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II. ESTADO DE ARTE

4. CULTURA DE SEGURANÇA NAS ORGANIZAÇÕES DE SAÚDE

Os termos cultura de segurança e clima de segurança são muitas vezes apresentados na literatura científica como sinónimos, contudo, existem significativas diferenças conceptuais entre eles. Apesar de não existir uma definição unívoca e aceite por todos para “clima de segurança”, este pode ser definido como um fenómeno temporal, uma perceção instantânea da cultura de segurança, que é relativamente instável e como tal, sujeita a alterações159. Enquanto o clima de segurança baseia-se no conjunto das atitudes dos profissionais nas organizações, a cultura de segurança, depreende as convicções e os significados subjacentes a essas atitudes, e como tal, é mais complexa, estável e duradoura.

Subjacente ao conceito Cultura de Segurança há partilha: do valor (intangível) da segurança entre membros da organização e dos resultados tangíveis desse valor compartilhado nas formas de comportamento e estrutura160.

As capacitações, condições do ambiente e adequação do número de profissionais, tendem a desencadear processos de melhorias coletivos e mudanças de atitudes duradouras por parte dos trabalhadores na prestação do cuidado. Estes pressupostos associados a uma cultura que reconhece que muitos erros individuais ou “ativos” representam interações previsíveis entre operadores humanos e os sistemas em que trabalham, são os elementos chave para uma cultura justa. As organizações que adotam esta cultura, funcionam na base da justiça e compreensão, contudo, não toleram a má conduta grosseira ou a adoção de comportamentos que acarretem riscos conhecidos para os doentes160.

As organizações de saúde influenciam e são influenciadas pelo meio social onde estão localizadas e pela cultura social e organizacional dos profissionais que nelas trabalham. Devido à socialização familiar, escolar e profissional, a que estes profissionais estão sujeitos, há uma estruturação das suas perceções e reações efetivas que influenciam a sua tomada de decisão e opções de ação.

Uma vez que até mesmo a perceção da ocorrência dos incidentes de segurança, por parte dos profissionais de saúde, varia de acordo com a cultura de segurança presente nos seus locais de trabalho, tanto a Organização Mundial da Saúde (OMS) como o Conselho da União Europeia recomendam a avaliação desta cultura como condição essencial para a introdução de mudanças nos comportamentos dos profissionais e nas organizações prestadoras de cuidados de saúde. Alguns autores revelam que numa organização com uma cultura de segurança positiva, os profissionais que a ela se dedicam, trabalham em prol dos doentes, conhecem os EA, antecipam e previnem a sua ocorrência e, caso tal não seja possível, sabem notificá-los, discuti-los, partilhá-los e aprender com eles5,161! O estudo de Najjar e colaboradores veio comprovar que os hospitais palestinianos com cultura de segurança mais positiva/robusta tinham menor taxa de eventos adversos162. A nível hospitalar, outros estudos mostraram também esta associação favorável entre cultura de segurança e alguns incidentes de segurança, tais como as úlceras por pressão163, a Doença Pulmonar Obstrutiva Crónica (DPOC)164 e as quedas165. Nos CSP esta relação não é tão conclusiva166.

Alguns autores na senda de Reason, identificam cinco fases de maturidade na cultura de segurança das organizações – Patológica (a falta de segurança é um problema causado pelos profissionais/funcionários), Reativa (ações corretivas são tomadas após a ocorrência de incidentes), Calculista/Burocrática (a segurança é gerida administrativamente e as melhorias são impostas), Proactiva (os profissionais tomam iniciativas para melhorar os procedimentos e os sistemas) e Participativa (a participação dos profissionais na promoção da segurança faz parte da organização)167, 168.

De acordo com Singer, Gaba, Geppert, Sinaiko, Howard e Park169 foram identificados sete componentes da CS em organizações de alta fiabilidade:

- Compromisso com a segurança ao mais elevado nível da organização, traduzido em valores, crenças e normas de comportamento, partilhados a todos os níveis; - Recursos necessários, incentivos e recompensas caso esse compromisso ocorra; - A segurança é uma prioridade, mesmo à custa da produção ou da eficiência; - Comunicação frequente e sincera entre profissionais, a todos os níveis da

organização;

- Atos inseguros são raros apesar dos elevados níveis de produção;

- Falar sobre os erros e incidentes, os quais devem ser notificados quando ocorrem; - São valorizadas a aprendizagem organizacional para a conceção de sistemas

seguros.

Para avaliar a cultura de segurança, estão descritas pelo menos três tipos de abordagens metodológicas11: a abordagem epidemiológica (que mede a cultura de segurança de uma forma quantitativa através de questionários), a abordagem sociológica (onde a cultura é avaliada qualitativamente no decurso de reuniões pluridisciplinares de consenso) e a abordagem socio-antropológica (que associa metodologias qualitativas e quantitativas). O conhecimento da diferença entre clima e cultura de segurança é fundamental na escolha de uma das abordagens supramencionadas11. A combinação destas metodologias, tal como foi realizado no Manchester Patient Safety Framework122 e no nosso estudo, revela-se útil sobretudo na validação dos resultados encontrados.

Pelo menos 13 instrumentos estão descritos na literatura para medição da cultura de segurança nos hospitais170. De entre estes destaco os mais utilizados: Hospital Survey on Patient

Safety Culture elaborado pela Agency of Healthcare Research and Quality (AHRQ) nos EUA no

ano 2004; o Safety Attitudes Questionnaires (SAQ) desenvolvido na universidade do Texas no ano 2000; o Safety Climate Survey (SCS) desenvolvido em Israel em 1980; o Patient Safety

Climate in Healthcare Organization desenvolvido nos EUA em 2003 e o The Manchester Patient Safety Framework (MaPSaF) elaborado pela universidade de Stanford em 2006171.

Nos CSP, o conhecimento na área da segurança dos doentes é relativamente recente e comparativamente com os cuidados hospitalares, muito mais escasso. A título de curiosidade, verificamos que o primeiro estudo a envolver um sistema de notificação nos CSP foi publicado em 1998 e envolveu a monitorização de incidentes de segurança entre 1993 e 1995113. A primeira revisão da literatura, desenvolvida com o objetivo de descrever estes incidentes, data de 2002126. Em 2003, Sandars e Esmail publicaram a segunda revisão da literatura, que para além de descrever os incidentes de segurança nos CSP, avança com estimativas da sua frequência127.

Ao longo do tempo foram surgindo instrumentos que possibilitam avaliar a cultura de segurança dos doentes172. Alguns exemplos incluem o SCOPE-PC173, o The Safety Attitudes

Questionnaire – Ambulatory Version (SAQ-AV)174,175,176, o Frankfurt Patient Safety Climate

Questionnaire for General Practices (FRaSiK)177 e o Medical Office Survey on Patient Safety

Culture (MOSOPSC)12.

De acordo com o projeto LINNAEEUS-PC10, dois instrumentos revelaram-se robustos na análise quantitativa da cultura de SD nos CSP europeus: a versão adaptada para os CSP do Manchester

Patient Safety Framework (MaPSAF)11 e o Medical Office Survey on Patient Safety Culture (MOSOPSC) da Agency for Healthcare Research and Quality (AHRQ)12.

O MOSOPSC surgiu nos EUA em 2007 e foi dispensado para uso dos profissionais de saúde em março 2009. Em 2013 é publicado um estudo onde se descreve a avaliação da cultura de segurança dos doentes nos CSP espanhóis através da aplicação da versão espanhola do MOSOPSC178 e em 2015 verifica-se a utilização deste instrumento no Iémen179.

O departamento da Qualidade da Direção Geral da Saúde (DGS) em parceria com a Associação Portuguesa para o Desenvolvimento Hospitalar (APDH), realizou a avaliação da cultura de SD (através da aplicação do Hospital Survey on Patient Safety Culture (HSPSC)) em sete hospitais portugueses180 e através da Norma 003/2015181, recomenda a avaliação desta cultura nos CSP através da aplicação do MOSOPSC

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A Região Autónoma da Madeira (RAM) não participou no projeto de avaliação da cultura de segurança dos doentes realizado pela DGS, mas o Instituto de Administração da Saúde e Assuntos Sociais da Região Autónoma da Madeira - IP-RAM (IA-SAÚDE), reconhecendo a pertinência da temática estabeleceu uma parceria com a doutoranda e através da circular normativa S 10 de Outubro de 2015182 (Anexo K) recomenda a todos os profissionais de saúde que exercem funções nos CS da RAM a avaliação da cultura de segurança dos doentes através do preenchimento do questionário MOSOPSC traduzido e adaptado à região pela doutoranda.