• Nenhum resultado encontrado

Etimologicamente, o termo femicídio agrega os morfemas femi, derivado de femin, cuja origem é grega (phemi), significando "manifestar seu pensamento pela palavra, dizer, falar, opinar" e cídio, derivado do latim cid/um, cujo significado remete à expressão "ação de quem mata ou o seu resultado". Assim, femicídio define a forma extrema da violência contra mulheres, e seria o equivalente feminino do vocábulo homicídio, porém este ainda não é aceito no Brasil como categoria de análise e menos ainda como indicador de criminalidade, o que permite ainda a invisibilidade dos fatores comuns, que se desenvolvem e constituem a violência sexual sistêmica contra as mulheres (GÓMEZ, 2010; JESUS, 2010).

Historicamente, esse termo, formulado originalmente em inglês “femicide”, foi utilizado pela primeira vez pela feminista inglesa Diana Russel, no ano de 1976, durante um depoimento perante o Tribunal Internacional sobre Crimes contra as Mulheres, realizado em Bruxelas (LARGADE, 2004).

Na literatura, Pasinato (2011) aponta que, em 1993, Russel e Radford editaram o livro Femicide: the politics of woman killing, que se tornou referência para os estudos de violência de gênero. As autoras utilizaram a expressão para designar o assassinato de mulheres pelo simples fato de serem mulheres, resultante da discriminação baseada em gênero, classificando os casos como femicídio sempre que as agressões terminassem em morte de uma mulher.

Segundo Lopes (2011), femicídio é uma categoria criada para englobar o que há em comum na agressão e morte de mulheres pelo fato de serem mulheres, evidenciando o impacto político de uma desigualdade de gênero.

No cenário nacional, a primeira a revisar o termo femicidio na academia foi Sueli Almeida (1998). A pesquisadora defende que a expressão “femicídio” foi introduzida em 1976, no Tribunal Internacional de Crimes contra a Mulher, como dito anteriormente, voltando a ser utilizada nos anos 1990, para evidenciar a “não-acidentalidade” da morte violenta de mulheres que envolveria, inclusive, estupros seguidos de assassinato, casos de assassinato de prostitutas por seus clientes e assassinatos conjugais. Femicídio, para ela, explicita o caráter sexista dos crimes conjugais, desmascarando a aparente neutralidade dos termos homicídio e assassínio (ROMIO, 2010).

Na realidade, no período de 1976 até 1999, o termo femicídio praticamente foi esquecido, voltando a ser utilizado a partir dos anos 2000. A motivação do retorno desse termo foi para denunciar a morte de mulheres ocorridas na cidade de Ciudad Juarez, no Estado de Chihuahua, norte do México. Tal incidente marcou a época. Gravis, Hérnandez; Luna (2008) retratam esse fato estarrecedor com mulheres operárias, migrantes, ainda jovens, que foram mortas e tiveram os seus corpos jogados em valas e terrenos baldios, com marca de violência sexual, estrangulamento e até mesmo esquartejamento.

Observa-se que a violência contra a mulher é um fenômeno que ocorre em todas as culturas. A magnitude da agressão é variável, sendo mais forte em países que apresentam uma cultura masculina e onde há uma menor busca de soluções igualitárias para as diferenças de gênero (BLAY, 2003).

No Brasil, a incidência de mortalidade feminina por assassinato tem aumentado a cada ano. Segundo um levantamento do Instituto Sangari, a partir de dados obtidos de certidões de óbito e procedentes da OMS, ligada à ONU, o Brasil acumulou mais de noventa e duas mil mortes de mulheres vítimas de agressão nos últimos trinta anos, sendo 43,7 mil só na última década (WAISELFISZ, 2012).

Para Vianna (2010), nesse cenário, inúmeros casos de assassinato de mulheres caem no esquecimento; outros poucos são evidenciados. As mortes de Eloá Cristina Pimentel, 15 anos em 2008, Mércia Nakashima, 28 anos em 2010 e Elisa Samúdio, 25 anos, desaparecida desde junho de 2010, por exemplo, chamam a atenção pela brutalidade dos companheiros ou ex-companheiros.

Esta autora destaca que, diante da abordagem midiática e sensacionalista, o país presenciou ao vivo o desfecho do caso de Eloá Pimentel através de cobertura televisiva em que o anunciado assassinato da adolescente consumou-se, sendo os eventos presenciados por todos, como se fosse um filme de suspense e terror, passando, a partir daí, a ser mais um caso de homicídio feminino que entrou para a estatística brasileira, fazendo crer que se tratava de uma fatalidade, um crime “passional” isolado. Essa visão é muitas vezes compartilhada até mesmo por policiais e membros do Poder Judiciário, que abordam esses casos como uma sucessão de fatalidades isoladas, esquecendo-se de observar o quadro geral de violência contra mulheres, ou seja, um problema de gênero.

Por outro lado, o assassinato de mulheres tem chamado a atenção, especificamente dos movimentos feministas no Brasil e no mundo, e vem sendo estudado principalmente pela antropologia e por ativistas feministas com a denominação de “femicídio”. Entretanto, Carcedo; Sagot (2000) alertam que existe uma grande discussão no movimento de mulheres e

feministas quanto à maneira de tipificar os assassinatos de mulheres, embora esse termo já seja utilizado amplamente em países como México e Guatemala.

Pasinato (2011), retomando o caso de Cuidad de Juarez, aponta que cerca de 300 mulheres foram assassinadas, e em torno de 4.500 desapareceram sem que houvesse investigação ou punição dos casos, demonstrando, assim, a própria omissão do Estado responsável pela ação contra os responsáveis pelos crimes e ameaça contra a vida de quem tentasse decifrá-los.

De acordo com a feminista e deputada federal mexicana Marcela Largade, após a repercussão mundial da impunidade do caso de Ciudad Juarez devido à omissão do México, em 2000, o país foi pressionado pelo movimento de mulheres e feministas locais e internacionais. Em consequência disso, foi criada, nesse país, a Comissão de Direitos Humanos e de Verdade e Reparação para investigar os casos (LARGADE, 2004). Graças ao movimento feminista do México, as mortes de mulheres ocorridas em Cuidad Juarez foram reconhecidas como feminicídio.

Posteriormente Marcela Lagarde diferenciou os termos femicídio (a morte de mulheres em geral) e feminicídio, referente às mortes de mulheres causadas e legitimadas por um sistema patriarcal e misógino, sendo que termo “misógino” tem como significado, ódio ou desprezo ao sexo feminino. Entretanto, ainda existem bastantes controvérsias por parte dos estudiosos, sobre qual termo usar, “femicídio” ou “feminicídio”, como também existem pontos de vistas diferentes de como e quando o termo deverá ser empregado, ou seja, qual seria o seu real significado para o assassinato de mulheres.

Para Largade, a palavra femicídio perde força quando traduzida para o castelhano, visto que, para a autora, a denominação “feminicídio” servirá para caracterizar melhor o conjunto de delitos, crimes e desaparecimento de mulheres.

O conceito de femicídio, proposto primeiramente por Russel e Caputi (1992), é utilizado também por Almeida (1998) e Saffioti (2004) em detrimento do tipo criminal, homicídio para indicar e desmascarar o sexismo presente nos crimes de homicídio contra mulheres, bem como sua não acidentalidade e não ocasionalidade. Igualmente, para Almeida (1998), femicídio explicita o caráter sexista dos crimes conjugais, desmascarando a aparente neutralidade dos termos homicídio e assassinato que, além de revelar esse fenômeno, integra a política sexual de apropriação das mulheres. Enquanto que, para Saffioti (2004), a violência de gênero que resulta em femicídio deve ser compreendida a partir de uma sociabilidade balizada na lógica da dominação masculina.

Por outro lado, o conceito de femicídio utilizado por Almeida (1998) e Saffioti (2004) é diferente de femicídio proposto por Segato (2006) e Pasinato (2011). Na visão da socióloga e pesquisadora do Núcleo de Estudos da Violência da USP, Wania Pasinato, a contradição está em aplicar a mesma categoria para explicar todas as mortes de mulheres, independente da sua idade, classe social, do contexto dos crimes e de quem o pratica.

Para Pasinato, qualificar esses crimes é uma maneira de conhecer as relações de poder que ocasionaram a prática desse tipo de crime. Portanto, a classificação dos homicídios de mulheres como femicídio não contribuirá para o conhecimento da compreensão deles, visto que o uso da categoria femicídio é muito recente no país e não se dispõe de um conjunto de argumentos que permitam analisar sua validade política para a classificação das mortes de mulheres. Assim, em vez de aplicar uma categoria que é homogeneizante, parece ser mais produtivo explorar as causas e os contextos em que ocorrem para qualificar os eventos e compreender as relações de poder que concorrem para sua prática.

Quanto à antropóloga e investigadora Rita Laura Segato, em relação à discussão sobre qual dos crimes contra mulheres poderão ser considerados feminicídios, importa para essa antropóloga existir uma distinção dos crimes de gênero daqueles decorrentes de outras formas de criminalidade, ou seja, Segato argumenta a favor do uso da categoria feminicídio, mas com ressalvas, retirando os crimes contra mulheres da categoria de homicídios, de modo a demarcar, frente aos meios de comunicação e a toda a sociedade, os crimes do patriarcado contra as mulheres (SEGATO, 2006).

Segato propõe ainda uma análise mais crítica para essas mortes crescentes de mulheres, a partir de uma categoria discursiva. A antropóloga considera também a visibilidade desses crimes como misóginos e patriarcais aos meios de comunicação em geral.

Para Segato, o que parece adequado diante do assassinato de mulheres seria falar do universo de sentidos entrelaçados, bem como as suas motivações de forma inteligíveis sobre os casos, tanto no que toca às suas razões, quanto no que se refere à grande rede de proteção que parece existir em torno dos responsáveis. Segato afirma que o feminicídio não é uma questão somente de nomenclatura. De acordo com a antropóloga, para tratar do assassinato de mulheres requer muito mais, a começar pelos diversos fatores envolvidos que contribuem para a ocorrência desse tipo de crime, dentre eles, a violência física, psicológica, financeira etc. (SEGATO, 2005).

Desta forma, ambas as estudiosas não defendem na sua totalidade o uso dos termos feminicídio/ femicídio para o avanço do conhecimento das mortes de mulheres no país.

No Brasil, o assassinato de mulheres ainda é conhecido como “homicídio feminino” pelo próprio mapa da violência de 2012. De acordo com Gómez (2010), o termo feminicídio/ femicídio ainda encontra-se em construção e, quando é utilizado em algumas situações de assassinato de mulheres, há divergências quanto ao uso do conceito, uma vez traduzido do inglês e do espanhol, ora como femicídio, ora como feminicídio.

Ainda para a mesma autora, independentemente da utilização da categoria por um nome ou outro, o fato é que o número de mulheres mortas só tem aumentado ao longo dos anos. Entretanto, reconhecer o assassinato de mulheres, investigando a sua possível relação com a violência de gênero, poderá constituir como um elemento importante para uma melhor visibilidade do fenômeno, já que o termo “homicídio”, quando empregado para o assassinato de mulheres, poderá trazer uma invisibilidade ao evento, visto que esse termo refere-se melhor ao assassinato de homens.

Segundo Gomes et al. (2007), para tipificar o assassinato feminino, seria ideal a utilização do termo femicídio ou feminicídio, que apresenta um enfoque ao assassinato de mulheres por questão de gênero, sendo esse termo já amplamente utilizado na maioria dos países da América Latina. Para essa autora, tipificar penalmente o femicídio significa defini- lo como crime autônomo, diferente do homicídio.

Gomes (2010) ; Romio (2009) corroboram o tópico com Gomes et al. (2007), quando enfatizam que a opção pela utilização de femicídio, em detrimento de homicídio ou assassinato de mulheres, faz-se necessária para indicar o sexismo presente nesses crimes, bem como apontar a sua não ocasionalidade e não eventualidade, visto que a maioria dos homicídios de mulheres dá-se como produto da estrutura desigual de gênero. Para as autoras, a proposta do termo é agregar valor analítico aos estudos dos homicídios quando o caso é feminino.

Gomes (2010) chama a atenção para o fato de que ainda não há uma reivindicação concreta para o uso do conceito femicídio ou feminicídio, mas que, para garantir a visibilidade de uma realidade ainda mascarada e permeada pelo romantismo, passionalidade e vitimização masculina no Brasil, o uso do termo seria adequado, visto que a maioria dos homicídios femininos apresenta como causa a violência de gênero no marco de um sistema patriarcal.

Carcedo; Sagot (2000) também usam uma versão do conceito de femicídio representada pelas mortes violentas e assassinatos de mulheres por homens. Por sua vez, também desenvolvem uma tipologia para femicídio. Para as autoras, há uma diversidade de situações em que os crimes podem ocorrer, sendo que, dessa forma, definiram o femicídio em

três grupos: femicídio íntimo, quando perpetrado por parceiro íntimo; femicídio não íntimo, quando perpetrado por qualquer pessoa do sexo oposto e; femicídio por conexão, que ocorre quando uma mulher é assassinada por defender a outra pessoa, evidenciando uma pluralidade de situações.

Portanto, a categoria ainda constitui uma discussão relativamente recente no Brasil, ainda com pouca bibliografia sobre o femicídio ou feminicídio. Outro contraponto é que o termo não existe no dicionário da língua portuguesa e, muito menos, no Código Penal brasileiro e ainda não é aceito como categoria de análise e menos ainda como indicador de criminalidade, o que permite a invisibilidade dos fatores comuns que se desenvolvem e constituem a violência sexual e sistêmica contra as mulheres.

Por outro lado, a CPMI, tendo como base dados de instituições como a ONU e o Instituto Sangari, responsável pela publicação do mapa da violência, aprovou em julho de 2013, por unanimidade, o relatório final que investigou a violência contra a mulher. Apresentado pela senadora Ana Rita (PT-ES), o texto de mais de mil páginas possui 13 projetos de lei, entre eles o que tipifica o crime de feminicídio. A intenção dos parlamentares que integram a comissão é que este crime seja incluído no Código Penal brasileiro (Decreto- Lei nº 2.848/1940). Assim, para o feminicídio como forma extrema de violência de gênero que resulta na morte da mulher, a pena sugerida para o crime conceituado é de reclusão de 12 a 30 anos (BRASIL, 2013).

Dessa forma, na atualidade, já é perceptível, por parte do poder público, a discussão sobre o termo feminicídio, no sentido de tipificar o crime de homicídio feminino ocorrido no Brasil com o objetivo de dar visibilidade à problemática.