• Nenhum resultado encontrado

UMA CONCEPÇÃO DE MESTRADO EM EDUCAÇÃO

1. INTRODUÇÃO

A Formação de "especialistas em educação"(1) tem esbarrado em uma série de dificuldades que vão desde a complexidade e amplitude da problemática educacional até a imprecisão e inconsistência das habilitações que buscam traduzir diferentes modalidades de especializações profissionais no campo educacional.

Visto que a educação é uma atividade mediadora no seio da prática social global, consideramos que a categoria de mediação é o conceito chave a partir do qual cabe explicitar a natureza seja da educação, seja, por conseqüência, do "especialista em educação". A não consideração dessa categoria acaba por situar os chamados "especialistas em educação", grosso modo, em dois extremos. Num extremo estão aqueles que dominam com relativa segurança determinada área do conhecimento (sociologia, psicologia, filosofia, história, economia...) e a partir dela, à luz de sua estrutura conceptual, abordam a educação. No outro extremo, estão aqueles que, situando-se no interior de determinadas práticas pedagógicas, intentam apropriar-se de técnicas específicas com vistas a garantir procedimentos sistemáticos e reiterativos que teriam o condão de assegurar a eficácia e eficiência da atividade educativa desenvolvida por agentes que não dispõem da densidade teórica reclamada pela natureza

1. Trabalho apresentado na l Reunião Científica da ANPEd (Associação Nacional de Pós-Graduação em Educação), realizada em Fortaleza, de 21 a 23 de agosto de 1978.

95 ▲ complexa do fenômeno educativo. Dir-se-ia que os primeiros situam-se no pólo teórico. Tendem a ver a educação de modo reducionista, acreditando que a educação no seu todo consiste naquela faceta que pode ser apreendida e explicada pelo referencial teórico por eles assumido. Os segundos situam-se no pólo prático-técnico. Tendem a ver a educação como algo já constituído e em pleno funcionamento, distribuindo-se os seus agentes de acordo com tarefas específicas que exigem uma formação também específica como condição de eficiência. Trata-se, aqui, das habilitações técnicas. No primeiro caso, o "especialista em educação" será definido como sendo aquele que domina determinada área do conhecimento (sociologia, psicologia, filosofia, economia, história...) e a aplica à educação. No segundo caso, o "especialista em educação" será aquele que domina determinada habilitação técnica (orientação, supervisão, inspeção, direção...) Se os primeiros possuem certa consistência teórica ao preço de dissolver a especificidade das questões pedagógicas, os segundos guardam maior sensibilidade para com o especificamente pedagógico; a falta de consistência teórica, entretanto, não lhes permite ir muito além do nível do senso comum no trato das referidas questões pedagógicas. Entre ambos abre-se um fosso. Em nosso entendimento, a educação, enquanto atividade mediadora, situa-se exatamente nesse fosso. O espaço próprio da educação encontra-se na intersecção do individual e do social, do particular e do geral, do teórico e do prático, da reflexão e da ação.

Os dois extremos mencionados relacionam-se também com duas concepções opostas de educação amplamente difundidas. No primeiro pólo encontramos a tendência a se acentuar o caráter dependente da educação em relação ao contexto em termos unidirecionais, seja no plano sociológico (dependência do contexto sócio-econômico-político) seja no plano epistemológico (dependência das diferentes áreas do conhecimento), o que acaba por anular toda e qualquer margem de autonomia da educação. No segundo pólo encontramos a tendência a se ignorar os condicionantes contextuais, acreditando-se que a educação goza de plena autonomia, seja no plano sociológico (julgando-se ingenuamente que a educação possui poderes próprios sendo mesmo capaz de operar transformações sociais profundas) seja no plano epistemológico (admitindo-se implicitamente o pressuposto de que a educação possui estatuto teórico próprio). Num caso, predomina a posição do determinismo mecanicista. No outro, está subjacente a posição do idealismo romântico.

96 ▲ Os Programas de Pós-Graduação em Educação, na proposição de suas áreas de concentração, têm refletido com maior ou menor fidelidade a situação acima descrita. Temos, assim, áreas de concentração do primeiro tipo, isto é, centradas em determinadas áreas do conhecimento; e áreas de concentração do segundo tipo, isto é, centradas em determinadas habilitações profissionais.

Para corrigir essas distorções, estamos propondo uma nova concepção de Mestrado em Educação que implica também uma nova concepção de "especialista em educação". Para nós, o verdadeiro especialista em educação será aquele que, tomando como centro e ponto de referência básico a educação enquanto fenómeno concreto (isto é, a

educação considerada no modo próprio como ela se estabelece mediatizando as relações características de uma sociedade historicamente determinada), seja capaz de transitar com desenvoltura do plano teórico (avaliando, reelaborando e assimilando criticamente as contribuições das diferentes áreas do conhecimento) ao plano prático (elaborando, reformulando e criticando as técnicas de intervenção pedagógica) e vice-versa.

2. PRINCÍPIOS

Um Programa de Pós-Graduação em Educação que tenha por objetivo a formação do especialista acima mencionado deverá, a nosso ver, ser construído com base nos seguintes princípios.

1. Concreticidade:

Sendo o concreto "síntese de múltiplas determinações", considerar a educação de modo concreto significa apreendê-la no âmago do movimento histórico onde ela aparece como síntese das relações sociais características de uma sociedade determinada; no nosso caso, a sociedade brasileira.

2. Critícidade:

Partindo da educação enquanto fenómeno concreto, impõe-se empreender a crítica sistemática do senso comum (forma sincrética e cristalizada de conceber a realidade) de modo a extrair o seu núcleo válido (o bom senso) e elevá-lo, pela

97 ▲ mediação da análise, a uma concepção sintética elaborada. Em outros termos, trata-se de passar do nível do senso comum ao plano teórico, onde o problema educacional é formulado de modo sistematizado, coerente e orgânico.

3. Objetividade:

A postura crítica exigirá a explicitação dos fundamentos do modo científico de encarar os fenómenos como condição para a assimilação/elaboração dos procedimentos adequados à abordagem objetiva da problemática educacional.

4. Especificidade:

Garantidos os princípios acima enunciados, o especialista em formação deverá dominar em profundidade uma área significativa do campo educacional, de modo a estar em condições de contribuir especificamente para o desenvolvimento da educação em seu conjunto.

5. Flexibilidade:

O domínio aprofundado de uma área específica poderá exigir estudos complementares, seja para penetrar mais decididamente na área em questão, seja para, através de estudos em áreas conexas, delimitar com maior precisão o âmbito de especificidade da área escolhida. Impõe-se, pois, uma margem de flexibilidade na estruturação do Programa.

3. ESTRUTURA CURRICULAR

Os princípios acima enunciados enformam globalmente a estrutura curricular; entretanto, como se verá adiante, as diferentes partes bem como as diferentes disciplinas que compõem o currículo derivam diretamente de determinados princípios.

Propomos uma estrutura curricular em três blocos. No primeiro bloco devem figurar aquelas disciplinas que desenvolvem os elementos considerados imprescindíveis a todo e qualquer especialista em educação. Este bloco constitui, pois, o núcleo básico e abrange três disciplinas derivadas diretamente dos princípios 1, 2 e 3, como segue:

- O princípio de concretíddade impõe a programação de uma disciplina que tome

como objeto de estudo a educação brasileira no movimento histórico de suas múltiplas determinações. Tal disciplina poderá ter a seguinte denominação: História da Educação Brasileira.

- O princípio de critiàdade exige a presença da reflexão filosófica entendida, porém, não em termos da Filosofia da Educação enquanto área específica, mas como uma reflexão que permita elevares problemas educacionais do nível do senso comum ao plano da elaboração teórica. Essa tarefa poderá ser desempenhada pela disciplina denominada Problemas da Educação.

- O princípio de objetívidade nos leva a propor a disciplina Fundamentos de Metodologia da Pesquisa Educacional. Trata-se de uma disciplina que, tomando como ponto de referência concreto a educação, estrutura-se como mediação entre os problemas colocados pela Filosofia da Ciência e os procedimentos que caracterizam a Metodologia da Pesquisa.

O segundo bloco se funda no princípio de especificidade e constituirá a área de concentração, desdobrada em duas ou três disciplinas de acordo com as exigências próprias de cada área que o Programa venha a oferecer.

O terceiro bloco, fundado no princípio de flexibilidade será constituído pelas disciplinas optativas.

4. DURAÇÃO E CRÉDITOS

O currículo pleno será constituído por oito disciplinas de três créditos cada uma, às quais se acrescenta Estudo de Problemas Brasileiros conferindo um crédito. Atribuindo-se à dissertação de mestrado o valor de seis créditos, a integralização dos estudos abrangerá um total de trinta e um créditos. O tempo ideal para se completar esse conjunto de estudos que culminam com o grau de mestre em educação será de três anos, nos quais serão cursadas duas disciplinas por semestre, reservando-se o último ano exdusivamente aos trabalhos relativos à elaboração da dissertação. O aluno bolsista em tempo integral que necessitar concluir em dois anos deverá imprimir um ritmo intensivo aos estudos, cursando três disciplinas por semestre e reservando o último semestre para ultimar os trabalhos relativos à elaboração da dissertação.

5. CONCLUSÃO

Com essa proposta de um curso centrado num núcleo básico comum sobre

99 ▲ o qual se constrói uma formação específica diversificada por áreas de concentração, abrindo-se num leque de possibilidades ao nível das disciplinas optativas, acreditamos seja possível criar as condições estruturais necessárias à formação do especialista capaz de, sem perder de vista o terreno concreto da educação, transitar com desenvoltura do plano teórico ao plano prático e vice-versa. Assim sendo, o referido especialista não estará apenas conceituando a educação como mediação, mas estará, ele próprio, realizando a mediação que caracteriza a educação. O conceito aparece, pois, saturado de realidade.

É óbvio, contudo, que as condições estruturais, embora necessárias, não são suficientes para se atingir o objetivo pretendido. É necessário pessoal docente senão já devidamente qualificado, pelo menos desperto para as exigências implicadas pelo novo tipo de especialista em educação que se pretende formar. Só assim será possível a adequada seleção dos conteúdos formativos e a vigilância indispensável para se evitar os riscos decorrentes do viés de nossa formação pregressa e a rotina, porventura desfavorável, instalada no âmbito institucional.

100 ▲