for a
‘quantidade’ de corpo publicamente visível maior será o índice de ‘desinibição’ sexual
quando, m uitas vezes, essa exposição corporal não tem um a intencionalidade erótica ou
sexual específica” (p. 269).
Num a sociedade que perm anecia essencia lm ente rural, a terra -m ãe representava a
m oldura que circunscrevia os c iclos de vida – sa ía-se da terra pela conce pção,