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Conceito(s) de comunicação

Capítulo III Liderança e comunicação

1. Conceito(s) de comunicação

“Comunicar não é, simplesmente, dizer o que se pretende transmitir. O modo como se dizem as coisas é crucial, e difere de uma pessoal para outra, pois a linguagem usada é um comportamento social aprendido: o que dizemos e ouvimos é profundamente influenciado pela experiência cultural de cada um.” (Tannen, 1995: 138)

No âmbito da relação interpessoal, um dos objetos do presente capítulo, não se pretende estudar a comunicação de uma forma exaustiva, mas apenas considerar a “interação social através de mensagens” (Fiske, 1993: 15).

Atentemos no significado etimológico da palavra ‘comunicar’: esta deriva do latim

comunicare que significa ‘pôr em comum’, ‘entrar em relação com’; segundo Wong e

Law (2002, citados por Pereira, 2006: 37), “as organizações são instituições que requerem interação interpessoal”46.

É inevitável referir o papel da comunicação quando falamos em organizações. Na opinião de Bilhim (2008) as diferentes abordagens e aspetos desenvolvidos recentemente têm procurado demonstrar a importância que a comunicação organizacional tem vindo a assumir face ao cenário da globalização. Destacamos vários ângulos de análise como elementos para um conceito teórico de comunicação com um alicerce no seu significado etimológico: o biológico (comunicação enquanto impulsos nervosos), o pedagógico (troca de experiências entre pessoas, o que leva à modificação da disposição mental das partes envolvidas, permitindo a aprendizagem), o histórico (instrumento de equilíbrio entre a humanidade, neutralizando forças contraditórias, permitindo o resgate diacrónico imprescindível ao avanço do homem em direção ao futuro), o sociológico (mediação na interação social, pela transmissão de significados entre pessoas que usam o mesmo código) e o antropológico (veículo de transmissão de cultura e que enforma a bagagem cultural de cada indivíduo).47

Assumimos, na senda de Fiske (1993), que comunicar é central para a vida do ser humano e sua cultura; sem comunicação toda a cultura humana morreria, pelo que, estudar a comunicação, implica estudar a cultura na qual ela se integra. Entendendo-se genericamente por cultura, neste contexto, “todo aquele complexo que inclui o

46 Expressão e sublinhado do autor. 47

conhecimento, as crenças, a arte, a moral, a lei, os costumes e todos os outros hábitos e capacidades adquiridos pelo homem como membro da sociedade.”48

Ao operacionalizar o conceito de ‘comunicação’, atentemos em duas das suas principais escolas. A primeira encara a “comunicação como transmissão de mensagens. Estuda o modo como os transmissores e os recetores as codificam e descodificam, o modo como os transmissores usam os canais e os meios de comunicação” (Fiske, 1993: 14). Esta escola concebe a “comunicação como um processo pelo qual uma pessoa afeta o comportamento ou estado de espírito da outra” (Idem), pelo que aborda as questões da eficácia da comunicação, concebendo a mensagem como aquilo que é transmitido pelo processo de comunicação, e os códigos como meios para a codificar e descodificar. Esta escola aproxima-se das ciências sociais e debruça-se mais sobre os ‘atos de comunicação’: mensagem e intenção, independentemente dos meios utilizados.

Denominada por Fiske (1993) escola processual, apresenta uma abordagem de ‘senso comum’, funcional, que estimula a melhorar as técnicas de comunicação, visando a ação com mais eficácia no mundo que nos rodeia. Esta escola “vê a comunicação como determinante e o melhoramento da comunicação como uma maneira de aumentar o controlo social” (Idem: 251).

A segunda escola encara a “comunicação como uma produção e troca de significados. Estuda como as mensagens […] interagem com as pessoas de modo a produzir significados […]. Usa termos como significação […]” (Fiske, 1993: 14), concebendo a mensagem como uma construção de signos e significados, pelo que o principal método de estudo é a semiótica49, e os códigos como sistemas de significação. Esta escola aproxima- se da linguística e debruça-se mais sobre os ‘trabalhos da comunicação’: texto/ discurso, forma como é lido/ proferido, interpretação/ visão apresentada. Assim, a mensagem é concebida como algo que ultrapassa o seu conteúdo, é um elemento numa relação estruturada, cujos elementos incluem a realidade exterior e o produtor/leitor ou ouvinte. De sublinhar que esta escola não concetualiza o fracasso de comunicação e não se preocupa muito com questões de eficiência: se entre duas pessoas que comunicam ocorrer

48https://archive.org/stream/primitiveculture01tylouoft#page/10/mode/2up (consultada em 10 de julho de

2014)

49 Na moderna aceção, desenvolvida por Charles Sanders Pierce, a semiótica é a doutrina dos signos, tendo

por objeto o estudo da natureza, tipos e funções de signos. Devido aos desenvolvimentos das últimas décadas na linguística, filosofia da língua e semiótica, o estudo dos signos ganhou uma grande importância no âmbito da teoria da comunicação. Basicamente, um signo é qualquer elemento que seja utilizado para exprimir uma dada realidade física ou psicológica; nesta relação, o primeiro funciona como significante em relação à segunda, que é o significado (ou referente). (in http://www.univ-ab.pt/~bidarra/hyperscapes/ video-grafias-6.htm, consultado em 29 de junho de 1014)

um caso em que a significação de um é diferente da do outro, tal é indicador de diferenças culturais ou sociais entre as duas partes, e até de riqueza cultural, não sendo considerado como um fracasso da comunicação, pelo que, para melhorar a comunicação é necessário “aceitar a diversidade como estrutura fundamental dos sistemas sociais” (Sullivan, 1999: 421) e minimizar as diferenças sociais e culturais. (Fiske, 1993) “Por outras palavras, os fatores determinantes da comunicação residem na sociedade e no mundo que nos rodeia, e não no próprio processo” (Idem: 252) e sua eficácia.

Assim, esta escola interessa-se sobretudo pela criação e intercâmbio de significações e não pela transmissão de mensagens. Logo, a “ênfase não incide nas fases do processo, […] reside no papel da comunicação, no estabelecimento e manutenção de valores e na forma como esses valores permitem que a comunicação tenha significado” (Ibidem: 251). Somos, então, levados a refletir sobre ‘para que serve a comunicação’, tendo em atenção todas as suas componentes verbais e não-verbais, em que a linguagem é um dos sistemas de comunicação de que os humanos dispõem, e o mais conhecido. Assim, “a análise das funções da comunicação permite-nos […] pôr no foco das nossas atenções a dinâmica do processo comunicativo” (Bitti, 1997:58).

Bitti (1997) apresenta-nos um conjunto de cinco funções da comunicação que, conforme refere, não é exaustivo, nem definitivo, são elas: “de referencial ou representativa, de interpessoal ou expressiva, de verificação hétero e autorregulação, de coordenação das sequências interativas e de metacomunicação” (Idem:59). Estas funções não são estanques, ou seja, qualquer acontecimento comunicativo pode desempenhar mais de uma função em simultâneo, pelo que uma correta compreensão de um acontecimento comunicativo requer uma análise plurifuncional.

A função de referencial consiste na troca de informações entre os interlocutores, assim, para uma “troca comunicativa conseguida, […] evitando falsas interpretações, […] é importante que os interlocutores partilhem uma mesma estrutura semântica” (Ibidem:60), não apenas a nível do léxico e das expressões idiomáticas, como também a nível de aspetos não-verbais.

A função interpessoal ou expressiva sublinha que uma mensagem verbal é mais do que uma transmissão neutral de informações, pois coloca em evidência a relação social comunicativa entre quem fala e os seus interlocutores (Ibidem).

A função de verificação (hétero e autorregulação) da ‘comunicação’, também designada ‘instrumental’, está orientada para a consecução de determinado objetivo. (Ibidem) Trata- se de comunicar através de expressões verbais, tom de voz e ênfase, com o objetivo de

satisfazer necessidades pessoais ou alcançar objetivos de terceiros, como por exemplo duma organização, por intermédio de outras pessoas, (as pessoas que trabalham nessa organização). Segundo Siegman (1977, citado por Bitti, 1997) a função de autorregulação consiste na codificação do próprio discurso de modo a regular o comportamento do interlocutor, como também regulamos o próprio discurso para conservarmos a imagem que causamos nos outros.

Relativamente à função de coordenação das sequências interativas, para haver comunicação e não uma acumulação caótica e incompreensível de palavras e gestos, “é preciso que os interlocutores compartilhem regras para o uso dos símbolos” (Bitti, 1997: 71), bem como outros elementos do comportamento, como a alternância das falas, a etiqueta de cumprimentos, os olhares, os gestos e acenos de cabeça, que governam e subjazem a toda a comunicação interativa (Idem).

No que respeita à função de metacomunicação, há a considerar os dois aspetos da comunicação: “um, relativo ao ‘conteúdo’ da mensagem, e o outro, relativo ao modo como essa mensagem é transmitida e, portanto, à ‘relação’ entre os comunicantes. O aspeto relacional que constitui, precisamente, a comunicação sobre a comunicação, é uma metacomunicação” (Ibidem: 75). A metacomunicação realiza-se através de expressões verbais e expressões não-verbais. Metacomunicar implica, por um lado, ter noção que o próprio comportamento pode ser diferente do comportamento do outro, e por outro, colocar em evidência os aspetos relacionais próprios da relação de comunicação, ou seja, é necessário ter consciência do tipo de relação que existe entre os interlocutores, e se partilham o mesmo código de linguagem inteligível para descodificar a mensagem.

O êxito da comunicação consiste […] em saber pôr em discussão a mensagem, o código e as premissas, mudar de esquemas de referência em função dos contextos, analisar a relação signo- significado na sua própria linguagem e na do outro, comparar os códigos com base nos sistemas de valores próprios e alheios.

(Mizzau, 1974, citado por Bitti, 1997: 75) Segundo Parreira (1998) o homem é um sistema aberto em interação com outros sistemas abertos, cada um caracterizado por ser,

um sistema biopsicossocial de comportamentos, isto é, um sistema em que os comportamentos de relação com o meio apresentam complexas características de significação e conteúdo simbólico, apoiados numa linguagem em que coexistem elementos e normas lógicas com elementos e normas sócio-afetivas e emocionais. [...] [sendo] a comunicação […] a expressão da ligação entre os indivíduos e o seu meio.”

(Parreira, 1998: 22) Assim, para este estudo, apoiamo-nos em ambas as escolas identificadas, na linha de Gerbner e de Morley (citados por Fiske, 1993: 253) cujos trabalhos promovem a

aproximação das duas escolas, para chegarmos ao que entendemos por comunicação: “processo de transferência de informação através de um meio de comunicação qualquer, entre pessoas ou equipamentos, sem alteração ou quebra da sequência, estrutura ou conteúdo” (apdsi, 2011: 30), no âmbito da interação social ou “relação humana estruturada num determinado contexto” (Fiske, 1993: 16), o qual, tem subjacente a sua própria cultura e valores.