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CONCEITOS E PROCEDIMENTOS EMPREENDIDOS NA ANÁLISE

4. ANÁLISE DO DISCURSO

4.6. CONCEITOS E PROCEDIMENTOS EMPREENDIDOS NA ANÁLISE

Os discursos dos sujeitos da pesquisa, coordenadores e professores de três escolas públicas distintas, foram analisados em dois contextos diversos e, por conseguinte, dois gêneros diversos. Um primeiro, durante as reuniões coletivas, nas quais as falas dos

educadores não foram gravadas e transcritas12, mas registradas em tempo real e

posteriormente interpretadas pela pesquisadora. Um segundo, baseado no discurso escrito dos educadores em resposta a um questionário formulado com uma dupla intenção: obter informações sobre os projetos interdisciplinares da escola e, principalmente, obter fragmentos

discursivos que pudessem revelar sobre concepções e estratégias discursivas utilizadas para tratar do assunto ou, como nos diz Orlandi (1987, p. 26), revelar “efeito de sentidos entre interlocutores”.

Os discursos proferidos no contexto das reuniões coletivas possuem regularidades comuns a esse tipo de reunião, constituindo-se, portanto, num gênero diverso dos discursos proferidos em resposta aos questionários. O roteiro dessas reuniões, diferentemente do questionário escrito, não foi organizado pela pesquisadora, mas apenas acompanhado. Essa condição não garantia, portanto, resposta direta às suas indagações, somente a verificação de como aconteciam essas reuniões, que assuntos eram discutidos e de que forma.

Os questionários respondidos pelos educadores, por sua vez, enquadram-se como um gênero secundário, ou complexo, considerando se tratar de produção escrita sujeita à maior elaboração dos informantes e, por conseguinte, um maior cuidado com a divulgação das informações e com a própria organização textual. A resposta ao questionário estava condicionada à idéia de um interlocutor determinado, representante de uma universidade, o que, ideologicamente, aumenta a responsabilidade sobre o dizer. Para Bakthin (2003, p. 146):

Naturalmente, há diferenças essenciais entre a recepção ativa da enunciação de outrem e sua transmissão no interior de um contexto. É conveniente levar isso em conta. Toda transmissão, particularmente sob forma escrita, tem seu fim específico: narrativa, processos legais, polêmica científica, etc. Além disso, a transmissão leva em conta uma terceira pessoa – a pessoa a quem estão sendo transmitidas as enunciações citadas. Essa orientação para uma terceira pessoa é de primordial importância: ela reforça a influência das forças sociais organizadas sobre o modo de apreensão do discurso.

Como disse Bakhtin, a orientação para uma terceira pessoa “reforça a influência das forças sociais organizadas sobre o modo de apreensão do discurso”. Nesse sentido, não há garantias sobre como um enunciado será recebido e quais imagens essa terceira pessoa fará sobre o locutor. Enquanto num processo oral existe a possibilidade de réplica em tempo real; na escrita, o interlocutor recebe o discurso pronto sem interferir diretamente sobre ele, mas apenas ideologicamente, a partir da interpretação.

Os informantes sabiam que a pesquisa tinha um caráter acadêmico e, por conseguinte, que a pesquisadora representava uma espécie de poder institucional delegado à Universidade. Nesse contexto, a imagem da pessoa do pesquisador, imbuída do status da Universidade,

pode ter despertado sentimentos diversos nos informantes, dentre os quais se destaca a

insegurança: o interlocutor pode ser considerado um “curioso”, dono de uma “verdade

teórica”, que pretende esmiuçar as inconsistências da prática pedagógica. Essa mesma insegurança pode, nos termos de Foucault (2005), ser um mecanismo de exclusão, pois determinará o que pode ou deve ser dito. Afinal, a materialidade discursiva pode revelar subjetividades e ser alvo de considerações que às vezes não agradam aos locutores.

Essas considerações nos remetem ao conceito de “formação ideológica” desenvolvido por Althusser e incorporado por Pêcheux: não é possível desvincular a materialidade discursiva das imagens sociais atribuídas aos sujeitos. O sujeito em interação com o mundo capitalista em que vive está condicionado às imagens atribuídas socialmente aos diversos papéis ocupados em uma sociedade de classes. Este condicionamento, no entanto, não é o único fator responsável pela cristalização de uma imagem, pois entra em cena, também, a subjetividade, relacionada às características pessoais do sujeito. O pesquisador universitário, assim como reflete uma imagem vinculada à instituição da qual faz parte, também reflete uma imagem particular vinculada ao seu caráter pessoal, que pressupõe a simplicidade, a tentativa de estabelecer laços de confiança e o real interesse pelo objeto de pesquisa.

Além da análise dos discursos orais situados no contexto da reunião coletiva, optou-se pela organização de um corpus escrito, considerando-se que este não era menos favorável à análise do discurso do que discursos extraídos da oralidade. Assim como os textos orais, os textos escritos devem ser analisados, considerando-se o seu contexto de produção. Respeitando-se esse contexto, a análise do discurso será tão rica em um quanto em outro tipo de texto. Para Mangueneau (1997, p. 46), inclusive, a oralidade não deixa de estar presente no texto escrito:

Na realidade, mesmo os corpus escritos não constituem uma oralidade enfraquecida, mas algo dotado de uma “voz”. Embora o texto seja escrito, ele é sustentado por uma voz específica: “a oralidade não é o falado”, como lembra H. Meschonnic, que preconiza “a integração do discurso ao corpo e à voz, bem como a do corpo e da voz ao discurso.

Nessa “voz” captada no discurso dos coordenadores e professores, pretende-se justamente destacar:

- o dialogismo - princípio que governa a linguagem numa concepção sociointeracionista, pois o discurso encaminha-se a um interlocutor conhecido e, de certa forma, além de dialogar com as diversas vozes que o precederam, dialoga com esse interlocutor; Segundo Brandão (2003, p. 25), “na concepção bakhtiniana, o outro é ainda o outro discurso ou os outros discursos que atravessam toda fala numa relação interdiscursiva.”

- a polifonia – diversas vozes que atravessam o discurso. Nesta pesquisa, entrelaçada à voz dos informantes estarão outras vozes vinculadas aos discursos sobre interdisciplinaridade divulgados em textos acadêmicos, em simpósios e congressos sobre educação, em cursos de capacitação, bem como em encontros coletivos no ambiente escolar.

Pretende-se trabalhar também com os conceitos de identidade e alteridade. O discurso possui uma autoria, uma materialidade vinculada a um locutor específico, dotado de subjetividade, entretanto, nem sempre está nele a origem do enunciado. A identidade discursiva é perpassada pela noção de alteridade: o discurso sobre a interdisciplinaridade proferido pelos educadores está fundamentado também em outras experiências discursivas vinculadas a discursos do senso comum e a discursos acadêmicos incorporados ao dizer e à imagem sobre o interlocutor e suas intenções.

Não se espera uma “homogeneidade” nesses discursos, pois o tema interdisciplinaridade é em si polissêmico, como já constatamos nos dois primeiros capítulos desta tese. Esperamos, no entanto, identificar conceitos e práticas interdisciplinares difundidas por meio desses discursos, buscando, identificar também os educadores envolvidos nessas experiências pedagógicas.

Relacionados aos conceitos de dialogia, polifonia, identidade e alteridade estão também os processos de paráfrase e polissemia explicitados por Orlandi (1987, p. 28). A paráfrase consiste num retorno constante ao dizer já sedimentado, enquanto a polissemia é a garantia de rompimento com o já-dito. Nesses dois processos, segundo a autora, está “a tensão básica do discurso entre o texto e o contexto histórico-social: o conflito entre o ‘mesmo’ e o ‘diferente’, entre a paráfrase e a polissemia”.

O discurso, portanto, informa mais do que supõem seus informantes, “o que é dito em outro lugar também significa nas ‘nossas’ palavras. O sujeito diz, pensa que sabe o que diz,

mas não tem acesso ou controle sobre o modo pelo qual os sentidos se constituem nele” (ORLANDI, 2003, p. 32).

Orlandi (2003, p. 35) também retoma os chamados esquecimentos apresentados por Pêcheux, no livro Semântica e Discurso. O esquecimento número 1 resulta do modo pelo qual somos afetados pela ideologia e, por conta dele, temos a ilusão de ser a origem do que dizemos, quando apenas retomamos sentidos preexistentes. O esquecimento número 2 é da ordem da enunciação, pois pensamos que o que dizemos só pode ser dito com aquelas palavras e não outras. Tanto os mecanismos de paráfrase e polissemia quanto as formas de esquecimento estão relacionados à heterogeneidade discursiva e à polifonia inerentes ao discurso.

Perceber, sob e nas informações aparentes, os demais processos envolvidos na produção discursiva é uma das tarefas daqueles que se propõem a analisar o discurso. Tarefa bastante complexa nesta pesquisa, visto que o tema “interdisciplinaridade” é ainda bastante polêmico e controverso. Não há possibilidade de definição desse objeto teórico sem a consideração das vozes já divulgadas nos meios sociais nos quais somos sujeitos atuantes e “assujeitados”. Sob a materialidade do enunciado concreto, são tecidos os fios que compõem o discurso dos locutores. Nesse sentido, uma de nossas tarefas nesta pesquisa é a percepção dessa tessitura, tendo como pressuposto as bases teórico-metodológicas aqui apresentadas.

CAPÍTULO 5

5. ANÁLISE DOS DADOS CONCERNENTES AOS PROFESSORES E