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FOUCAULT E SUAS CONTRIBUIÇÕES À ANÁLISE DO DISCURSO

4. ANÁLISE DO DISCURSO

4.2. FOUCAULT E SUAS CONTRIBUIÇÕES À ANÁLISE DO DISCURSO

Embora os estudos lingüísticos não estivessem entre os objetivos principais do filósofo Foucault (1986, 2005), para quem interessavam mais a política e a história, alguns de seus pressupostos sobre o discurso como forma de poder na sociedade capitalista se tornaram frutíferos para o campo da Análise do Discurso.

Foucault, segundo Brandão (2004, p. 32), concebe o discurso como formado por elementos que não estão ligados por nenhum processo de unidade, fato que exigiria do analista do discurso uma descrição desses elementos, em busca de regras que pudessem reger a sua formação. Para Foucault, essas regras estavam fundamentadas num sistema de relações entre objetos, tipos enunciativos, conceitos e estratégias que determinariam uma formação discursiva e, por conseguinte, possibilitariam uma espécie de ordem ao caos: a passagem da dispersão para a regularidade.

Segundo Orlandi (2003, p. 42), a noção de formação discursiva em Foucault relaciona- se à idéia de que o sentido do enunciado não é dado simplesmente pelo sujeito, mas pelas posições sociais e, principalmente, ideológicas, colocadas em jogo no processo sócio-histórico em que as palavras são produzidas. Dessa forma, as palavras mudam de sentido, dependendo dos papéis representados pelos sujeitos na sociedade e conforme a ideologia vigente.

Podemos depreender de Foucault (1986, p. 31-61) que o discurso pode ser considerado dispersão, pois seu enunciador assim também o é. Não se pode determinar o teor de um enunciado sem antes reconstituir sua formação discursiva e, por conseguinte, sua formação ideológica.

A análise do campo discursivo (...) trata-se de compreender o enunciado na estreiteza e singularidade de sua situação; de determinar as condições de sua existência, de fixar seus limites da forma mais justa, de estabelecer suas correlações com os outros enunciados a que pode estar ligado, de mostrar que outras formas de enunciação exclui.

[...]

O discurso (...) é um conjunto em que podem ser determinadas a dispersão do sujeito e sua descontinuidade em relação a si mesmo.

Em A ordem do discurso, Foucault (2005, p. 09) revela que, em uma sociedade capitalista, o dizer está submetido a uma série de ordens: “não se tem o direito de dizer tudo, não se pode falar de tudo em qualquer circunstância e qualquer um não pode falar de qualquer coisa”. O autor destaca os princípios de exclusão do discurso, entre os quais estão os procedimentos internos: a interdição, a separação e rejeição e a vontade de verdade; e os princípios externos: o comentário, o autor e as disciplinas.

É possível depreender em Foucault (1986, 2005) a noção de discurso como um campo vigiado, no qual o sujeito está “assujeitado” às condições sociais e à ideologia vigente. A definição de “autor” como um dos princípios externos de exclusão sugere esse assujeitamento. Para Foucault (2005, p. 26).

O autor não entendido, é claro, como o indivíduo falante que pronunciou ou escreveu um texto, mas o autor como princípio de agrupamento do discurso, como unidade e origem de suas significações, como foco de sua coerência. (grifo nosso)

Nesse excerto, pode-se perceber que Foucault parte do pressuposto de que o discurso, aparentemente individual e original, é constituído por várias vozes que o precedem. O enunciado causa a ilusão de pertencimento ao sujeito que o pronunciou, mas não é unicamente de sua autoria, pois está contextualizado nas formações discursivas e ideológicas difundidas na sociedade.

Ainda em A ordem do discurso, Foucault (2005, p. 44) destaca que as condições de funcionamento do discurso são determinadas por procedimentos de controle: o ritual - que define a qualificação dos indivíduos que falam -, a sociedade do discurso – cuja função é conservar ou produzir discursos para fazê-los circular conforme querem seus detentores -, os grupos doutrinários – que ligam os indivíduos a certos tipos de enunciação e lhes proíbe as demais – e as apropriações sociais do discurso, visto que “todo sistema de educação é uma maneira política de manter ou modificar a apropriação dos discursos, com os saberes e os poderes que eles trazem consigo”.

Foucault (2005, pp. 51 - 53), assim como aponta os princípios de exclusão e as condições de funcionamento como procedimentos de controle do discurso, também define os princípios que “regem o trabalho em busca de restituir ao discurso seu caráter de acontecimento; suspender, enfim, a soberania do significante”. Na verdade, o autor formula um procedimento de análise do discurso que proceda aos seguintes passos:

inversão: reconhecer nas “figuras que parecem desempenhar um papel positivo como a do

autor, da disciplina ou da vontade da verdade [...] o jogo negativo de um recorte e de uma rarefação do discurso.” (pp. 51, 52)

descontinuidade: “os discursos devem ser tratados como práticas descontínuas, que se

cruzam por vezes, mas também se ignoram ou se excluem.” (p.52, 53)

especificidade: “não transformar o discurso em um jogo de significações prévias.” (p. 53)

exterioridade: em vez de passar do discurso para seu núcleo interior, a partir do próprio

discurso, “passar a suas condições externas de possibilidades, àquilo que dá lugar a série aleatória desses acontecimentos e fixa suas fronteiras”. (p. 53)

Com a determinação desses passos, Foucault (2005) propõe que, em vez da análise geralmente efetuada pela história tradicional, o discurso seja visto como “acontecimento” que se relaciona a uma série de discursos e é caracterizado por regularidades - e não pela originalidade - e, finalmente, possui condições de possibilidade e não significação a priori.

Esses conceitos encontram eco nas formulações de Althusser (1974) sobre a ideologia e os aparelhos de Estado, no qual os sujeitos também estão condicionados à ordem que ocupam na sociedade. Foucault (2005), ao tratar do discurso nesse viés, contribui para a discussão sobre a forma como o poder está distribuído na sociedade capitalista e contribui especialmente, mesmo sem esse objetivo, às análises do discurso ainda incipientes.

Segundo Brandão (2004, p. 37), entre as principais contribuições de Foucault para o estudo da linguagem estão: o discurso como prática proveniente da formação dos saberes e a necessidade de sua articulação às práticas não discursivas; o conceito de formação discursiva, cujos elementos são regidos por determinadas regras; a distinção entre enunciação, que singulariza o discurso, e enunciado, que passa a funcionar como a unidade lingüística básica; a concepção de discurso como jogo estratégico de ação e de reação, de pergunta e resposta, de dominação e de esquiva e também como luta; o discurso como espaço em que saber e poder se articulam, pois quem fala, fala de algum lugar, a partir de um direito reconhecido institucionalmente; a produção desse discurso gerador de poder é controlada, selecionada, organizada e redistribuída por certos procedimentos que têm por função eliminar as ameaças à permanência desse poder.

Entre essas várias contribuições para a Análise do Discurso, podemos dizer que a noção de formação discursiva desenvolvida por Foucault foi decisiva para as concepções de Pêcheux em suas primeiras incursões no campo da Análise do Discurso, como veremos a seguir.