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II. ESTADO DE ARTE

2. QUALIDADE EM SAÚDE

2.1. CONCEITOS E PERSPECTIVAS EM QUALIDADE

As definições de qualidade têm sido muitas e na sua essência variam mediante a perspetiva e os aspetos que se pretende valorizar. Doentes e seus familiares, profissionais de saúde, decisores políticos e gestores adotam assim diferentes definições de qualidade em saúde o que para além de determinar diferentes abordagens para a medição e gestão da qualidade, condiciona o processo de adoção e implementação de uma verdadeira “cultura” de qualidade nos sistemas de saúde44,45.

A Qualidade em Saúde é segundo Palmer a “…produção de saúde e de satisfação para uma

população, com as limitações da tecnologia existente, os recursos disponíveis e as características dos utentes46”.

Algumas características diferenciam a qualidade em saúde da qualidade em outros setores, entre elas destacamos o fato de esta ser orientada para as necessidades, e não simplesmente para a procura; ser de caráter pró-ativo (para prevenir e dar resposta) e ser geralmente analisada em conjunto com outros atributos/componentes/dimensões dos cuidados de saúde, nomeadamente a efetividade, a eficiência, a aceitabilidade e a equidade47.

Em 1990 o Institute of Medicine – IOM4, afirma que o seu “principal objetivo deve ser tornar os cuidados de saúde mais eficazes com a melhoria do estado de saúde e de satisfação da população, através dos recursos que a sociedade e os indivíduos decidirem gastar para esses mesmos cuidados” mas, passados alguns anos estes mesmos autores concluíram que o conceito “qualidade dos cuidados” por eles apresentado, não estava claramente definido e decidiram então analisar mais de 100 definições e parâmetros de qualidade dos cuidados, considerando para tal a presença ou ausência de 18 dimensões. Foi a utilização destas dimensões que possibilitou operacionalizar o conceito de qualidade em saúde (que por vezes é amplo e abstrato) e tornou possível a sua medição e avaliação.

A definição de qualidade em saúde que adotamos neste projeto (“a forma como os serviços de saúde, com o atual nível de conhecimentos, aumentam a possibilidade de obter os resultados desejados e diminuem a possibilidade de obter resultados indesejáveis”)4,48 e que atualmente é adotada por diversas organizações, tais como o United States Department of Health and

Human Services, a Joint Commission on Accreditation of Healthcare Organizations (JCAHO) e o National Committee for Quality Assurance é de facto baseada em 8 destas 18 dimensões49. No quadro 3 apresentamos algumas definições de qualidade e respetivos atributos ou dimensões. O quadro 4 pormenoriza estas dimensões nas competências nucleares da MGF42 (base do SNS). Neste quadro podemos identificar várias dimensões / atributos da qualidade nas 11 aptidões e seis competências nucleares de um Médico de Família.

Quadro 3 - Definições e atributos da Qualidade de acordo com alguns autores e/ou instituições INSTITUIÇÃO/

AUTOR DEFINIÇÃO ATRIBUTOS/ DIMENSÕES

Donabedian, 1980

“O tipo de prestação de cuidados em que se espera a maximização do bem-estar do doente, depois de o mesmo ter em consideração o balanço entre os ganhos e as perdas esperados nas várias fases do processo de prestação de cuidados” Qualidade Técnico-Científica; Acessibilidade e Disponibilidade; Relações Interpessoais; Continuidade Associação Médica Americana, 1984

“É o cuidado que consistentemente contribui para a melhoria e manutenção da qualidade e/ou duração de vida”

Promoção da Saúde; Prevenção da Doença

Donabedian, 1990

“O tipo de prestação de cuidados em que se espera a maximização do bem-estar do doente, depois de o mesmo ter em consideração o balanço entre os ganhos e as perdas esperados nas várias fases do processo de prestação de cuidados”

Eficácia, Efetividade, Eficiência, Otimização, Aceitabilidade, Legitimidade e Equidade

Conselho da Europa, 1998

“Grau em que o tratamento dispensado aumenta a probabilidade do paciente conseguir os resultados desejados e diminui a probabilidade de resultados indesejados, tendo em conta os conhecimentos atuais”

Eficácia, Efetividade, Eficiência, Acesso, Segurança, Adequação, Aceitabilidade

Institute of Medicine (IOM),

2001

“O grau em que as organizações de saúde para indivíduos e populações aumentam a probabilidade de resultados desejados e são consistentes com o conhecimento profissional corrente” Efetividade, Eficiência, Segurança, Equidade, Oportunidade, Continuidade, Centralização no doente WONCA

“A qualidade a nível da MGF é um conjunto de atividades planeadas, baseadas na revisão e melhoria do desempenho clínico, com o objetivo de continuamente melhorar o nível de cuidados prestados aos doentes”47

Resultados, Centralização no doente

Quadro 4 – Aptidões, competências nucleares e atributos do MF

CARACTERÍSTICAS / APTIDÕES QUE DEFINEM A MGF DIMENSÃO/ ATRIBUTO 1. Gestão de cuidados primários

a) capacidade para gerir o contacto de primeira instância com os pacientes; Acessibilidade

b) coordenação dos cuidados prestados por outros profissionais de cuidados primários e

outros especialistas, levando a uma prestação de cuidados efetiva e apropriada, assumindo uma posição de advocacia do paciente, sempre que necessário.

Efetividade Continuidade

2. Cuidados centrados na pessoa

c) capacidade de adotar uma abordagem centrada na pessoa ao lidar com os pacientes e

seus problemas;

Centralização no doente

d) desenvolvimento e aplicação da técnica de consulta de Medicina Geral e Familiar por

forma a gerar uma relação médico-paciente efetiva;

Satisfação, Aceitabilidade e

Efetividade

e) prestação de cuidados longitudinais continuados conforme as necessidades do paciente. Continuidade e

Equidade

3. Aptidões específicas de resolução de problemas

f) utilização do processo específico de tomada de decisões em função da prevalência e da

incidência da doença na comunidade

Adequação Eficiência

g) abordagem de patologias que se podem apresentar de forma precoce e indiferenciada,

com intervenção urgente se necessário.

Oportunidade e Relevância

4. Abordagem abrangente

h) abordagem simultânea, tanto dos problemas agudos como dos problemas crónicos de

saúde do indivíduo;

Continuidade e Eficácia

i) promoção da saúde e do bem-estar através da aplicação adequada de estratégias de

promoção da saúde e de prevenção da doença

Oportunidade e Efetividade

CARACTERÍSTICAS / APTIDÕES QUE DEFINEM A MGF DIMENSÃO/ ATRIBUTO 5. Orientação comunitária

j) conjugação das necessidades de saúde dos pacientes individuais com as necessidades de

saúde da comunidade em que se inserem, em equilíbrio com os recursos disponíveis.

Efetividade e Centralização no

doente

6. Modelação holística

k) capacidade de usar um modelo biopsicossocial, levando em conta as dimensões cultural e

existencial.

Centralização no doente (Continuação) Quadro 4 - Aptidões, competências nucleares e atributos do MF

Falar de Qualidade, seus conceitos e perspetivas, avaliação e melhoria, sem abordar os históricos modelos de avaliação existentes é contraproducente e como tal faremos referência a pelo menos dois destes modelos - o modelo de Donabedian e o modelo de Maxwell, que apresentam em comum o facto de operacionalizarem a qualidade em saúde sob a forma de dimensões, possibilitando análises mais específicas e integradas, tal como já foi referido anteriormente.

Para Avedis Donabedian, cuidado de boa qualidade é aquele que proporciona ao doente o bem-estar máximo e mais completo, após ter sido considerado o equilíbrio previsto entre ganhos/benefícios e perdas/danos/prejuízo que acompanham o processo de cuidado em toda a sua extensão. Descrito na década de 60, o modelo de Donabedian está assente na tríada: estrutura, processo e resultados. A componente estrutura é caracterizada pelas instalações da organização, os equipamentos, os profissionais e recursos que estes têm disponíveis, os locais e o modelo de organização do trabalho. A componente processo refere-se ao conjunto de atividades de decisão diagnóstica, terapêutica e de ações preventivas. Os resultados referem- se aos níveis de saúde e aos custos associados e podem ser clínicos (mortalidade), ou económicos (custos), ou aqueles percecionados pelos doentes (avaliação da satisfação dos doentes)50. Apesar de atualmente o enfoque incidir mais na análise dos resultados – outcomes, no período entre a década de 1970 e a primeira metade dos anos 90 foram privilegiadas as abordagens centradas na avaliação dos aspetos relacionados com a estrutura e o processo. Estes três aspetos, muito embora com diferente preponderância ao longo do tempo, são interdependentes na medida em que a obtenção de um resultado menos expectável pode sinalizar problemas ao nível do processo e/ou estrutura.

O modelo multidimensional definido por Maxwell51 na década de 90 veio estruturar o conceito de qualidade em seis dimensões: a Efetividade (o efeito desejado e alcançado para uma determinada intervenção); a Eficiência (produzir os mesmos efeitos com menos recursos ou recorrendo a estes mesmos recursos maximizar os efeitos); a Aceitabilidade (ligada a questões de humanização dos cuidados de saúde e à relação doente/profissional de saúde, sendo relevante considerar a confidencialidade, opinião e expectativas dos doentes); a Acessibilidade (condições em que o acesso a cuidados de saúde é feito ou condicionado); a Equidade (para necessidades diferentes, existem respostas diferentes, tendo em conta a razoabilidade e a justiça nas opções tomadas e o conhecimento disponível); e a Relevância (em que medida determinada opção terapêutica é a mais adequada face ao contexto e à evidência conhecida). Este modelo permite avaliar a qualidade em saúde segundo duas perspetivas, uma específica, onde a qualidade é analisada a partir de uma das dimensões do conceito, outra global e integrada, se forem analisadas duas ou mais dimensões em conjunto52 (é esta perspetiva,

global e integrada, que adotamos na fase 1 do presente projeto – Avaliação da Cultura de Segurança dos Doentes nos CSP da RAM).

2.2. AVALIAÇÃO E MELHORIA DA QUALIDADE