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4. ANÁLISE DO DISCURSO

4.3. PÊCHEUX E A ANÁLISE DO DISCURSO FRANCESA

Pêcheux foi um dos precursores no campo da Análise do Discurso e esse fato se evidencia em seu percurso, caracterizado por várias fases até que estabelecesse uma noção mais clara de seu objeto de estudo. Segundo o próprio autor (1993, p. 311), a Análise do

qual havia uma forte concepção estruturalista do discurso, e na qual se acreditava que o sentido do discurso provinha unicamente de um sujeito criador. Nesta fase, Pêcheux, influenciado pelos estudos de Althusser e de Foucault, acreditava que o sujeito só poderia ser constituído no e pelo discurso, a partir das posições ideológicas colocadas em jogo no processo sócio-histórico em que o discurso é produzido.

Dessa forma, a ideologia cria a ilusão de que o sujeito constrói seu discurso com autonomia, quando, na realidade, é a dimensão social e histórica que determina o que se pode e a quem se pode dizer o que se quer. Não é reconhecida, portanto, nenhuma autonomia possível para o sujeito, ele é concebido, como uma massa amorfa que se molda à estrutura social da qual faz parte e, como aríete, segue os movimentos determinados por uma instância superior. Nessa fase, Pêcheux traz para a Análise do Discurso a noção de formação discursiva introduzida por Foucault e acrescenta a ela a noção de formação ideológica: o sujeito “fala do interior de uma formação discursiva, regulada por uma formação ideológica” (BRANDÃO, 2001, p. 40).

Numa segunda fase, Pêcheux (1993, p. 314) reconhece que a formação discursiva não é um espaço estrutural fechado, mas é invadida por elementos que provêm de outras formações discursivas que se repetem e se inter-relacionam. Nessa fase, surge uma das noções mais profícuas do autor: a noção de interdiscurso. O interdiscurso para Pêcheux é um mecanismo a partir do qual são percebidas as inter-relações entre uma formação discursiva e outras que a precederam:

O próprio de cada formação discursiva é dissimular, na transparência do sentido que aí se forma, [...] o fato de que “isto fala” sempre antes, alhures, ou independentemente. (PÊCHEUX, 1975, p. 147. in CHARAUDEAU & MANGUENEAU, 2004, p. 287)

Embora ainda se mantenha a idéia de sujeito “assujeitado”, há uma abertura para a consideração de que a formação discursiva não é um bloco homogêneo e facilmente determinável, pois também é atravessada por outras formações. Começam nessa fase, os questionamentos sobre a consistência do próprio conceito de formação discursiva, que nortearão as discussões do terceiro período de Pêcheux em torno dos estudos sobre a Análise do Discurso.

Conforme o próprio autor (1993, p. 315), numa terceira fase da Análise do Discurso, o conceito de formação discursiva, incorporado de Foucault, mostra-se insuficiente e destaca-se uma maior preocupação com a questão da heterogeneidade discursiva, que traz novos questionamentos sobre o lugar da alteridade na identidade discursiva. Dessa forma, Pêcheux inicia suas pesquisas sobre o encadeamento intradiscursivo para determinar de que forma o interdiscurso acontece, se constitui e se identifica no processo discursivo.

O percurso de Pêcheux constitui de certa forma o próprio percurso da Análise do Discurso francesa, como nos afirma Brandão (2001, p. 41), pois é delineado pela “reconfiguração de uma série de conceitos fundantes que, na busca da identidade discursiva, vão sendo contaminados pela questão da alteridade”. Pode-se dizer que a Análise do Discurso francesa vai se constituindo a partir de seus erros e acertos no próprio trabalho de análise, confirmando a tese de Orlandi (2003, p. 27) quando diz que “o que define a forma do dispositivo analítico é a questão posta pelo analista, a natureza do material que analisa e a finalidade da análise”.

A consideração de Maldidier (2003, p. 15), sobre o discurso em Pêcheux, retrata bem a dificuldade no estabelecimento de uma teoria:

O discurso me parece, em Michel Pêcheux, um verdadeiro nó. Não é jamais um objeto primeiro ou empírico. É o lugar teórico em que se intrincam literalmente todas suas grandes questões sobre a língua, a história, o sujeito.

Em prefácio ao livro de Maldidier (2003, p. 12), Orlandi aponta o que considera serem os pontos fortes da construção teórica de Pêcheux:

(...) ter discutido o modo mesmo como se define e como funciona a ideologia, colocando o discurso como o lugar de acesso e observação da relação entre a materialidade específica da ideologia e a materialidade da língua. A partir daí a ideologia deixa de ser concebida como o era na filosofia ou nas ciências sociais para adquirir um novo sentido: o que se estabelece quando pensamos a própria produção dos sujeitos e dos sentidos. Inverte-se o pólo de observação: não se parte dos sentidos produzidos, observa-se o modo de produção de sentidos e da constituição dos sujeitos. E aí não se pode prescindir, de um lado da linguagem, de outro, da ideologia. Não como ocultação da realidade, mas como princípio mesmo de sua constituição.

Orlandi destaca, portanto, o fato de Pêcheux deter-se nos estudos especificamente lingüísticos, não partindo dos sentidos produzidos, mas do modo de produção dos sentidos e da constituição dos sujeitos, tanto pela linguagem quanto pela ideologia. Pode-se dizer que, enquanto Foucault deteve-se no discurso como forma de materialização da ideologia, Pêcheux levou o assunto para o universo lingüístico. O dizer continua associado aos elementos históricos e ideológicos, mas interessam também a estrutura e o funcionamento desse discurso no próprio processo discursivo que lhe dá identidade.

[…] discurso não como transmissão de informações, mas como efeito de sentido entre interlocutores, enquanto parte do funcionamento social geral. Então, os interlocutores, a situação, o contexto histórico-social, i.e., as condições de produção, constituem o sentido da seqüência verbal produzida (ORLANDI, 1987, p. 26).