• Nenhum resultado encontrado

1. O MOVIMENTO PELA INTERDISCIPLINARIDADE

1.3. INTERDISCIPLINARIDADE: CONTEXTO HISTÓRICO

Em Globalização e Interdisciplinaridade, Santomé (1998) faz um amplo estudo sobre as relações entre globalização, disciplinas, interdisciplinaridade e currículo integrado. O autor analisa o contexto histórico que, a seu ver, deu origem à fragmentação da cultura escolar, relacionando a necessidade de um currículo disciplinar aos fundamentos que organizaram o mundo industrial. Nesse caso, para o autor há uma interdependência entre a esfera econômica e a educacional.

No início do século XX, o sistema do fordismo e taylorismo imprimiu a idéia de trabalho individual na linha de montagem, que não exigia muita capacitação, já que o trabalho mais complexo era efetuado pelas máquinas. Esse mesmo sistema foi reproduzido pela escola, na qual professores e alunos não são responsáveis pelo que ensinam e aprendem, ou seja, assim como o trabalhador efetua um serviço repetitivo e segmentado sem ter consciência do porquê e para quê, o mesmo ocorre com o que é ensinado na escola. Nesta, os conteúdos são

memorizados com o único objetivo de tirar notas, assim como os trabalhadores objetivavam apenas o salário (SANTOMÉ, 1998, p. 15).

Segundo Santomé, a partir da década de 80, com a mudança no setor industrial e empresarial devido à globalização, o mercado de trabalho precisou de pessoas que pudessem desempenhar bem várias funções, necessitando de uma capacitação também mais global. Durante esse período, o mundo empresarial começou a criticar as instituições escolares, especialmente a formação profissional. Conseqüentemente, a liberdade de mercado do mundo do trabalho foi transferida para o âmbito da educação, o que fez com que, na década de 90, fossem elaborados “padrões de qualidade” - similares aos destinados para avaliar as empresas - para o sistema educacional.

Santomé (1998, p. 22) faz questão de frisar que as inovações pedagógicas surgidas para suprir essa nova configuração do mundo do trabalho podem se tornar slogans, ou propostas técnicas alheias aos problemas que serviram de estímulo à sua formação. Para que não incorram neste risco, é preciso que essas propostas realmente signifiquem uma mudança em prol da integração curricular, não apenas para formar o profissional, mas principalmente o cidadão desse mundo globalizado.

Neste sentido, a interdisciplinaridade surge diretamente vinculada à superação da fragmentação do saber e objetivando a formação de uma pessoa aberta a mudanças, solidária, democrática e crítica, com uma formação cada vez mais polivalente.

Santomé, embora analise a questão da interdisciplinaridade de um ponto de vista mais histórico, compartilha das idéias de Japiassu (1976) e Fazenda (1979), com as ressalvas de que o método só será bom se realmente cumprir suas finalidades.

Em sua abordagem histórica, o autor (1998, p. 46) conclui que a conceituação da interdisciplinaridade é uma questão típica do século XX, no entanto desde a época clássica, o homem almeja a unidade do saber. Nesse caso, é possível inferir, embora o autor não chegue a essa conclusão, que o próprio processo de excessiva especialização, instaurado a partir do século XIX, tenha vindo a serviço dessa unificação: na tentativa de saber mais sobre determinado assunto, optou-se pela segmentação do mesmo para, através das partes, conhecer

Santomé também descreve as hierarquizações propostas pelos estudiosos da interdisciplinaridade, entre os quais destaca as definições de Piaget e Erich Jantsch, como as de maior repercussão nas demais pesquisas sobre o assunto. O autor considera importante diferenciar o que chama de interdisciplinaridade vazia, que aplica mecanicamente uma suave integração de informações provenientes de campos disciplinares diferentes, sem o risco de repensar questões sociais conflituosas; da interdisciplinaridade crítica, que exige uma deliberação coletiva de problemas públicos e pressupõe o questionamento das razões, dos marcos teóricos e conceituais reconstruídos e assumidos.

Neste ponto, Santomé afirma, em outras palavras, que o movimento não pode se pautar apenas em questões internalistas, é preciso repensar questões sociais e, mais que isso, considerá-las como decisivas nas definições de qualquer organização curricular.

Embora Santomé afirme que a interdisciplinaridade pressupõe as disciplinas, o que é em si um fato denunciado pelo próprio vocábulo, mostra-se simpatizante de outras formas curriculares, entre as quais destaca o ensino por centros de interesse, temas, projetos e outras formas de concepção de um currículo integrado, que não estão centradas necessariamente nas disciplinas.

Temos, então, com Santomé (1998) uma ampla análise do cenário histórico em que surgiram as disciplinas e sua excessiva fragmentação, bem como a necessidade de superá-las a partir de um ensino interdisciplinar e, mais ainda, a partir de um currículo integrado. Ao descrever várias possibilidades de organização curricular, o autor deixa bastante claro que é preciso superar o modelo linear de organização dos conteúdos pautados nas disciplinas, mas que é preciso também não fazê-lo em prol de modismos, mas da construção de um cidadão capaz de lidar com o mundo globalizado.

Podemos criticar em Santomé sua excessiva preocupação em afirmar que as pretendidas mudanças curriculares devem objetivar a adaptação do ser humano ao mundo capitalista globalizado. Afinal, até que ponto as novas alternativas educacionais propõem uma transformação social ou apenas uma melhor acomodação ao cenário mundial existente?

Também é preciso frisar que apostar na interdisciplinaridade significa defender um novo tipo de pessoa, mais aberta, mais flexível, solidária,

democrática. O mundo atual precisa de pessoas com uma formação cada vez mais polivalente para enfrentar uma sociedade na qual a palavra mudança é um dos vocábulos mais freqüentes e onde o futuro tem um grau de imprevisibilidade como nunca em outra época da história da humanidade. (1998, p.45)